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Música / ENTREVISTA

Criolo celebra a força da música periférica brasileira e vislumbra próximos passos na carreira

Para a Rolling Stone Brasil, Criolo detalha suas referências atuais na música e como as matizes africanas estarão presentes na sua apresentação do The Town neste sábado (2)

Emanuela Lemes | @emanuelalemes Publicado em 31/08/2023, às 13h30

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Criolo (Foto: Helder Fruteira (@afilmbyme_) / Divulgação)
Criolo (Foto: Helder Fruteira (@afilmbyme_) / Divulgação)

"A força da música feita na periferia do Brasil é uma coisa que não da para se explicar e é única no mundo," diz Criolo, ao celebrar seus (quase) 35 anos de carreira na primeira edição do The Town. Kleber Cavalcante Gomes, seu nome de batismo, subirá neste sábado (2) no palco The One ao lado dos colegas do Planet Hemp, formado atualmente por Marcelo D2, BNegão, Formigão, Pedro Garcia e Nobru.

É a primeira vez que os artistas fazem um show juntos. Eles até chegaram a dividir palco — no Prêmio Multishow, de 2022 —, mas apenas para apresentar "Distopia", single de retorno da banda. No entanto, Criolo garante que o convite não se restringe apenas pela recente parceira.

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Eu nunca imaginaria convidá-los, porque eles são tão gigantes [...] Vai para além de termos feito uma música juntos. Muita coisa eu não consigo verbalizar, principalmente a minha alegria em subir no palco com o Planet.

Neste mês, em que o hip-hop completa 50 anos de existência, Criolo conversou com a Rolling Stone Brasil sobre a reaproximação com o gênero musical, após um tempo focado em explorar sua proximidade com MPB e samba em seus últimos trabalhos, e claro - a força do gênero que foi, e ainda é, de certo modo, considerado subversivo na cena musical e está em peso no primeiro dia do The Town.

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2023 é um ano de muitos marcos: você está prestes a completar 35 anos de carreira, neste mês o hip hop fez 50 anos, e você faz parte do lineup da primeira edição do The Town.

Olhando para trás, como você se sente ao ver onde chegou, com a oportunidade de cantar ao lado de colegas e parceiros do rap - um gênero que foi, e ainda é, de certo modo, considerado subversivo - no palco do The Town?

Criolo: Quase quatro décadas é muita coisa, né?.... A sensação que eu tenho é que a força da música feita na periferia do Brasil é uma coisa que não da para se explicar e é única no mundo. O rap vem com os trejeitos de fora, mas quando chega nesse território, ele tem o jeito, o sabor, o cheiro, o sotaque e o coração de quem é daqui. Em especial, o rap do Brasil é completamente diferente, com todas essas ramificações dos tambores africanos. Quando a gente fala de trap, de funk.. são tambores africanos.

Essas ramificações da nossa diáspora, entender a nossa ancestralidade, sentir sem nem ao menos ter tido oportunidade de entender que ela existe, que ela é sua e que ela te fortalece... através da música você receber toda essa intensa energia ancestral, que não se explica e te faz bem, e você quer continua se banhando nessa música do Brasil. Então são muitas coisas que nos cortam e que nos banham se pensarmos nessa música periférica brasileira.

Não apenas com a beleza da sua sonoridade e seu jeito diferente de propor alegria, mas também por tudo o que carrega, dos porquês da importância de se construir arte nesses territórios. O que nos leva a ser ainda mais criativos. Toda essa força que tá dentro do jovem brasileiro, se juntando a uma parcela (um tanto esmagadora) que não passam necessidade e que sofrem com essa construção de nação, criam um ambiente onde a necessidade fortalece a criatividade - e a criatividade ajuda a vencer as necessidades. E ver tudo isso ganhando cada vez mais espaço, principalmente em eventos como o The Town, é maravilhoso.

A influência das matizes africanas é algo muito visível em Sobre Viver[último disco de Criolo]. No palco do The Town, você pretende mostrar essa relação?

Criolo: Não é nem pretensão, isso ta dentro de mim. E não só em mim, mas em todas as pessoas que trabalham e sobem ao palco comigo. No The Town, a gente quer desaguar um tanto desse amor e dessa alegria que é ser brasileiro. E, sem dúvidas, isso passa pela religiosidade. Que a nossa religiosidade não passa por cima da religiosidade do outro. Nossa fé não duvida da fé do outro. Mas sim, temos alegria em dividir todo esse amor. Então, de modo natural e sereno, isso vai desaguar nessa apresentação.

Ainda sobre o disco,Sobre Viver tem uma característica muito teatral, que remete às raízes do rap. Você diria que isso é algo que pretende explorar na sua sonoridade, daqui para frente?

Criolo: [SobreViver] aconteceu dessa forma. Eu nem percebi. A gente vai vivendo, respirando as emoções e vendo que forma dividir isso em um disco. Cada música tem um porquê muito íntimo, essa construção se dá com muita emoção... esse outro olhar que você me trouxe é algo inédito, uma perspectiva que nunca vi. Mas acho que é porque eu me permiti realmente, deixei que a emoção mostrasse a direção.

Quando isso acontece, a gente faz algo não tão colado no que estão fazendo ou no que a indústria nos dizem para fazer. A gente faz o que o coração pede e dai que surgem as diferentes camadas. Por isso também a importância de, no possível, cada pessoa que gosta de um artista ou de uma banda, ouvir um novo projeto - porque pode trazer um mosaico, como você me trouxe, que alguém não enxergaria se ouvisse apenas uma faixa. 

Do início da sua carreira até agora você teve uma mudança gigantesca, desde a composição até o ritmo. Depois de quase dez anos, você “voltou” para o rap com Sobre Viver, mas aqui queria perguntar sobre o samba: o que esse gênero representou no seu desenvolvimento musical?

Criolo: A grande parte da minha vida foi em favela. Na favela você escuta rap e samba desde criança, então os dois gêneros sempre estiveram comigo. Meu pai é uma pessoa apaixonada pelo Martinho da VilaBenito di Paula, Leci Brandão, e principalmente Elza Soares. Já minha mãe é apaixonadíssima por Raul SeixasNey Matogrosso - que são canções mais românticas. E tudo isso fez parte da minha formação musical e, consequentemente, do meu desenvolvimento como artista.

O que tínhamos naquela televisão de três canais, era apenas temas de novela. E antes se tinha a preocupação de se fazer boa música, até mesmo para uma propaganda de extrato de tomate. Tudo isso faz parte da minha alfabetização musical. Em algum momento da vida qualquer uma dessas caixas de memória serão ativadas e vou pensar em produzir um álbum sobre não sei o que.

Essa mudança não é sobre emolar uma situação, explorar o que ta acontecendo agora, mas visitar dentro da gente essa fonte fecunda de sentimentos e emoções. O brasileiro é total música... todos nós temos uma história com música. Óbvio que o rap sempre será muito forte para mim. Com 11 anos, entendi que era capaz de fazer um poema, um verso. Mas é um tanto disso e um tanto de outras coisas... e o tempo me levou a mudar, de forma natural. O próximo álbum eu nem sei como vai ser, do que vai ser... mas, quando for de ser, vai ser desse jeito meu.

E já que falamos do seu futuro musicalmente... como essa entrevista é para a Rolling Stone, eu preciso perguntar: o que você tem ouvido ultimamente? 

Criolo: O último disco do Rashid e da Jussara Marçal eu gostei demais. Tássia Reis, tem o pessoal do ÀVUÀ, um jovem pianista chamado Jonathan Ferr que vale muito a pena conhecer. Milton Nascimento, "Um abraçaço", do Caetano Veloso,e o primeiro disco do Arthur Vecorai nunca saem da minha playlist.

Mas o que eu tenho acompanhado bastante são as batalhas de freestyle, a batalha da Aldeia. JP, Magrão, Kant, Neo... são tantos artistas incríveis.

E o que você pode adiantar de spoiler na sua apresentação do The Town para a Rolling Stone?

Criolo: Com muito prazer, o spoiler que eu posso passar para vocês é que vão subir ao palco comigo: DJ Dan Dan, o mestre Maurício Badé (Pernambuco), o multi-instrumentista Bruno Duarte (São Paulo) e o maestro Edson Boni (São Caetano do Sul, SP). Os três tem como formação a percussão brasileira. Eu destaco esse espaço para os músicos porque sem eles, esse espetáculo não iria acontecer. Não terá apenas o meu universo neste palco, mas o universo de cinco músicos. 

E um vislumbre do seu futuro na música e até mesmo do Kleber (pessoa física). Com 4 indicações ao Grammy, uma coleção de parcerias incríveis: Milton Nascimento, Ney Matogrosso... com o que seu coração ainda pulsa quando falamos de sonhos?

Criolo: Estar vivo. No Brasil, o grande primeiro sonho é estar vivo, depois como é esse viver. A gente luta para viver com qualidade e às vezes leva uma vida inteira, e não alcança. Mesmo sem entender qual é a condição desse viver, é permanecer vivo e com os sonhos vivos.