Corinne Bailey Rae lançou 'Black Rainbows', disco inspirado em museu de Chicago que preserva história negra
Tudo começou com visitas a um museu: o Stony Island Arts Bank, em Chicago (EUA), que abriga o acervo responsável por inspirar Corinne Bailey Rae no álbum lançado nesta sexta-feira, 15. Black Rainbows é como uma celebração ao lugar, que coincidentemente completa 100 anos em 2023.
"Uma das coleções tem todos os livros que foram doados à Johnson Publishing Company, submetidos à revisão da Ebony Magazine, Jet Magazine e Negro Digest", disse Corinne. Ela levantou o impressionante número de 26 mil livros que pertencem à biblioteca do museu. As revistas citadas são importantes documentos para a história dos afro-descendentes nos Estados Unidos, e, por isso, estão sob os cuidados de uma instituição igualmente preocupada com a preservação dessa narrativa.
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"Eu estava tão inspirada por elas [artes], porque pensava que talvez tivesse lido todos os livros sobre a história negra na biblioteca da escola, definitivamente muitos na universidade e alguns na livraria local", lembrou a cantora, formada em Literatura Inglesa. "Mas, por estar cercada por esse vasto acervo de livros, senti que havia tantas histórias enriquecedoras que eu não conhecia e que queria aprender. E há todos os discos de Frankie Knuckles, que era um grande DJ de house em Chicago... Toda a sua coleção de discos está lá."
Há 8 anos, o artista e ativista negro Theaster Gates deu vida ao projeto que transformou o local antes destinado a empréstimos bancários, em um grande centro cultural, situado numa região que abriga famílias de baixa renda. Gates é a favor da exibição de "objetos difíceis do passado americano", como define Rae. Para ele, negar o racismo entra em contradição com a luta antirracista.
A cantora revelou que não gostava de fazer redações depois de visitar museus, quando ainda estava na escola. "Era tão difícil pegar toda aquela informação mágica e tentar resumir em um texto", argumentou. "E aí eu descobri que poderia falar sobre as coisas através da música, o que, é claro, é minha forma preferida de fazer isso." Pegue fôlego, esse é só o começo do processo criativo de Corinne Bailey Rae por trás do Black Rainbows.
Corinne explicou que o nome do novo álbum surgiu como a combinação de um fenômeno óptico com a negritude: "Você sabe, a ideia de um arco-íris, que um único feixe de luz pode atingir um prisma, e que isso pode refratar em muitas cores diferentes... Todas as cores que conhecemos e vemos, todas elas vêm de luzes claras. Em parte, foi porque eu quis falar sobre essa amplitude..."
Fascinada pela história negra que encontrou em Chicago, a cantora "também queria falar sobre a negritude". "A diáspora negra foi para tantos países diferentes, recebeu influência de tantas culturas e absorveu tantas etnias. Eu realmente quero pensar a negritude como esse amplo espectro, esse grande guarda-chuva onde ela é tão bem-vinda", destrinchou.
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Um disco duplo deve ser a próxima empreitada de Rae, como ela mesma adiantou. No momento, porém, todas as músicas do Black Rainbows são suas preferidas: "De verdade, essas são minhas músicas favoritas agora, todas as dez músicas. Acho que por ser um espectro e um arco-íris, não poderia escolher apenas uma. Eu não conseguiria escolher só 'New York Transit Queen', porque estaria perdendo todo esse jazz elegante de 'Peach Velvet Sky'. E eu não poderia escolher apenas essa, porque quero ter a suave, psicodélica, saltitante e soul 'Earthlings.'"
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A artista demonstra o domínio de vários ritmos ao experimentar sonoridades tão distintas uma das outras em cada música do projeto. O single "New Your Transit Queen" foi, logo de cara, uma surpresa para fãs que não esperavam um dia ouvir "Corinne Bailey Rae" e "punk rock" na mesma frase. Essa escolha está relacionada aos temas que a cantora queria abordar. "Não poderia ignorar 'Erasure', que tem uma mensagem muito forte sobre o apagamento da infância negra e da feminilidade e personalidade das mulheres negras, que observei quando estava examinando objetos problemáticos no Arts Bank", esclareceu.
Eu queria experimentar todos esses sons diferentes porque o tema do disco é muito amplo. Às vezes estou falando sobre o espaço e terráqueos, alienígenas ou criaturas vindas de outro lugar para refletir sobre a terra. Às vezes estou falando de uma mulher que cresceu na escravidão e escapou. Às vezes estou falando de uma garotinha que está indo para o oeste com uma família branca e é pioneira durante a Guerra Civil. Ou posso estar falando de Audrey Smaltz, que ganhou o Miss New York Transit...
Então, eu senti que as histórias eram todas diferentes. Algumas eram complicadas, algumas eram simplesmente divertidas, algumas eram lindas, algumas eram realmente verdadeiras, algumas eram imaginadas, algumas eram difíceis. Assim, as respostas foram todas diferentes umas das outras. Senti que elas definitivamente não poderiam permanecer no mesmo estilo, teria que variar.
Acho que me baseei na minha experiência no punk indie, e então algumas das músicas apareceram. Com certeza as músicas que tinham aquele tipo de raiva ou alegria extrema simplesmente surgiram. Foi assim que acabei pegando a guitarra, e foi assim que essas histórias surgiram.
Wayne Shorter e Herbie Hancock são dois dos nomes que influenciam a música de Corinne. Shorter, de acordo com a autora do hit 'Like A Star', dizia que a música não tem começo, nem fim. Vindo de um artista do jazz, a ideia faz ainda mais sentido. "É quase como se a música sempre estivesse tocando. meio que sempre vibrando em algum lugar do universo", refletiu Rae. "Quando você está na música, você simplesmente entende o que está acontecendo, participa um pouco e depois para. Mas o que você faz parece continuar."
Sun Ra e Parliament Funkadelic também foram citados, mas Corinne afirmou que a maior influência para Black Rainbows veio de outros tipos de arte: "Acho que maior influência para mim, na verdade, tem sido artistas de fora da prática musical. Frequentando retiros de artistas negros no Arts Bank, e em Nova York, no Park Armory. Ver cineastas, coreógrafos, escultores, pintores, descobrir Betye Saar pela primeira vez..."
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Eu faço música, por que não posso trazer coragem para o que faço? Por que eu meio que fechei na minha imaginação o que é aceitável fazer, com base no que eu acho que outras pessoas vão gostar? [...] Sinto que realmente me libertei disso, o que me levou a este projeto realmente amplo.
Black Rainbows foi, de muitas maneiras, libertador para Bailey. O amor, como a cantora exemplificou, é um sentimento que todos conhecem, mas "uma música sobre as igrejas de pedra da Etiópia" não resultaria em uma grande quantidade de pessoas se identificando com a temática. "Mas, ao mesmo tempo, somos todos humanos e todos nós temos curiosidade", garantiu.
Por isso, ao ser perguntada sobre os sentimentos colocados no disco, Rae chegou à conclusão de que o principal foi o de liberdade — do qual derivaram os sentimentos de choque, alegria, raiva e surpresa. "Muitas dessas histórias eu simplesmente não conhecia. Estar em torno de uma espécie de celebração da classe média negra, dessas comunidades independentes que realmente prosperaram durante a segregação, dessas comunidades separadas e sua moda, sua arte e sua independência, foi uma informação nova para mim", apontou.
Parte do sentimento de liberdade que Corinne Bailey Rae sentiu decorre da confiança que ela conquistou ao longo da carreira. Embora uma parcela do público possa se lembrar apenas de músicas como "Put Your Records On" e "Like A Star", ela já provou — há muito tempo — que está longe de ser uma "artista de apenas um hit". "Sinto que quem realmente me acompanha conhece as músicas e sabe com quais se conectam, sem serem necessariamente muito celebradas", resumiu.
Fico sempre muito surpresa quando alguém diz algo como, 'Não sabia por onde você andava ou o que estava fazendo.' Eu sempre tenho que dizer, 'Acabei de sair de uma turnê. Tenho três malas para serem desfeitas na entrada da minha casa, e volto aos palcos em duas semanas.' [...] Por outro lado, se eu só tivesse um hit, estaria tudo bem. Muita gente não chega lá.
"Put Your Records On" faz parte do primeiro álbum de estúdio de Corinne, o homônimo Corinne Bailey Rae (2006) e, assim como muitos sucessos relativamente antigos, essa foi mais uma das faixas que viralizaram no TikTok. A versão que chegou à rede social, porém, pertence a Ritt Momney, que cresceu ouvindo as canções da autora original.
Rae entrou em contato com o cover de maneira inusitada. Ela estava andando pela rua de sua casa, na Inlgaterra, e se deparou com algumas crianças com cerca de nove anos de idade. "Eu ouvi sua música no Tik Tok!", teriam dito. "Eu fiquei tipo, 'Oh, isso é tão legal', mas pensava que estavam falando da minha versão. Quando tocaram a música para mim, havia todas essas pessoas fazendo vídeos de desafios de maquiagem ou coisas assim. Mas sim, eu amei. Foi muito divertido", confessou Corinne.
É bom saber que uma nova geração está conhecendo a música. E então, é claro, os curiosos dirão: 'Ah, essa é uma música antiga? Deixe-me dar uma olhada. Momney estava muito interessado em redirecionar as pessoas para a música original também, o que foi legal. Elas [crianças] acabaram vindo até mim e ouvindo essa versão diferente. Foi adorável!
No ano passado, Corinne Bailey Rae esteve no Brasil e declarou seu amor ao país. Ela já expressou o desejo de retornar à gravadora e ao agente, mas não fez promessas. Uma boa notícia para os fãs que preferem assistir aos ídolos fora de festivais é que a multiartista considera fazer shows solo de Black Rainbows em casas menores. Para o público ao norte do Brasil: Corinne ainda não esteve na região, mas é uma de suas vontades.
O Brasil tem um lugar muito profundo em nossos corações. Obviamente, a maior parte da música brasileira que conheço é da época da Bossa Nova. Sinto que isso tem sido uma grande influência na minha música, onde um pouco do jazz cruza a linha coloquial e muito bonita e tem todos esses movimentos sutis. Então Jobim e Gilberto, esses artistas têm me influenciado muito. E ainda é a música para a qual recorro quando quero me sentir meio sofisticada, sabe?
Filha de uma inglesa e um caribenho, Bailey nasceu na Inglaterra e enxerga a música brasileira como a intersecção entre as músicas europeia e africana. "Esse é o contexto de onde venho", descreveu.