Clarissa encontra a própria voz em novo álbum: ‘Tenho certeza do que quero ser’
‘Tantas Formas de Dizer Adeus’ traduz um momento de autodescoberta da artista carioca; à Rolling Stone Brasil, ela detalha o lançamento e relembra sua trajetória
Gabriela Nangino (@gabinangino)
“Eu sei que todo mundo sempre fala, ‘tudo que eu vivi me trouxe até aqui’. Mas esse álbum, mais do que todos os outros, tudo o que eu vivi realmente me trouxe até ele”. É assim que a cantora e atriz carioca Clarissa Müller, de 26 anos, descreve o seu terceiro álbum de estúdio, Tantas Formas De Dizer Adeus, lançado nas plataformas digitais nesta quinta, 11 de dezembro.
Ao longo de 12 faixas, Clarissa se reinventa como uma artista mais confiante e madura em estética e narrativa. Mesclando indie, pop e rock, ela foge das raízes melancólicas que caracterizam alguns de seus trabalhos anteriores e apresenta ao público uma sonoridade mais moderna, intensa e ousada. Em entrevista exclusiva à Rolling Stone Brasil, a cantora indicada a Artista Revelação no Grammy Latino 2022 revelou os detalhes do processo de criação dessa novidade.
Sobre Tantas Formas de Dizer Adeus
Clarissa se recusa a caber nas “caixinhas” em que outros já tentaram colocá-la. Apesar da voz delicada, ela cresceu rodeada por guitarras e sintetizadores do indie rock: sua banda preferida é o The Strokes. Após cinco anos de carreira, seu objetivo agora é consolidar uma identidade artística autêntica e ser fiel a si mesma.
“O indie ainda tem uma sonoridade muito gringa, e eu quis trazer isso para o nosso calor, para o Brasil […]. Eu estou nesse processo de tentar encaixar a minha persona na persona Clarissa, cantora”, comenta.
Segundo a artista, ela precisou superar limitações artísticas e pessoais para construir Tantas Formas De Dizer Adeus. “Eu passei por um longo processo para entender a diferença entre o que eu escuto, o que esperam de mim e o que eu quero fazer; foi difícil perceber em que lugar eu me encaixava”, confessou.
Eu tenho a voz um pouco mais aerada, baixinha, que as pessoas já associam com o MPB. Ao mesmo tempo, eu tenho uma personalidade que não é muito ‘MPB’, eu consumo muito rock, e eu sentia que eu tinha muito mais a ver com isso no trabalho — apesar do que esperavam de mim. O indie rock me abraçou perfeitamente. Eu precisava soltar algumas coisas, e só esse gênero poderia fazer isso por mim.
Nesse trabalho, o aspecto visual também foi uma ferramenta importante, que conversa com a mensagem do disco e com as inspirações pessoais da autora. Com tons de laranja quente, o visualizer de “Eu Fim, Você Início” transpõe uma atmosfera misteriosa e imersiva, quase hipnótica, enquanto Clarissa canta sobre um relacionamento confuso: “O sol já vai se pôr / e a gente preso aqui / na ilusão do agora / e precisar fugir”.
“Eu não tenho a pretensão de fazer uma ‘super produção’ [nos videoclipes], mas, ao mesmo tempo, acho importante que os visuais façam as pessoas se sentirem inseridas no universo do álbum”, explica. “A gente queria algo que fosse sexy e simples, com frescor”.
A moda também é um eixo central da persona que Clarissa assume. “Eu gosto de ter um senso estético pra moda, pra minha atuação, [e] gosto de dar pitaco na direção dos meus clipes, nos roteiros. Sou apaixonada por arte, e a moda é um tipo de arte, uma forma da gente se expressar”.
Tantas Formas de Dizer Adeus foi a primeira vez em que a cantora não precisou correr contra o tempo, mas teve ele ao seu lado. Ela explica que canções como “Eu Fim, Você Início” e “1001 Noites” foram escritas há mais de um ano, enquanto seus álbuns anteriores precisaram ser produzidos em cerca de dois ou três meses.
“Eu tive muito mais tempo e paz de espírito para fazer esse álbum”, relembra, aliviada. “Ele vem de um momento muito mais lúcido meu. Porque eu também passei por muitos processos, tanto como artista como na minha vida pessoal, tive muitos altos e baixos dentro da minha saúde mental nos últimos anos”.
Durante a produção da maior parte do disco, estavam os músicos Iuri Rio Branco, Pedro Lucas e Enzo Dicarlo. Felipe Bade também colaborou em “1001 Noites” e “Logo Eu, Uma Garota Inteligente”. “Foi um processo muito doloroso e muito gostoso, porque criar é muito difícil, a gente se julga muito e a gente erra muito até acertar”, reflete a cantora. “Mas é muito legal ter pessoas tão maneiras e talentosíssimas comigo”.
Ela também agradece seu produtor musical, Tiê. “Ele me encontrou por acaso e a gente super clicou, e ele me desafiou muito, artisticamente. […]. Sem essa cobrança, eu não teria sido tão instigada a chegar no lugar que cheguei”. A seguir, entenda um pouco mais sobre a trajetória de Clarissa até aqui.
Um passeio pelo passado

Clarissa sempre teve uma veia artística — sensibilidade, gosto pela escrita — , mas nunca soube que esse seria seu futuro. Sua irmã, Raíza Müller, ou Ráae, também é cantora e compositora. “Eu pensava, ‘tá, essa é a parada dela, eu vou encontrar a minha’. Eu nunca tinha imaginado que a arte ia ser um caminho pra mim”, admite.
Ao contrário do esperado, Clarissa não deu seus primeiros passos na música, mas sim na atuação. Em 2018, ela ganhou o papel de Cecília, no longa Ana e Vitória, que mistura realidade com ficção para narrar a história da dupla de pop contemporâneo Anavitória. “Esse primeiro filme que participei fez um super sucesso, eu fui de 8 a 80 muito rápido. O audiovisual abriu muito os horizonte para mim”, relembra.
A atuação aproximou Clarissa de muitas pessoas do ramo da música e lhe ensinou habilidades que, mesmo sem saber, seriam importantes no futuro, como a espontaneidade para gravar videoclipes e cantar ao vivo. “Eu sou uma pessoa muito, muito, muito, muito tímida, e eu tive problemas com isso a minha vida inteira”, confessa. “Eu consegui me soltar muito mais para o mundo através da atuação”.
Em junho de 2021, ela lançou seu primeiro trabalho musical, o EP Clarissa. Foi uma coletânea intimista de cinco músicas, que transmitem uma sensação de absoluta proximidade com o ouvinte. Com produção minimalista, faixas como “Ela” e “Bem me quer, mal me quer” falam sobre a experiência de um primeiro amor e as vulnerabilidades emocionais da artista.
Seu primeiro single, entretanto, foi uma reviravolta completa em estilo e repercussão. “nada contra (ciúme)” é um espelho dos primeiros passos de Clarissa no pop-rock. “Meus produtores na época estavam meio incertos, porque eles curtiam a música, mas achavam muito diferente da sonoridade do meu EP. E aí eles falaram, ‘cara, não sei se faz sentido artisticamente’”, revela. “Mas eu bati o pé e falei, ‘não, tem que ser ela’”.
Dito e feito. Em menos de um mês, a canção viralizou nas redes e estourou nas plataformas digitais. E, surpreendentemente, de forma 100% orgânica. “A gente não tinha colocado grana na música para impulsionar, a gente não tinha qualquer estratégia de marketing, de lançamento, a gente só deixou aquela música acontecer, e ela aconteceu. Eu sabia que a música era gostosa, mas eu de forma alguma esperava que ela ia ter o sucesso que teve”, diz. A canção venceu o TikTok Awards 2021, na categoria Hit do Ano.
Tudo aconteceu muito rápido, e foi muito incrível, mas foi muito difícil, porque eu ainda não tinha uma formação — primeiro eu, Clarissa, como pessoa, mas também artística, não sabia exatamente o que eu queria ser, esteticamente, musicalmente.
Em 2022, com apenas 22 anos, Clarissa recebeu uma surpresa que alterou o rumo de sua trajetória: a indicação a Artista Revelação no Grammy Latino. “Eu lembro que eu tava tomando banho, e quando eu voltei, o meu WhatsApp tava uma loucura. Eu olhei o grupo com meus produtores, e eles falaram, ‘olha, rolou a indicação’. Eu não fiquei eufórica, eu fiquei só muito aliviada, e pensei, ‘cara, eu tô no caminho certo’. Eu precisava muito desse incentivo”.
Segundo a cantora, ser levada a sério na música como uma mulher jovem exige ultrapassar as barreiras de misoginia e de desconfiança que a indústria impõe. Muitas vezes, esse processo demanda mais resiliência do que “talento” nato. “Esse reconhecimento faz as pessoas te colocarem em outro lugar, o Grammy Latino me deu muito a seriedade que eu precisava”. Para Clarissa, essa seriedade não é sobre formalidade: é sobre ter espaço para que sua voz seja realmente ouvida.
Dois meses depois, ela revelou ao mundo seu primeiro álbum de estúdio, para-raio, que flertava com diferentes gêneros, desde o pop até o funk. Em 2023, veio o EP tudo, eu, enfim., 5 faixas que funcionaram como uma espécie de respiro entre um capítulo e outro; e, em 2024, ela entregou seu segundo disco, Agridoce. Então, uma oportunidade única surgiu: o convite para abrir os dois shows de Niall Horan, ex-vocalista do One Direction, em São Paulo e no Rio de Janeiro.
Eu estava muito feliz, porque eu nunca tinha cantado para tanta gente assim. Ao mesmo tempo, eu fiquei apavorada. Meu Deus, eu nunca cantei para tanta gente assim…
A artista relembra o frio na barriga que sentiu na época. “Abrir um show é uma responsabilidade muito grande, porque você não tem só que animar as pessoas. As pessoas querem ser entretidas, se divertir, mas elas não estão ali para te ver. Muitas pessoas sequer te conhecem”.
Apesar do nervosismo, com muitos ensaios e preparação, Clarissa conseguiu curtir o momento. “Eu recebo muito feedback positivo desse show até hoje, da galera falando, ‘pô, não te conhecia, te conheci através desse show’. O saldo foi super positivo, eu fico muito feliz com esse show, de verdade”.
A “correria” que a cantora sente diante do ritmo no qual sua carreira cresceu vem, em grande parte, porque ela nasceu como artista em plena pandemia de Covid-19. Em meio ao isolamento social e aos inúmeros desafios daquele período, ela não considera que atravessou o processo “natural” de ascensão à fama como a maioria dos artistas.
Para produzir Tantas Formas de Dizer Adeus, uma pausa para reflexão era essencial. Graças a essa paciência, Clarissa conseguiu compor o trabalho mais coeso e original de sua carreira. “Eu precisei colocar a cabeça no lugar, e eu só ia conseguir fazer isso dando esse tempo. Eu precisava me reconectar comigo e com o que eu queria artisticamente”.
Existiram muitas tentativas ao longo dos últimos anos, muitos acertos, algumas coisas que talvez não façam sentido mais para mim hoje em dia, mas tudo ali era a minha verdade naquele momento. Então eu venho desse lugar de já ter experimentado muito, e tenho muita certeza do que quero de agora em diante.

Construindo a narrativa
Apesar de muitos versos românticos e reflexões sobre relacionamentos, Clarissa não se restringe ao amor em Tantas Formas de Dizer Adeus. Segundo ela, duas músicas refletem questões de sua vida pessoal: “Sete Vidas” e “Ninguém Lembra, Mas Eu Lembro”. “Eu sempre falei sobre saúde mental no meu trabalho, e eu acho muito legal que sempre tenha esse tipo de assunto presente nos meus álbuns, porque é algo que ecoa muito em mim”.
Cantar sobre identidade não é novidade para a artista. Desde o EP Clarissa, ela exprime dilemas internos com vulnerabilidade e, muitas vezes, um toque de humor e autoironia. “Eu sempre tive essa pegada da escrita um pouco mais sarcástica. Eu não me levo tão a sério assim escrevendo, sabe?”.
Seja falando sobre sexualidade, saúde mental, relacionamentos ou recomeços — foco temático de seu novo trabalho —, Clarissa sempre se coloca como a protagonista da sua própria narrativa. Sua obra é como um livro entreaberto, esperando que o ouvinte folheie as páginas com um pouco de atenção para enxergar as mensagens cifradas nas entrelinhas.
“Eu adoro escrever sobre experiências universais, de forma que a pessoa se sinta meio única escutando, ao mesmo tempo que é uma coisa que todo mundo já passou”, comenta. Esse é o caso de “Coincidentemente (Tirando Certas Coisas)”, canção que Clarissa escreveu após conversar com um amigo sobre uma relação complexa na qual ele estava envolvido. “Esse sentimento platônico, complicado, é uma experiência muito universal”.
Mas esse caso é a exceção, não a regra. Quase sempre, as músicas de Clarissa são baseadas nas experiências que ela mesma viveu, apesar de nem sempre refletirem a sua “eu” atual. “Eu gosto de digerir as situações para depois falar sobre elas, para ter esse olhar um pouco de fora”, comenta. “Quando eu olho a minha tipografia, eu falo, ‘nossa, nessa música eu tava passando por isso, tava me sentindo assim’. Esse processo é muito gostoso, e é legal que os fãs tenham esse acesso a mim também”.
“1001 Noites” e “Eu Fim, Você Início” foram lançadas com antecedência ao disco, em 18 de julho e 17 de outubro, e deram aos fãs um gostinho da novidade. Segundo a cantora, “Eu Fim, Você Início” é a estrela-guia do novo álbum, pois foi a faixa que revelou para Clarissa o caminho a ser seguido.
“No início tinha muita coisa que ficava legal, ficava maneira, mas eu ainda não sentia que era aquilo. Talvez não tivesse uma identidade muito clara, ou eu ainda não me visse tanto ali. E aí, quando veio ela, eu falei: ‘acho que é nesse lugar que a minha voz tem que estar’”.
Um álbum é tipo uma escultura que está em um bloco de mármore, sabe? Você tem que ir explorando para entender o que vai sair de lá.
Tantas Formas de Dizer Adeus também foi um momento de experimentação para Clarissa, uma oportunidade de pensar fora da caixa. “‘Morde e Assopra’ e ‘Love Love’, por exemplo, são estilos que eu nunca tinha feito antes, e eu me diverti muito fazendo”.
Um mosaico de inspirações

Em Tantas Formas De Dizer Adeus, diferentes trechos do álbum remetem à diferentes fontes de inspiração. Segundo Clarissa, o fio condutor do disco está no sentimento de ruptura — e, é claro, nas letras, que ela escreveu sozinha. “Mas em termos de gênero musical, [as músicas] dão uma passeada um pouco”.
Clarissa nos contou sobre seu mosaico de referências. Nas faixas “Eu Fim, Você Início” e “Tempestade de Verão”, por exemplo, ela tentou mergulhar na atmosfera da Nouvelle Vague, evocando a cinematografia no visual e no som. “A guitarra, uma coisa mais tropical, mais sensual, e essa atmosfera um pouco misteriosa. Eu estava assistindo muitos filmes franceses na época”, conta.
Em outra fase do álbum, ela se deixa levar por suas bandas favoritas, como Bloc Party e The Strokes, e aposta no indie-rock mais enérgico, canalizando a melancolia com um som mais intenso. Já nas canções românticas, como “Lua”, “Love Love” e “***************, Eu Te Amo” — essa última é sua favorita no momento — o amor aparece entrelaçado ao desespero. “Eu me inspirei muito, por exemplo, no estilo da Rita Lee, que tem essa escrita mais sarcástica”.
Quando um bloqueio criativo surge, a artista enfatiza que é importante respeitá-lo, e cultivar atividades que estimulem a criatividade a sair do esconderijo. “Eu tento não ser tão devastada pelo celular, ser tão devastada por coisas que eu vejo de outros artistas, porque a influência às vezes mais te atrapalha do que ela te ajuda”, aconselha.
Eu tento consumir muita arte, muitos filmes, ir em museus, ir ao cinema […]. E viver ao máximo as minhas experiências, porque eu acho que a gente às vezes passa pelas coisas muito passivamente — tentar viver elas ao máximo e ser autocrítica sobre as coisas
Uma grande inspiração para Clarissa é a atriz, modelo e cantora britânica Suki Waterhouse (Karen Sirko, da série Daisy Jones & The Six). Ela conta que sempre admirou artistas multifacetados, que combinam diferentes formas de expressão em seu trabalho. “No Brasil isso ainda é muito calcificado. ‘Ah, você é a cantora’, ou ‘você é a atriz’, ou ‘você é a influencer’. Eu acho que lá fora a gente vê isso muito mesclado e é super legal. Esse sempre foi o tipo de carreira que eu almejei seguir”.
O que vem pela frente?
Na sexta-feira, 30 de janeiro de 2026, Clarissa sobe ao palco do Cine Jóia, em São Paulo, para o primeiro show de Tantas Formas de Dizer Adeus. Esse palco é mais do que especial para ela, pois guarda nas paredes um pedaço de sua história. “Foi lá que eu fiz meu primeiro show em São Paulo! É uma casa que me deu essa oportunidade de cantar, e um lugar que eu adoro assistir shows como espectadora”.
Agora, a expectativa pulsa num misto de empolgação e ansiedade. “Eu amo minhas músicas, mas chega uma hora que a gente está louca para cantar as novas. A gente fica imaginando a reação das pessoas, como elas vão cantar, qual música elas vão vibrar mais, […]. Vai ser um show totalmente novo”.
Clarissa prepara um espetáculo que promete nascer ali, diante do público, como um recomeço. Como o próprio nome diz, “esse álbum diz adeus para algumas coisas que não cabiam mais na minha vida. Sou eu em uma nova fase, e eu acho que ele é o início de muita coisa. Depois dele, vão vir coisas de uma artista muito mais segura de si, que sabe muito mais quem ela é e o que ela quer para a própria carreira”.
Escute Tantas Formas de Dizer Adeus, disponível em todas as plataformas digitais.
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