CINEMA

Como Timothée Chalamet aprendeu a canalizar Bob Dylan na guitarra

O professor de guitarra de Chalamet, Larry Saltzman, detalha uma jornada de cinco anos que resultou em uma indicação ao Oscar — e em uma performance no Saturday Night Live

Aline Carlin Cordaro (@linecarlin)

Publicado em 27/01/2025, às 15h30
Searchlight Pictures
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Larry Saltzman não é um professor de guitarra por profissão — ele é um músico de estúdio de alto nível que já excursionou com Simon and Garfunkel, tocou na banda do Saturday Night Live e acompanhou artistas como Jewel, Darlene Love e Celine Dion. Mas, na última década, ele vem se dedicando a dar aulas para atores de alto nível. Mais recentemente, ajudou Timothée Chalamet, que quase não sabia tocar guitarra, a se tornar capaz de interpretar Bob Dylan no filme A Complete Unknown, papel que lhe rendeu uma indicação ao Oscar, além de servir como anfitrião e atração musical no SNL.

Timothée nunca quis escolher o caminho mais fácil”, diz Saltzman. “Se existia um atalho, ele não queria saber.”

Como você começou a ensinar guitarra para atores?

Minha amiga, a violinista Sandy Park, me recomendou para ser o professor de guitarra de Meryl Streep no filme Ricki and the Flash (2015). Recebi uma ligação dizendo: “Oi, ouvimos que você é professor. Tem interesse em ensinar um ator?” Eu respondi: “Bem, não sou professor em tempo integral. Posso indicar alguém bom.”

Disseram que o ator poderia preferir passar tempo com alguém como eu, que não fica o dia todo recebendo alunos. Eu não estava desesperado pelo trabalho, então estabeleci várias condições. Disse: “Não posso garantir um horário fixo toda semana. O ator precisaria ser flexível quanto ao cronograma.”

Eles ouviram e aceitaram. Na quinta ligação, revelaram: “Vamos te dizer quem é. Não conte para ninguém, porque, se a pessoa errada souber, os paparazzi descobrirão. O ator quer ir até sua casa toda segunda-feira às 11h pelos próximos meses.”


Como surgiu o projeto com Timothée Chalamet?

Foi parecido. No começo, não disseram quem era. Por causa dos acordos de confidencialidade, eles não queriam que ninguém falasse sobre isso. Depois de algumas chamadas, revelaram que era Timothée Chalamet e que ele interpretaria Bob Dylan. Para mim, foi incrível, porque cresci ouvindo Dylan.

Tenho uma irmã cinco anos mais velha. Quando eu tinha 10 anos e ela tinha 15, os álbuns de Dylan começaram a chegar em nossa casa. Eu já tocava guitarra desde os 11. Então, estava muito sintonizado com aquele som.


Qual foi sua abordagem inicial?

Recebi o roteiro, fiz uma lista das músicas e as organizei por dificuldade. Começamos com algo simples, como “Masters of War”, que tem dois ou três acordes. O diretor, Jim Mangold, foi brilhante. Ele disse: “Se Timothée quiser aprender uma música que não está no roteiro, ensine a ele mesmo assim.”

Perguntei: “Por que eu ensinaria algo que não vai aparecer no filme?” Ele respondeu: “Porque isso pode mostrar que ele está animado e interessado naquela música, e isso também é valioso, mesmo que não esteja no filme.”


O que aconteceu nas primeiras sessões?

Quando ele chegou e pegamos nossos violões, perguntei se ele já havia tocado. Ele respondeu que um pouco. Ele sabia formar um ou dois acordes e foi isso que fez. Percebi imediatamente que ele era muito musical.

Ele estudou na escola LaGuardia. Não sei exatamente o que ensinam lá — imagino que seja atuação, canto, talvez até rap, algo tão rítmico e musical. Não me surpreenderia se ele soubesse ler música. Ele entende teoria musical de forma intuitiva. Conversamos muito sobre teoria, mas sempre no contexto de “Como Bob Dylan usaria isso?”

Mesmo quando falávamos sobre acordes em termos técnicos, eu dizia: “Quando Bob conversava com músicos, era esse o vocabulário que ele usava.”


Como você documentou e organizou o material?

Meu arquivo no Dropbox sobre isso é ridículo. Minha pasta Timothée/Dylan é intensa. Para cada música, eu tinha, obviamente, um MP3. Além disso, usava um programa chamado Transcribe, que permitia desacelerar as músicas. Isso foi extremamente útil, pois você podia focar nos trechos específicos que precisava estudar.

Para cada música, eu tinha um documento Read Me com links para diferentes vídeos no YouTube que eu queria que ele assistisse. Também incluía as letras com os acordes, em um formato bem tradicional de folk. Escrevi algumas notas, às vezes adicionando pequenas palavras de incentivo. Cada música tinha sua própria abordagem.


Como você ensinou o estilo de guitarra de Dylan?

O processo foi cumulativo, porque Dylan tende a usar muito do mesmo vocabulário musical. Uma vez que você aprende o padrão básico de descida com a nota no baixo, Dylan vai usar isso centenas de vezes.

O groove da mão direita é essencial, e Timothée pegou isso rapidamente. Sempre digo que você não pode ensinar isso a alguém que não tem. Dylan, ao contrário de Paul Simon ou James Taylor, não é um guitarrista elegante com muita técnica. Ele é mais bruto e direto.

Os arranjos de Dylan eram incrivelmente perfeitos para o que ele fazia. Eles eram criativos, nunca genéricos. Ele quase sempre tocava o acorde F com o polegar. Ele raramente usava acordes com pestana nos primeiros anos. Quando ele tocava um Ré com um Fá sustenido no baixo, era desse jeito que fazia.

“Masters of War” foi a primeira música que trabalhamos. Dei a Timothée todas as formas dos acordes e a letra com as mudanças indicadas acima das palavras, uma maneira bem tradicional de tocar folk. Também conversamos bastante sobre história e como essas músicas eram ensinadas nos anos 50 e 60.


Como foi lidar com 'Don’t Think Twice, It’s All Right', que tem um padrão de dedilhado notoriamente complicado?

Revisitar essa música me surpreendeu. O tempo dela é muito rápido e o dedilhado é complexo. Fiquei intimidado em ensiná-la, e até mesmo em tocá-la eu mesmo.

Mas Timothée não se intimidou. Ele simplesmente fez. Não estava perfeito nem no ritmo certo no início, mas ele começou a tocar imediatamente. Para as músicas com dedilhado — que não eram muitas —, eu ensinei padrões como “outside in” e “inside out”. Esses padrões têm nomes específicos, e Timothée aprendeu rapidamente.

Fizemos músicas como “I Was Young When I Left Home”, que nem estavam no roteiro, mas ele se interessou nelas.


Como foi trabalhar com as partes elétricas?

Para músicas como “Maggie’s Farm”, preparei tudo minuciosamente. Anotei detalhes como: “Versão de Bringing It All Back Home, capotraste na terceira casa, tom de Mi. Versão de Newport, tom de Ré, sem capotraste.”

Para as músicas elétricas, Dylan tinha seu próprio vocabulário, que era uma extensão de seu estilo acústico. Timothée aprendeu a reconhecer essas nuances.


Você achava que teria apenas alguns meses para trabalhar com Timothée, mas acabou tendo cinco anos, em parte devido à pandemia. Como foi isso?

Começamos realmente por volta do Dia de Ação de Graças de 2019, e as filmagens estavam previstas para abril. Ele vinha com bastante frequência — algumas vezes por semana — ou, às vezes, eu não o via por duas semanas e, então, ele aparecia. As notícias sobre a pandemia começaram a surgir. Primeiro era algo como: “Ah, agora há um caso.” Depois: “Ah, agora são dez casos.” Quando o lockdown aconteceu, por volta de 13 de março, recebemos a notícia de que as filmagens seriam adiadas. Pensamos em reagendar para quatro meses depois. Tudo parecia estar sob controle. Mas, nos meses seguintes, percebemos: “Ops, a pandemia não está melhorando.”

Depois, quando parecia que as coisas iam melhorar, surgiu algo como: “Ah, agora Tim tem que fazer Duna.” Começou a parecer que talvez o filme nunca fosse feito. Mas Tim sempre dizia: “Tenho fé de que isso vai acontecer.”

Passamos a trabalhar principalmente pelo Zoom. Quando ele estava em Woodstock durante a pandemia com um amigo, eles queriam muito que eu fosse até lá. Era algo como: “Larry, venha para Woodstock. Vamos tocar violão por uns quatro dias.” Mas era o auge da pandemia, quando você nem queria pegar um táxi.


Ele também aprendeu a tocar gaita?

Ele começou sozinho, e depois contrataram um colega meu, Rob Paparozzi, que é um dos grandes gaitistas de Nova York. No final, eu e Rob passamos ótimos momentos com Tim. Fizemos uma sessão incrível de cinco horas juntos — eu, Rob Paparozzi e Tim —, e nos divertimos muito. Tim estava tão entusiasmado em nos mostrar o que tinha aprendido. Eu e Rob somos caras experientes, já vimos muita coisa, e eu dizia para o Rob depois: “Não é extraordinário que ele tenha dominado isso nesse nível?”


Você esteve no set durante as filmagens?

Na minha humilde opinião, a razão pela qual eu não estava no set é que Timothée é o tipo de pessoa que, quando chegava ao set, já estava totalmente preparado. Ele não precisava de algo como: “Meu Deus, podem chamar o Larry? Eu esqueci qual é o D menor.” Ele não trabalha nesse nível.


Parecia que todos envolvidos sentiam o peso da responsabilidade com este projeto. Como foi para você?

Um amigo meu me disse: “Para as pessoas mais jovens, que não sabem muito sobre Dylan, elas vão assistir a esse filme, e esse será o Dylan delas.” As pessoas não têm tempo ou disposição para ouvir tudo o que Dylan já gravou. É por isso que levei isso muito a sério. Eu entendi a responsabilidade. Pessoas como você e eu, que somos fãs de música, entendemos essa responsabilidade. Eu não tomei nenhum atalho. Realmente não tomei.


Essa matéria é uma tradução da Rolling Stone americana, escrita por Brian Hiatt e publicada em 25 de janeiro de 2025. Leia a versão original aqui.