Em comemoração aos 40 anos do Capital Inicial, Dinho Ouro Preto relembrou o início da banda em meio ao icônico cenário do rock brasileiro em 1982
Mesmo com uma carreira de 40 anos na música, Dinho Ouro Preto parece mais jovem do que nunca. Sentado em um canto do próprio estúdio, cercado de instrumentos e discos, cantor está em casa na capital paulista, apesar de ter nascido em Curitiba e crescido em Brasília – cidade onde teve os primeiros contatos com o rock, como relembrou em entrevista à Rolling Stone Brasil.
Ao revisitar a geração de 1982 do rock brasileiro, Dinho conta as histórias como se tivessem acontecido ontem. Desde os 11 anos, quando conheceu Herbert Vianna e Bi Ribeiro – que fundariam os Paralamas do Sucesso posteriormente – até quando subiu em um palco tocar pela primeira vez. A empolgação na voz é inegável e revela alguém com mais histórias para contar do que jamais caberiam em pouco menos de uma hora de entrevista. Mesmo assim, cantor sabe como aproveitar cada segundo da mesma forma que aproveitou os últimos anos ao lado do Capital Inicial.
No início, Dinho era apenas um fã de música que tinha a companhia de Hebert e Bi na hora de andar de skate e ouvir Jimi Hendrix, Led Zeppelin, Rush, entre outros artistas que dominam a playlist dele até hoje. Mas quando os amigos partiram para o Rio de Janeiro, após ingressarem na faculdade, a geração mais nova que ficou em Brasília precisou aprender a fazer a própria música.
“O Hebert já tocava naquela época, e o Bi era unha e carne com ele e tocava abaixo também. Alguns anos mais tarde, eles entraram para a faculdade e foram para o Rio. E ficamos nós, a geração mais nova, em Brasília. Eu, Pedro, o irmão menor do Bi, e o Dado - que viria alguns tocar no Legião Urbana anos depois,” relembrou. “Nós três um dia esbarramos no Aborto Elétrico. O Aborto Elétrico era uma outra turma de rock em Brasília, era a turma dos punks. A turma do Renato [Russo], do Fê [Lemos] e do Flávio [Lemos], que hoje tocam no Capital Inicial.”
Foi ali que tudo começou. Das cinzas do Aborto Elétrico, que acabou em 1981, surge o Capital Inicial e o Legião Urbana, com uma pegada punk que não exigiu nada além de alguns acordes e muita vontade de fazer música. “Foi um divisor de águas. Principalmente por uma ideia do punk rock que era ‘faça você mesmo,’ o ‘do it yourself.’ Não era necessário você passar por anos e anos de aprendizado, sabe? Três acordes resolviam o assunto, o mais importante era ter algo a ser dito, produzir alguma coisa e não se render a algo que parecia alheio a nossa geração.”
Praticamente “isolados” em Brasília, os novos músicos não faziam ideia dos movimentos culturais que estavam acontecendo nas outras partes do país. “O som que nós ouvíamos, o punk rock ou mesmo new wave pós-punk, não ouvíamos isso em ninguém. Não que não houvesse, era gente que não conhecia,” relembrou. E o que começou como uma brincadeira, de repente se tornou profissão.
De acordo com músico, na época não havia muita esperança de que aquela música que produziam, em meio a um regime militar, poderia virar uma carreira. Shows internacionais e grandes festivais eram quase inexistentes e viver da música ainda parecia mais um sonho do que realidade. Mesmo assim, a determinação e a crença de que aquele som entraria para a história nunca ficaram de lado.
“Era tudo mais inocente, sabe? Porque não havia nenhum cálculo em termos de carreira. Ninguém pensava que isso pudesse acontecer, de tomar a dimensão que eventualmente tomou,” contou. “Acho que era bastante pretensioso a medida que nós nos víamos. Percebíamos como subversivos, como se o que estivesse sendo feito ali pudesse contribuir para apressar a queda do regime, como se fosse fundamental que o que nós tivéssemos cantando e descrevendo contribuísse para a queda do regime militar. Quando, na verdade, eram uns gatos pingados, uns adolescentes em Brasília, mas a gente achava que era relevante.”
E da década 1980 até 2022 o que não faltaram foram histórias. Foram quinze discos, diversas turnês no Brasil – e fora dele –, mudanças de integrantes, regravações e muito mais. “A gente não inventou o rock brasileiro. Precede a gente, desde os anos 1950, depois com a jovem guarda, os Mutantes, Raul, Rita. Mas a gente ajudou a botar de pé uma infraestrutura, rádios, em alguns momentos revistas. Isso é parte da construção do legado da nossa geração,” disse.
Dinho completou: “Às vezes, para garotada, é difícil entender que nada disso existia. Não existia Lollapalloza, não existia Rock In Rio, não tinha nada disso. De certo modo, tudo isso veio junto conosco. E é uma simbiose. Nós botamos isso de pé, mas isso ajudou a nos colocar de pé também. Isso é o que o Capital está celebrando, poder olhar para trás e falar ‘a gente foi parte disso’.”
“Meu maior orgulho é o legado das canções, de você fazer parte da música popular. De ter ajudado a criar, o que eu denomino, a música urbana brasileira. Não é a única, eu acho que o hip hop também é, suponho que o funk também seja, mas é o rock é, sobretudo, a música urbana.” Mesmo assim, Dinho, Fê, Flávio e Yves Passarell estão muito distantes de se aposentarem dos palcos e revelam o segredo da longevidade do Capital Inicial: “Estar sempre olhando para o futuro.”
“Em algum momento você podia ter parado e falado, ‘olha, produzi tudo que tinha que produzir, vou viver das glórias do passado, viver de nostalgia.’ Mas, inexoravelmente, se você fizer isso, vai ficar com cheiro de naftalina,” brincou Dinho. “O negócio é estar sempre de olho no projeto seguinte. Estar sempre pensando em músicas novas, parcerias novas, discos novos, qual é a sonoridade, em que direção você vai seguir.”
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E por falar em projeto novo, a banda lançará um disco e DVD em comemoração aos 40 anos de carreira, o qual contará com regravações de grandes sucessos do Capital Inicial e lados B, além de parcerias com artistas como Marina Sena, Vitor Kley, Pitty e Carlinhos Brown. Capital Inicial 4.0 (2022) chega às plataformas digitais em 26 de agosto.