Da alegria à dor, como era trabalhar com Kurt Cobain
Produtor do álbum mais popular do Nirvana revela que saudoso músico era aberto a colaborações, mas preferia gravar sozinho e sofria com dores estomacais
Igor Miranda (@igormirandasite)
Publicado em 04/03/2025, às 12h00
Uma aura misteriosa foi criada em torno de Kurt Cobain ao longo das décadas. Como a fase de sucesso do músico do Nirvana durou pouco tempo — ele morreu menos de três anos após tornar-se famoso —, poucos tiveram a chance de conhecê-lo bem.
Butch Vig é uma dessas pessoas. O baterista do Garbage tem longa carreira como produtor musical e conduziu as gravações de Nevermind (1991), álbum que levou Cobain, o baixista Krist Novoselic e o baterista Dave Grohl ao estrelato.
Em entrevista à Guitar World, o profissional de estúdio revelou alguns detalhes a respeito do processo de trabalho de Kurt. Primeiro de tudo: embora liderasse o grupo, o vocalista e guitarrista falecido em 1994 se mostrava bem disposto a deixar que os colegas ajudassem no âmbito criativo.
“Ele era bem aberto a todo tipo de ideia. Ele trazia diferentes letras de música e me mostrava. Aí ele dizia: ‘tenho algumas melodias aqui, de qual você gosta mais?’. E ele cantava a música em algumas versões diferentes e eu dava a ele algum feedback sobre isso.”
Na hora de gravar, Cobain gostava de criar um ambiente confortável. Colocava velas e um grande tapete no chão, criando uma “vibe bem legal”, nas palavras de Vig. Porém, algo era inegociável: Kurt preferia gravar seus vocais sozinho, sem a presença dos colegas de banda.
“Krist e Dave apareciam na sala de controle e ouviam de vez em quando, mas Kurt meio que queria ficar sozinho quando estava fazendo seus vocais. Ele também não gostava muito de usar fones de ouvido quando cantava, então montamos um sistema bem elaborado onde ele podia usar os alto-falantes.”

Kurt Cobain versus as várias tentativas de gravação
Como um legítimo músico punk, Kurt Cobain repudiava o excesso de takes em estúdio. Para ele, as melhores gravações surgiam na primeira ou segunda tentativas. Butch Vig descreve:
“Ele fazia algumas tomadas e dizia: ‘é isso, não vou mais fazer’. A parte complicada era tentar descobrir como motivá-lo a dar performances realmente boas. Às vezes, sua primeira ou segunda tomada era brilhante, mas às vezes precisava de trabalho. Precisava ser mais focado.”
Para driblar isso, o produtor desenvolveu uma estratégia curiosa: gravar tudo o que era cantado pelo artista, até mesmo os aquecimentos vocais. Ele comenta:
“Muitas vezes, eu já começava a gravar enquanto ele pensava que era apenas um aquecimento. Então eu pedia para o engenheiro mudar para uma nova trilha e eu dizia a Kurt: ‘ok, você está pronto para sua primeira tomada’. Se eu tivesse sorte, eu conseguia até quatro tomadas dele. Então eu pegava as melhores partes de cada um e montava com isso.”

Animado, apesar do problema de estômago
Kurt Cobain enfrentou uma série de problemas de saúde ao longo dos anos. Além de bronquite crônica e escoliose, o líder do Nirvana sofria de fortes dores no estômago. Nunca houve um diagnóstico — e seus diários apontam que ele considerava tirar a própria vida por, entre outras razões, não aguentar mais o ardor e as náuseas.
Butch Vig conta que, de fato, o músico era “muito sensível a certos alimentos”. O produtor descreve:
“Às vezes, jantávamos e ele ficava doente meia hora depois, acabava passando 45 minutos no banheiro. Ele estava constantemente tomando Pepto-Bismol e coisas assim para aliviar um pouco da dor.”
Apesar disso, havia felicidade no período de gravação de Nevermind. Kurt Cobain e Krist Novoselic estavam animados com a chegada de Dave Grohl à banda e a assinatura de um contrato com uma grande gravadora, a Geffen.
“Eles estavam em Los Angeles, tinham acabado de assinar com a Geffen, tinham um pouco de dinheiro, então saíam e faziam uma festinha. Eu sei que eles costumavam ir para Venice e ficavam acordados a noite toda. Depois que terminávamos de trabalhar no estúdio à meia-noite ou uma da manhã, eles saíam e ficavam fora até o sol nascer. Às vezes eu chegava no estúdio às 13h e eles não apareciam até 15h porque tinham dormido até tarde. Mas, basicamente, eles apareciam quando precisavam aparecer. Não havia nenhuma festa séria acontecendo no estúdio. Eles estavam lá para trabalhar.”

Nirvana e Nevermind
Segundo álbum de estúdio do Nirvana, Nevermind (1991) tornou-se um dos discos mais vendidos de todos os tempos: mais de 30 milhões de cópias comercializadas em todo o planeta. Indo além, o trabalho foi responsável por moldar o rock e até mesmo a cultura pop do início da década de 1990, com uma proposta que ia contra praticamente todos os excessos dos anos 1980.
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