Detonautas promete se reinventar em nova fase: ‘Vocabulário e abordagem diferentes’
Inspirado por Rita Lee, o novo single marca um divisor de águas na sonoridade da banda e antecipa o álbum que promete reinventar o grupo
Kadu Soares (@soareskaa)
Após dois anos sem lançar faixas inéditas, o Detonautas Roque Clube retorna com um novo single que promete redefinir sua identidade musical. “Potinho de Veneno”, lançado na última sexta, 31, é mais do que um retorno: é o anúncio de uma transformação.
O single inaugura o caminho para o próximo álbum de estúdio, previsto para 2026, e aponta para uma sonoridade que mistura pop, rock independente e ritmos brasileiros com doses generosas de experimentação. Para falar da nova fase, Tico Santta Cruz conversou com a Rolling Stone Brasil:
“Esse álbum novo é a nova era do Detonautas. Existem alguns álbuns que mudam a história de uma banda”, diz o vocalista.
A faixa apresenta uma banda que busca o equilíbrio entre o passado e o futuro. O vocalista explica que “Potinho de Veneno” surgiu como um experimento lírico e musical que rompe com a tradição do grupo, mas preserva sua essência. “É uma música que representa uma nova fase, com um vocabulário diferente, uma abordagem diferente e uma estética que nunca tínhamos explorado”, afirma. O resultado é uma canção inspirada na lírica de Rita Lee, combinando ironia, acidez e groove.
Tico destaca que o projeto do novo álbum é amplo e ambicioso, reflexo de uma inquietação criativa que o grupo recuperou após quase três décadas de trajetória.
A influência de Rita Lee e as “coincidências”
O impacto de Rita Lee em “Potinho de Veneno” vai muito além da inspiração na letra — ele atravessa toda a concepção da faixa, do título ao modo como Tico Santta Cruz enxerga o próprio papel de artista. O vocalista contou que mergulhou profundamente nas biografias e na discografia da cantora paulistana, absorvendo seu jeito de narrar e de brincar com as palavras. “O título vem dessa influência muito direta da obra da Rita Lee sobre mim, que eu consumi intensamente ao longo dos últimos anos. Da concepção ao vocabulário, essa percepção da forma com que ela criava foi um grande fio condutor na construção dessa música”.
Mas o acaso — ou, nas palavras de Tico, a ausência dele — deu à gravação um significado ainda maior. Ao chegar ao estúdio cedido pela Warner Chappell para registrar a faixa, a banda descobriu que se tratava do recém-inaugurado Estúdio Rita Lee, batizado em homenagem à artista e a seu parceiro musical, Roberto de Carvalho. “Quando a gente chegou lá, eles direcionaram a gente para um estúdio que era o estúdio Rita Lee e eu não sabia. Uma ‘coincidência’, assim, se é que existem”, relembra o cantor.
O episódio se tornou ainda mais marcante quando o próprio Roberto de Carvalho ouviu o single e aprovou o resultado. “Quando acabou de gravar a música, nós mandamos para o Roberto e perguntamos se ele não queria participar, colocando alguma guitarra para que ele tivesse a digital dele também nessa história. E ele ouviu a música e retornou com uma mensagem, falou: ‘Cara, a música tá tão boa que eu não vou colocar nada, porque eu não tenho nada que eu possa colocar aí que vai acrescentar algo'”.
Para Tico, a resposta de Roberto foi mais do que um elogio — foi uma espécie de bênção simbólica. “Eu fiquei sem ter como responder. De certa forma, assim, é um aval muito bacana”.
A gravação, que coincidiu com a inauguração do estúdio e a bênção feita por Roberto no local, selou o elo entre o Detonautas e o legado de Rita Lee. “Inclusive, fomos os primeiros artistas a gravar no estúdio da Warner Chappell no Brasil, batizado como ‘Rita Lee & Roberto Carvalho’, o que achei muito significativo, mais uma prova da minha conexão com ela.”, disse o vocalista.
Do violão ao estúdio: o processo criativo
O nascimento de “Potinho de Veneno” foi simples e quase doméstico. “Começou no violão, sem pretensão”, conta Tico. Ele levou a ideia inicial ao produtor Pablo Bispo, com quem já desejava colaborar desde a pandemia, e o chamou para dividir a autoria. “O Pablo me conectou ao Ruxell, e fomos buscar a batida tanto em ritmos do Pará e da região nordeste, como no rock clássico dos anos 60”, explica.
O trabalho no estúdio foi intenso e colaborativo. Pablo e Ruxell — conhecidos por criarem grandes sucessos do pop brasileiro — ajudaram a moldar uma estética que Tico define como “um rock independente com pitadas de pop e música brasileira”. O resultado é um som que flerta com o tecnobrega, mas mantém a pegada do rock de arena. “A gente queria uma música que soasse moderna, mas que tivesse o DNA do Detonautas”, diz ele.
Além da sonoridade, o aspecto visual também ganhou importância. A música inspirou um videoclipe com estética de cinema, com referências diretas ao universo de Quentin Tarantino e Robert Rodriguez, como o vocalista já havia adiantado. O resultado é um produto que mistura o espírito irreverente de Rita Lee com o vigor visual de uma produção contemporânea.
A recepção inicial foi o sinal de que o caminho era o certo. Ao apresentar a faixa ao produtor Rafael Ramos, da Deck, Tico recebeu uma resposta imediata: “Ele ouviu e disse: ‘Eu quero dez iguais a essa’. E aí eu liguei pro Pablo e pro Ruxell e falei: ‘Temos uma missão'”. A partir dali, “Potinho de Veneno“ deixou de ser apenas uma canção — tornou-se o ponto de partida de todo o novo álbum, um mapa criativo que orienta a nova fase da banda.
O que vem por aí
O novo álbum do Detonautas, previsto para 2026, é encarado por Tico Santa Cruz como um dos projetos mais ousados da trajetória da banda, um ponto de virada que mistura risco artístico e renovação criativa. O vocalista explicou que a escolha de “Potinho de Veneno” como primeiro single foi estratégica: “A gente viu que tem músicas com potenciais altíssimos, mas como essa tinha sido o primeiro contato com esse novo momento do Detonautas, ela seria a chave para abrir essa porta”.
O vocalista destaca que o público pode esperar um álbum diverso, moderno e, ao mesmo tempo, fiel à identidade do grupo. “Dentro do álbum, a gente vai ter reggae, dub, trap misturado com rock pesado e riffs de metal”, adianta. Para ele, essa fusão traduz o espírito inquieto do Detonautas — uma banda que, mesmo com mais de duas décadas de carreira, continua disposta a experimentar, mudar de rota e provocar seu público. “A gente tá lançando agora as músicas que a gente gostaria de dizer. Vamos dialogar com os mais jovens. Perder o diálogo com essa geração é perder o oxigênio”, afirma.
Tico reconhece que o álbum é uma aposta alta, um risco calculado e, ao mesmo tempo, uma afirmação de liberdade criativa. “Eu acho que esse álbum novo é a nova era do Detonautas. Existem alguns álbuns que mudam a história de uma banda… Eu acho que tem os álbuns do Detonautas antes desse e o que nós vamos fazer após dele”, diz. Com essa convicção, o vocalista resume a expectativa para o que vem pela frente: um trabalho que pretende unir o passado e o presente em um mesmo ponto de energia — e provar, mais uma vez, que o Detonautas ainda tem muito a reinventar.
Ouça “Potinho de Veneno” agora: