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Música / NOVA MPB

Coisa Nossa estreia com mistura de diferenças e resgate da música brasileira

Dupla formada por João Mantuano e RAYA falou à Rolling Stone Brasil sobre encontros e inspirações para o álbum lançado pelo selo Toca Discos

Por Rodrigo Tammaro Publicado em 06/12/2024, às 15h10

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Coisa Nossa (Foto: Elisa Maciel)
Coisa Nossa (Foto: Elisa Maciel)

Fruto do encontro entre João Mantuano e RAYA — nome artístico de Paula Raia —, a dupla Coisa Nossa lançou nesta sexta-feira (6 de dezembro) seu trabalho de estreia, publicado pelo selo Toca Discos.

O álbum homônimo traz uma mistura de sentidos, refletindo a intimidade e troca entre os dois artistas, mas também a diversidade e imensidão do Brasil.

Coisa Nossa carrega justamente, enquanto significado, essa mistura. A gente se propôs a fazer uma pesquisa da música popular brasileira, a partir dos artistas que nos atravessam e atravessaram ao longo do tempo. Gilberto Gil, Caetano Veloso, Elomar, Jards Macalé, Roberto Carlos, Gal Costa, Mutantes, Novos Baianos...

O que é a MPB, se não a própria mistura? Assim é a cultura do nosso povo e é isso que forma uma identidade altamente rica e profunda. A ideia é justamente trazer e brincar com essa característica na nossa criação e na produção musical. Sentimos que com o tempo, com a globalização, com a padronização nos modos de se produzir, podemos nos distanciar cada vez mais dessa grande riqueza da nossa música. Então Coisa Nossa propõe esse resgate, essa preservação linguística e artística, além de procurar atuar com a profundidade poética que a época em análise dispõe”, comentou a dupla em entrevista à Rolling Stone Brasil.
Coisa Nossa (Foto: Reprodução)

A sintonia entre João e RAYA floresceu já no primeiro encontro, em 2022. O contato foi estimulado por Felipe Rodarte, que assina a produção do disco ao lado de Constança Scofield e Álvaro Alencar.

Apesar das expectativas de que o resultado seria positivo, a dupla define o desfecho como uma surpresa.

João vinha de uma parceria com Chico Chico, com quem lançou um disco em 2021. Elogiado pela crítica, o álbum chegou a ter uma de suas canções indicada ao Grammy Latino. RAYA vinha compondo trilhas originais para espetáculos de dança — num deles, suas músicas ganharam a voz de Ney Matogrosso. Além disso, seu primeiro disco, , ganhou as plataformas em 2022, com a participação de Julia Mestre — e de Juliana Linhares no show de lançamento.

Os produtores Felipe e Constança foram os primeiros a ouvir a leva inicial de canções do Coisa Nossa e identificar que ali havia um disco e, mais do que isso, uma dupla, que com suas diferentes semelhanças construía uma identidade sólida.

Acho que ninguém imaginava que daria tão certo, a ponto de já termos cerca de 40 canções compostas junto nesses dois últimos anos. Quando mostramos pra eles as canções que havíamos feito na época, no começo do ano passado, eles tiveram a sensibilidade de notar que o que tínhamos ali não eram apenas canções soltas. Havia uma construção de uma dupla, um conceito elaborado (ainda que não definido até então) e um álbum praticamente pronto. Acho que eles perceberam isso antes da gente, inclusive. Nós estávamos só curtindo o nosso encontro, as composições que estávamos fazendo juntos. Mas não tínhamos grandes pretensões. Eles foram os padrinhos desse nosso encontro."

A roda cresceu com a entrada do engenheiro de som Álvaro Alencar, terceiro elemento da produção. Ele ajudou a materializar a sonoridade do disco, ao mesmo tempo íntima e expansiva, minimalista e exuberante.

Por fim, Coisa Nossa fincou suas bases em mais um encontro, desta vez com Renato Cipriano, trazido por sugestão de Álvaro. Responsável pelo projeto acústico de diversos grandes estúdios, entre eles o Toca do Bandido, Cipriano pensa a música abarcando seu poder de cura — a partir do entendimento de frequências que têm efeitos menos ou mais saudáveis sobre nós.

Coisa Nossa

O álbum Coisa Nossa traz 11 faixas e uma mistura de ritmos que passa pelo folk, samba, bossa, afoxé e rock. O disco foi naturalmente concebido como respiro em meio ao ritmo frenético do mundo: da composição à engenharia sonora, dos arranjos aos músicos arregimentados (André Vasconcelos, Marco Vasconcelos, Marcos Suzano, Sergio Chiavazzolli e Renato Cipriano), passando pelas letras repletas de referências à natureza. 

Uma curiosidade técnica da produção é o fato de que todos os instrumentos foram afinados em 432 Hz, uma frequência que, estudos defendem, atua mais em harmonia com a natureza, o corpo e a mente humana, em contraposição aos 440 Hz adotados como padrão universal. 

Fizemos uma pesquisa com o Renato Cipriano, um dos maiores especialistas mundiais no estudo e criação de espacos acústicos. Produtor musical, engenheiro de som, pesquisador e estudioso na área de psicologia, neurociência e espiritualidade e no impacto de frequências no corpo e na mente humana. Fomos para Belo Horizonte no estúdio dele ouvir suas teorias sobre musicoterapia e como poderiamos aplicar em alguma parte do projeto ou reter como inspiração.

Há um estudo que busca entender como frequências atuam na superfície da água e como os fractais e formas geométricas se formam em diferentes harmonias. Através dessa observação e outras teorias entendeu-se que a frequência de 432 Hz provoca uma simetria harmônica comum às moleculas corporais e várias outras estruturas orgânicas, como uma ressonância semelhante, nos aproximando de uma vibração natural e global. Já os 440 Hz, não formam figuras quaisquer. Formam desenhos caóticos e sem um formato reconhecível.

Ambas as vibrações causam efeitos no nosso corpo. A partir dessa visita decidimos diferenciar nosso álbum como uma experiência à sentir essa vibração, com a intenção de promover mais serenidade, paz, sensibilidade. De abrir a escuta”, explicam.
Coisa Nossa (Foto: Elisa Maciel)

“Coisa Nossa”, a canção-título, abre o disco já expondo essas intenções contemplativas e o desejo manifesto de brasilidade. O universo dos Novos Baianos de “Acabou chorare”, pós-João Gilberto, com união de bandolim e guitarra baiana. O coro que une as vozes de Luciane Dom ao trio Soul de Brasileiro (Gê Vieira, José Junior e Negra Silva) aquece ainda mais a gravação.

A segunda faixa, “Diferentes Semelhanças”, carrega um “sentimento Roberto Carlos”, como define João, além de uma contemplação solitária, mas luminosa. Uma das primeiras canções escritas pela dupla, a música também simboliza bem a aproximação entre os artistas e como eles misturam suas particularidades para encontrar suas convergências:

Acho que na música, temos muitas semelhanças. Ambos crescemos dentro de um cenário rock n’roll, na adolescência, apesar da MPB ter também uma presença forte na vida de nós dois desde sempre. Temos também a presença do folk muito forte nos nossos solos. Não à toa, podemos encontrar esses três gêneros presentes em Coisa Nossa, sendo a MPB, a música de raiz popular, o centro de tudo e o que nos motivou a desenvolver o duo. Tem algumas referências como a música espanhola, cubana, o jazz, que são mais particulares de cada um de nós.

Acho que nos nossos solos, pode-se notar melhor as nossas diferenças. Enquanto um trabalha num lugar mais soturno, outro trabalha num lugar mais solar e contemplativo. Isso também tem a ver com as nossas personalidades, de modo geral. Temos uma mistura de sol e lua que é bem interessante e complementar. A gente acredita que a beleza está nisso. No encontro das semelhanças e na absorção das diferenças através de uma escuta generosa.”

Cantada por João sozinho, “Arrebol” soa como folk americano, mas com pandeiro de pés fincados no solo brasileiro. Ao mesmo tempo, amplia seu território com o derbak, tambor árabe. 

Na sequência, é a vez de RAYA cantar sozinha em “Rouxinol”. Lado a lado, soam como continuidade, canções-irmãs, que rimam em seus títulos e compartilham de um universo de rios e céus.

“Cidade alta” foi feita tendo Santa Teresa em mente, o Rio que se vê de lá. A certa altura, seu bandolim carrega uma melancolia de fado. Ao mesmo tempo, ela é atravessada por uma alegria tranquila.

“Love livre”, composta apenas por RAYA, é marcha de carnaval com puxada de ska, celebrando a liberdade de amar na festa. É pontuada por uma guitarra baiana que faz pensar na sonoridade de Muitos Carnavais, álbum de Caetano Veloso.

“Mata escura” também fala de liberdade, mas num contexto mais amplo. “Talvez seja a canção que traga mais esperança”, diz RAYA. “É um colo feminino. Uma sensação de verdade pura”, define João.

Delicada como seu título, “Pétala branca” é assinada apenas pelo compositor. Em menos de dois minutos, desenha com singeleza dedilhada a fragilidade do amor.

“Aqui eu permaneço” é afirmação de resistência, construída como resposta a “Vou-me embora”, canção de Paulo Diniz regravada por Zé Ibarra em 2023. O “aqui” a que se refere a letra é a América Latina.

Por fim, “Se for cantar por amor”, parceria de João com Sal Pessoa, é mantra que amarra a alma de encontro que sustenta o disco.

Com o lançamento do nosso álbum, só temos a agradecer a todo mundo que trabalha com a gente e nos acompanha. Nossas famílias, amigos, fãs e parceiros de trabalho. A gente espera que o álbum atravesse as pessoas de alguma maneira. Que a gente consiga transmitir um respiro, em tempos de tanta aceleração e atravessamento de informações. Estamos apenas começando com essas novas ideias. Vem com a gente!”

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