ENTREVISTA

Garbage no Brasil: Shirley Manson discute setlist, influência de cirurgia em novo álbum e anos 90

O Garbage retorna ao país para shows em três cidades neste final de semana; em entrevista à Rolling Stone Brasil, Shirley Manson também refletiu sobre sua saúde e seu papel nos anos 1990

Heloísa Lisboa (@helocoptero)

Publicado em 20/03/2025, às 07h30
Garbage (Foto: Divulgação)
Garbage (Foto: Divulgação)

Minutos antes de anunciar o novo álbum do Garbage, Shirley Manson conversou com a Rolling Stone Brasil sobre sua próxima visita ao país. A banda se apresenta no Rio de Janeiro, São Paulo e Curitiba nos dias 21, 22 e 23 deste mês. O grupo esteve no Brasil pela última vez em 2023, quando compôs o line-up do The Town.  

"Foi fantástico para c*ralho", exclamou Manson em entrevista online. Apesar de não ter aparecido em vídeo na chamada, seu sotaque escocês e a risada estridente são inconfundíveis. "Acho que, na última vez que estivemos aí, tocamos com o Foo Fighters, Karen O, do Yeah Yeah Yeahs... São nossos amigos", continuou.

Ela acrescentou: "Então, foi uma experiência dos sonhos, ir ao Brasil tocar para o público incrível daí — famoso em todo o mundo por uma explosão de alegria que sempre me deixa impressionada, sendo uma pessoa escocesa. A ferocidade e o sentimento são lindos, e o Brasil pode se orgulhar disso, de seu povo". 

Celebrações e lembranças dos anos 1990

Este ano, o disco autointitulado do Garbage completa 30 anos, enquanto Bleed Like Me faz 20. Segundo Manson, a banda deve celebrar os aniversários com o lançamento de seu próximo álbum, Let All That We Imagine Be The Light, marcado para 30 de maio. 

Na virada de 2024 para 2025, Shirley escreveu em publicação no Instagram: "Em 1995, nunca teríamos acreditado se alguém nos dissesse que continuaríamos lançando música em 2025". A falta de esperança sobre a própria banda no passado pode ser explicada por dois fatores, de acordo com a cantora.

"Primeiro: poucas bandas de rock conseguem ter uma carreira tão longeva. É apenas algo que não acontece com muita frequência. Mas você, como uma jovem mulher, eu imagino, vai entender ao que me refiro agora sobre os gostos patriarcais que ditam a longevidade da carreira de uma mulher na maioria das vezes", argumentou. "Como uma jovem mulher, eu estava bem ciente em relação a como o patriarcado recai sobre tudo."

"Se eu fosse considerada atraente, poderia ser favorecida pela mídia. Eu tinha noção disso. A mídia amava mulheres atraentes nos anos 1990. Mas eu também sabia que, no minuto em que não fosse mais considerada atraente, estaria em perigo — e estava certa sobre isso", adicionou.

Manson ainda citou outras mulheres que resistiram aos obstáculos impostos por homens na indústria musical: "Por sorte, eu soube lidar com isso, assim como algumas das minhas inspirações, como Patti Smith, Siouxsie Sioux, Chrissie Hynde... Acho que conseguimos ter uma longa carreira porque não focamos em sermos bonitas. Isso faz algum sentido? Não focamos em tentar agradar homens. Éramos muito mais agressivas em comparação a outras mulheres do rock alternativo ou do pop daquela época".

Ao site britânico NME, Shirley contou que, também na década de 1990, esteve em um vôo com um "rockstar muito famoso". O artista teria lhe revelado que a Interscope, então gravadora do Garbage, investiria dinheiro somente em uma banda liderada por uma mulher. Nesse caso, o No Doubt foi escolhido. 

"Não me preocupo mais com isso. Talvez tenha me preocupado quando era mais nova", refletiu Manson. "Todas as decisões que são feitas e todas as decisões que não são feitas influenciam o curso da vida de alguém. É assim que a vida é — e você não tem nenhum controle sobre isso."

A vida é como um videogame, você encara o que quer que apareça no seu caminho. E aí, um dia, você é velho, olha para trás e pensa: foi uma viagem muito doida, com momentos gloriosos e momentos de m*rda. [...] Faz parte da nossa história — e isso é meio que o que a torna bonita.

Manson também examinou seu papel na cena musical de 1990. Quando perguntada sobre seu sentimento — ou a ausência dele — de pertencimento à década, ela respondeu: "Uma parte de mim sempre foi aquela jovem nos anos 1990, quando minha banda atingiu um público internacional — uma parte de mim continua lá. Mas há uma parte de mim que estava tão ocupada e envolvida na minha carreira, que perdi muita coisa que aconteceu com minha família, na minha vida pessoal, com meus amigos".

"No entanto, sou muito grata por nossa carreira ter sido longa o suficiente para fazer tantos discos como fizemos nos anos 1990, sabe?", confessou. "Então, como banda, acho que nos sentimos pertencentes a três décadas diferentes — e que privilégio do c*ralho! É muito doido que continuamos aqui, que continuamos fazendo álbuns, que ainda temos um grande selo nos ajudando a distribuir nossos discos pelo mundo... Isso é uma loucura!"

Os anos 1990 foram o começo de tudo para a gente. Sempre seremos lembrados, obviamente, como uma das bandas de rock dos anos 1990 de mais sucesso. É a nossa década. Sou grata por isso, porque foi uma década gloriosa, na qual fizemos tantos tipos diferentes de músicas, todas tocando em rádios populares, nas quais apenas pop, ou talvez rap e hip hop, continuam tocando. 

É 2025, e o Garbage continua lançando álbuns

Para todos os que duvidaram — incluindo a própria banda — Garbage lança seu oitavo álbum de estúdio em breve. Let All That We Imagine Be The Light será "a maior celebração" no momento. Enquanto Bleed Like Me foi remasterizado em 2024, Garbage ganhou edições de aniversário de 20 anos. Por isso, o grupo comandado por Shirley está focado no que está por vir. 

"Parece loucura poder fazer isso de novo, e estamos muito ansiosos", afirmou a vocalista. Ela reforçou um caráter excepcional do Garbage: "É muito, muito, raro para músicos, especialmente bandas de rock, ter uma carreira tão longa. É tão difícil! A indústria é tão dura com as bandas de rock. Não restaram muitos de nós. Somos uma espécie em extinção."

O sucessor de No Gods No Masters (2021) foi gravado após Manson ser submetida a uma cirurgia para substituição do quadril. Durante um show em Los Angeles, realizado em 2016, ela caiu do palco, mas levou a apresentação até o final. A dor resultante do acidente ficou cada vez mais intensa e passou a comprometer o trabalho de Shirley, que optou pela cirurgia somente em 2023. 

"Estou me sentindo ótima, mas f*deu com minha cabeça. Cai do palco e acabei com meu corpo", lembrou. "Eu não sabia o quanto eu tinha f*dido meu próprio corpo. Foi um grande choque saber que eu precisava de cirurgia. Sempre fui atlética, sou forte, como bem... E acabei em um hospital."

Foi uma experiência muito humilhante e desafiadora para encarar com esse tipo de vunerabilidade. Certamente, estou ótima fisicamente. Psicologicamente, tenho sofrido. 

A saúde de Shirley influenciou o novo disco — "definitivamente está ali". Conforme a artista, ela escreveu o álbum "acamada e sob o efeito de muitos remédios para dor".

"Isso definitivamente influenciou a forma como componho, porque não estava totalmente sã — você fica em um tipo diferente de estado. Então, você pode ouvir um pouco desse sofrimento no álbum", revelou. "Quando isso acontece [problemas físicos], você tem que mudar sua cabeça sobre o mundo, as pessoas e si mesmo. Você tem que pensar de um jeito diferente sobre como vai sobreviver e seguir em frente."

Também sou grata por algumas das lições que aprendi sobre paciência. Tipo com a reabilitação, quando você não consegue andar e tem que aprender a fazer isso novamente. É uma jornada selvagem para c*ralho. Deixe eu ser a primeira a te dizer: é uma jornada selvagem para c*ralho — e isso te ensina muito.

Ao destrinchar o título do novo álbum, Manson criticou o governo americano. "Acho que sentimos que o mundo parece ter tido uma virada fascista terrível. Estamos vendo membros do governo americano participando de saudações nazistas. Estamos vendo a destruição dos direitos das mulheres, dos direitos trans, dos direitos gays, o fechamento de parques nacionais", elencou.

"A lista é interminável. Acho que sentimos que precisamos elevar nossas mentes para fora da lama em que os líderes ao redor do mundo parecem insistir em nos lançar. Então, isso é sobre o poder da mente, da imaginação e do espírito, a capacidade de transcender a negatividade, se isso faz algum sentido", completou.

A frontwoman do Garbage também usou o Instagram para lamentar a morte de Gene Hackman, morto em fevereiro, e de David Lynch, que faleceu em janeiro. Shirley afirmou que Hackman era seu "ator favorito enquanto crescia". Além disso, o astro de Operação França (1971) é "um muso" para a banda: "Engraçado você mencionar isso. [...] Usamos diálogos dele em nossos shows ao vivo. Somos muito inspirados por toda aquela loucura da tecnologia de vigilância, a obsessão pela loucura, sabe?"

Lynch, por sua vez, tem sido homenageado pelo grupo em suas apresentações recentes. Na Colômbia, Chile e Argentina, por exemplo, Garbage deu largada às performances com "Laura Palmer's Theme", canção de Angelo Badalamenti para Twin Peaks.

Fãs ansiosos para ouvir uma palinha do novo álbum terão que conter as expectativas, já que as setlists dos próximos shows não devem incluir nenhuma faixa inédita da banda. Porém, há esperança: "Acho que não teremos esse tempo. Mas estamos ensaiando uma música. Se nos sentirmos prontos, vamos tocá-la", adiantou Shirley.