Entre tormentas pandêmicas e pessoais, vocalista do CPM22 resiste e volta aos palcos com energia renovada: ‘a gente tá numa felicidade fu**da, com um p*ta entrosamento no palco.’
Na noite do primeiro show pós-pandemia e aberto ao público, o vocalista e fundador do CPM22, Fernando Badauí, entrou no espaço reservado para a entrevista, cumprimentou a todos e foi elogiar os pôsteres da turnê, ilustrados pelo talentosíssimo Jonas Santos. Na sequência, deixou sua latinha de cerveja de lado e eu falei "pode ficar com a cerveja, bicho. De boa", e ele respondeu com bom humor: "eu não, fazer propaganda de graça?". Depois do gelo quebrado, Badauí se ajeitou na cadeira e batemos um papo descontraído, relembrando a trajetória da banda, as influências, as recentes polêmicas e os projetos para o futuro, incluindo os singles “Escravos”, “Oriente”, “Ditados”, “Quando...” e “2014”, lançados entre 2020 e 2021, já com a nova formação. Confira:
Rolling Stone Brasil – 25 anos de estrada bicho, um baita tempo. Como está a expectativa para o show de hoje?
Fernando Badauí –27 né? Em agosto são 27 anos (risos). Bom, pra começar, esse show era pra ter sido em 2020, mas por causa da pandemia não deu certo. Acho que agora que chegou o dia, aquele sentimento de frustração virou ansiedade, vontade de assistir, e não apenas esse show, mas pelo que eu tenho visto por aí, a galera tá com uma euforia diferente do que antes da pandemia, parece que estão dando mais valor à vida.
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RS – Divide um pouco com a gente a história do CPM22 lá atrás e agora, lotando os lugares por onde tocam.
Badauí –O ponto que conecta essa história é que o sentimento de profissionalismo que sempre existiu desde lá do começo, mesmo quando éramos uns moleques sem experiência, aquele pensamento de tentar fazer sempre o melhor, escolher sempre os caminhos certos, errar o mínimo possível e ter foco, pois mesmo quando a gente tocava às 4h da manhã, depois de 20 bandas, era sempre dando o nosso melhor, com muito respeito, independentemente se tivesse 15 pessoas assistindo. A gente estava sempre tentando melhorar, ensaiar, ter um carinho com o som, fazer a passagem antes de tocar, mesmo cansados. Essa vontade de nos tornar profissionais foi um diferencial e talvez o que nos fez perdurar por tantos anos tocando esse tipo de música, num país com tanta variação popular de música, com muita riqueza musical, e a gente vêm de um segmento que foi importado, né?
“A galera tá com uma euforia diferente do que antes da pandemia, parece que estão dando mais valor à vida” (Badauí)
RS – Na época que vocês estouraram, a gente não tinha tantas bandas de rock mais pesado tocando nas rádios, e o CPM apareceu tocando um punk rock melódico, cantado em português. Qual a influência de bandas como Blind Pigs, Pennywise e Face to Face pra vocês?
Badauí –Pô, baita referência pra gente (risos). Essa vertente do punk rock californiano, naquele momento, com a MTV muito forte, favoreceu a gente, que toca hardcore só que mais melódico, o que ajudou pra uma absorção melhor da sociedade mais “careta”, e das pessoas que não estavam acostumadas a ouvir esse tipo de música, pois ao mesmo tempo que soava rápido e potente, também tinha letras que falavam do cotidiano, e acho que foi isso que impulsionou a gente.
“Mesmo quando a gente tocava às 4h da manhã, depois de 20 bandas, era sempre dando o nosso melhor, com muito respeito, independentemente se tivesse 15 pessoas assistindo” (Badauí)
RS – E por falar nas letras, muitas pessoas que começavam a ouvir o CPM acabavam conhecendo outras bandas da mesma linha, influenciados por vocês, o que disseminou boa parte das bandas de hardcore e punk rock entre os jovens na época.
Badauí –Exatamente, porque se você for pensar, as influências do Garage Fuzz, como “Samian” e “Seaweed” têm letras assim; o Face to Face fala do cotidiano, com letras de esperança, relações humanas, e essa é a nossa referência, o que acabou levando a gente a escrever sobre coisas teoricamente simples, mas que acontecem na vida de todo mundo, e juntando essa temática com uma linha mais melódica, isso casou muito forte. E por mais que a gente não tenha inventado nada, em português era difícil de escrever esse tipo de letra com a melodia que tocávamos, mas acabamos nos arriscando. Eu lembro direitinho cara, na vez que falei com o Wally [ex-guitarrista da banda], quando a gente fez “Anteontem”, a primeira música mais melódica que criamos, ele disse “Cara, imagina ‘Meu Erro’, do Paralamas [do Sucesso], um pouco mais rápida. Uma puta música verdadeira, um sentimento do caralho, um hit eterno”. E foi aí que virou a chavinha, pensamos: “vamos começar a escrever sobre a nossa vida, sobre as relações. Não só amorosas, mas também humanas, sobre os problemas da juventude, esperança”, e acabamos criando uma identidade. E o mais louco é que se você pega todos os discos, tem uns bem diferentes dos outros, mas dentro do mesmo segmento. Felicidade Instantânea é bem diferente do Cidade Cinza, por exemplo, e isso mostra que temos um amplo conhecimento dentro dessa vertente que a gente toca, pois a gente ouve muita coisa e acaba botando dentro do nosso som.
“Ao mesmo tempo que nosso som soava rápido e potente, também tinha letras que falavam do cotidiano, e acho que foi isso que impulsionou a gente” (Badauí)
RS – E uma coisa interessante é que a influência que vocês tiveram acaba transparecendo nos discos.
Badauí –Eu acho legal quando alguém conhece alguma banda que eu gosto através da nossa música, mas a gente tem muito cuidado também quando está criando: “vamos mudar essa melodia aqui, que tá parecendo uma música do Pennywise...”, “esse solo aqui tá parecendo outra música...”, a gente nunca quis copiar, então, esse esmero acabou dando uma identidade muito única pra banda, muito característica.
“A gente tem muito cuidado também quando está criando: “vamos mudar essa melodia aqui, que tá parecendo uma música do Pennywise...”, “esse solo aqui tá parecendo outra música...”, a gente nunca quis copiar, então, esse esmero acabou dando uma identidade muito única pra banda, muito característica” (Badauí)
RS – Comenta um pouco sobre essa volta aos palcos, depois da paralisação decorrente da pandemia e a nova formação, com o Daniel [Siqueira] e o Ali [Zaher].
Badauí –Cara, acho que como todo mundo, a gente estava muito sensibilizado, preocupado em como ia sobreviver, pois nossa fonte de renda foi tirada de uma hora pra outra, e sem perspectiva de quando isso tudo ia acabar, ainda mais que eu tenho um bar – o Cão Véio, em sociedade com Henrique Fogaça – e uma banda, dois dos segmentos que mais foram prejudicados com a paralisação, mas por sorte, minha mulher – a publicitária Mariana Graciolli – trabalha com marketing e publicidade, trabalhou bastante na pandemia e isso ajudou muito. Aí veio aquele problema com o Japinha [ex-baterista da banda], e pô, eu já tava com uma mágoa muito grande e, de repente, vem umas pessoas do nada, aliás, do nada não, teve um problema, mas não envolve a banda, e sim um membro da banda, mas foi um problema pessoal dele, e a gente teve que resolver, só que eu ouvi coisas sobre a banda... Sabe quando as pessoas esperam esse momento de fraqueza para enfiar a faca dentro do seu coração? Cara, eu li coisas sobre mim ali que... Mas, por outro lado, isso acontece com todo mundo hoje nas redes sociais. Principalmente com pessoas públicas, e eu preferi ficar na minha. Procurava não ficar lendo nada. Mas tiveram muitas pessoas que deram força pra gente, como o Marcelo Rossi, do [festival] João Rock, que foi um cara que ajudou muito, pois tínhamos uma live marcada pra poucas semanas depois e ele falou "mano, vocês tão dentro, vão tocar, podem chamar quem vocês quiserem, se quiserem fazer um acústico... mas vocês tão dentro" e foi uma baita exposição, até com uma carga de emoção maior, por tudo que a gente tava passando, e também fizemos a [live] do Dia Mundial do Rock, que deu uma sobrevida pra banda, já com o Ali [Zaher] no baixo. Depois falamos com o Daniel [Siqueira, baterista], que aceitou e é um cara que eu sempre fui fã, toca pra caralho, e aí a gente começou a pensar no futuro, principalmente nos singles que a gente queria lançar antes da pandemia, e aproveitamos 2020/21 pra esse projeto, já com a formação nova. E aí cara, já começou a abrir o céu de novo. Fomos pra estrada com tudo resolvido, deixamos todos os problemas pra trás, e agora a gente tá numa felicidade fudida, com um puta entrosamento no palco, você vai ver hoje.
“Sabe quando as pessoas esperam esse momento de fraqueza para enfiar a faca dentro do seu coração? Cara, eu li coisas sobre mim ali que... Mas, por outro lado, isso acontece com todo mundo hoje nas redes sociais. Principalmente com pessoas públicas e eu preferi ficar na minha, procurava não ficar lendo nada” (Badauí)
RS – E pra finalizar: casa lotada, como está essa preparação para um show tão especial?
Badauí – A gente tem uma conexão muito boa com essa casa, sabe. Não fizemos tantos shows aqui, acho que três, mas pra mim é a melhor casa de São Paulo, tamanho bom, o som é bom. E pra hoje a gente fez um set com músicas de todos os discos, vamos meter bronca (risos)...
“Já começou a abrir o céu de novo. Fomos pra estrada com tudo resolvido, deixamos todos os problemas pra trás, e agora a gente tá numa felicidade fudida, com um puta entrosamento no palco” (Badauí)
RS – Vai rolar um Face to Face?
Badauí – Putz, não vai. Mas vai rolar um cover muito foda. Na verdade é uma versão que a gente tá fazendo, você vai se surpreender.
Findada a entrevista, Badauí pegou sua cerveja, provavelmente já meio morna, e fomos assistir a banda de abertura, os caras do Não Há Mais Volta. Nos perdemos um pouco nos corredores, mas chegamos a tempo de pegar mais da metade do show, que ele estava louco pra ver.
Ah, a música era "Por Enquanto", da Cássia Eller, e mesmo com tantos motivos pra deixar tudo como está, o CPM22 não vai desistir, pois estão indo de volta pra casa: os palcos.