O Jethro Tull inicia nesta terça-feira, 9, uma série de shows no Brasil; a turnê passará por Minas Gerais, Rio Grande do Sul, Paraná e São Paulo
O Jethro Tull inicia nesta terça-feira, 9, uma série de shows no Brasil. Fãs que compraram ingressos para apresentações em 2020 tiveram que adiar os planos devido à pandemia. A banda passará por Belo Horizonte, Porto Alegre, Curitiba e São Paulo, após quatro anos de espera.
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Em entrevista à Rolling Stone Brasil, Ian Anderson — fundador e único membro atual da formação original do Jethro Tull — afirmou que "é questão de honra fazer os shows" e esclareceu que as performances deixadas de lado "foram canceladas por causa de Vladimir Putin", na Rússia e na Ucrânia.
Os anos longe da estrada possibilitaram a gravação de dois novos álbuns: The Zealot Gene (2022) e RökFlöte (2023). Músicas desses projetos devem aparecer na setlist do grupo, mas os hits, como "Aqualung", não serão ignorados.
Deve sobrar espaço para até mesmo um cover de "Bourrée in E minor", composição de Bach. Anderson admitiu que desistiu de ouvir rock e que se contenta com música clássica: "Não preciso ouvir outras bandas de rock ou outros tipos de música".
Ouvi jazz brasileiro e talvez um pouco do rock brasileiro, mas não sou fã de rock. Eu desisti de ouvir rock em meados dos anos 1970, perdi o interesse.
Em 1989, o Jethro Tull levou o Grammy de Melhor Performance de Rock Pesado/Metal, o que gerou revolta por parte dos metaleiros. Para eles, era inconcebível premiar uma banda cujo fundador se dedicava à flauta, em vez da guitarra.
Ian já revelou que Eric Clapton foi determinante na escolha sobre o instrumento que aprenderia a tocar — ele pensava que nunca seria tão bom quanto o coautor de "Layla".
Mesmo imprimindo sua marca no rock progressivo, Anderson não se considera um músico excepcional: "Acho que escrever músicas a partir de um instrumento que você não toca bem sempre vai te levar de volta para o básico e te dar uma nova inspiração".
Acho que não ser um grande músico me ajuda a compor. Sou um músico competente, mas não sou ótimo.
O vocalista destruiu a esperança de fãs sobre um possível retorno de Martin Barre, com a saída de Joe Parrish-James, ao grupo agora formado por David Goodier (baixo), John O'Hara (teclados), Jack Clark (guitarra) e Scott Hammond (bateria).
Segundo Anderson, foi ele mesmo quem incentivou Barre a seguir seu próprio caminho. Ele também condenou as críticas feitas nas redes sociais e garantiu que os artistas com quem trabalha são muito talentosos. "Não preste atenção no que vê no Instagram", aconselhou.
Leia entrevista na íntegra:
Rolling Stone Brasil: Você deveria se apresentar aqui no Brasil em 2020, mas isso não aconteceu. Desde então, porém, você lançou alguns álbuns novos. Então, os planos para os shows de 2024 são diferentes, eu imagino... Pode me dizer o que trará ao Brasil?
Ian Anderson: Em 2020, nós tínhamos uns 100 shows agendados. Fizemos duas apresentações em fevereiro de 2020, e em 2021 e 2022, nós estávamos correndo atrás, tentando reagendar todos esses shows que foram adiados.
Os únicos que foram cancelados não foram cancelados por causa da Covid, foram cancelados por causa de Vladimir Putin. Estava agendado para nos apresentarmos na Rússia e na Ucrânia, mas esses concertos precisaram ser cancelados. Tenho certeza de que eles nunca serão remarcados pelas razões que todos nós sabemos, mas a maioria conseguimos reagendar. Levou um tempo.
Na Finlândia, onde finalmente tocamos no fim do ano passado, foi depois de três adiamentos. Foi uma coisa atrás da outra, mas não Covid. Podem ser dificuldades na economia, problemas políticos...
É muito vergonhoso para mim quando tenho que reagendar, porque muitas pessoas compram os ingressos e é questão de honra fazer os shows. E é o que estamos fazendo agora.
Rolling Stone Brasil: Já ouvi a história sobre como você acabou tocando flauta, em vez de guitarra, mas quero entender como você acredita que aprender a tocar flauta sozinho te ajudou a criar um tipo único de música.
Bom, acho que escrever músicas a partir de um instrumento que você não toca bem sempre vai te levar de volta para o básico e te dar uma nova inspiração. Se você toca um instrumento muito, muito bem, acho que é possível que você acabe se repetindo e fazendo coisas que são muito complexas. Então, talvez ter um instrumento que você não toca muito bem é uma boa forma de compor música, eu acho.
Tenho composto música principalmente usando uma guitarra e um violão — geralmente com violão, às vezes com teclados, às vezes criando música com a flauta, a qual tenho que traduzir depois para uma paleta mais ampla, porque a flauta é um instrumento monofônico. Ela toca uma nota de cada vez, e se você quer ter um conteúdo harmônico, alguns acordes, um desenvolvimento, então precisa dar corpo a isso, criar melodias e dar à música uma posição mais amplamente definida. Então, você precisa, de repente, de muita imaginação... Acho que não ser um grande músico me ajuda a compor. Sou um músico competente, mas não sou ótimo.
Rolling Stone Brasil: Quando você está compondo, você pensa sobre como vai apresentar essa música ao vivo? Tipo, 'Estarei cantando nessa parte, então não poderei tocar a flauta', ou algo assim...
Sim, eu penso hoje em dia. Eu realmente penso sobre como vou apresentar uma música no palco. Houve ocasiões em que eu escreveria e gravaria uma música que não havia jeito de ser tocada ao vivo da maneira que soava no álbum, porque os vocais e a flauta poderiam estar acontecendo ao mesmo tempo na gravação.
Então, sou mais cuidadoso agora para tornar praticável e tocável. Quando ensaiamos e tocamos juntos, temos um bom tato sobre como gravar e como soar crível ao vivo. Assim, também não temos que reaprender ou mudar algo quando apresentamos ao vivo em turnê. Nos dois últimos álbuns, não houve muitos casos em que não pude recriar o que fiz em estúdio.
Rolling Stone Brasil: Não sei muito bem como explicar, mas existem sonoridades na sua música que me lembram canções brasileiras. “Allfather”, por exemplo... A introdução lembra um samba. Você tem algumas influências brasileiras?
A única música que realmente ouvi foi em 1973, quando ouvia Villa Lobos e a natureza delicada de seus estudos de guitarra, mas era muito diferente do que eu estava fazendo. Então, não acho que me influenciou musicalmente. Era apenas algo muito agradável de se ouvir.
Ouvi jazz brasileiro e talvez um pouco do rock brasileiro, mas não sou fã de rock. Eu desisti de ouvir rock em meados dos anos 1970, perdi o interesse.
Rolling Stone Brasil:Por quê?
Estava ao meu redor o tempo todo, e eu tinha influências o suficiente naquela época. Tinha 20 e poucos anos, não precisava continuar ouvindo outras pessoas, não queria ser influenciado por bandas que me cercavam, queria fazer minha própria coisa.
As únicas vezes em que ouvia música contemporânea era quando alguém me pedia para tocar em seu álbum, como convidado. Eu ouvia sua música cuidadosamente e tentava entender o que estava ali, sobre o que falava. Se eu fosse contribuir, eu precisava dar o meu melhor e fazer isso no contexto adequado. Mas isso acontecia umas três vezes ao ano.
No resto do tempo, eu ouvia música no avião. Não gosto de voar, então tento me acalmar ouvindo [Georg Friedrich] Händel ou outros compositores barrocos.
Lembro de 1974, quando comecei a ouvir Beethoven e pensei: "Há o suficiente na 'Sinfonia n.º 9' para me manter interessado pelo resto da minha vida". Não preciso ouvir outras bandas de rock ou outros tipos de música. Existe uma enorme informação musical, drama e emoções, não em todas, mas na maioria das músicas clássicas. Então, estou bem satisfeito em ouvir Beethoven e Mozart. É tudo o que preciso.
Rolling Stone Brasil: Qual a sua relação com a mitologia e até com temas bíblicos que estão presentes nos dois últimos álbuns do Jethro Tull?
Tenho interesse em religião comparada desde a adolescência. Ler, tentar entender, tentar entrar no coração e na alma de diferentes religiões são coisas que achei necessárias. Por pelo menos uma hora ao dia eu penso sobre mim mesmo como uma pessoa bem espiritual. Estou frequentemente pensando sobre coisas para fazer, vida, morte, moralidade, todas as coisas que religiões vão nos ensinar.
Mas não tenho um comprometimento com nenhuma das religiões organizadas. Acho que todas são importantes, e a maioria delas é relevante para o mundo hoje em dia. Acho que há muito o que podemos aprender com, no meu caso, o cristianismo, porque é a religião que realmente deriva da cultura europeia.
Cresci numa sociedade cristã, em termos gerais, então é mais fácil me relacionar com ela, mas não me autodenominaria cristão, porque isso implicaria em ter fé. Não tenho fé. Fé demanda certeza, e eu não tenho certezas. Existem possibilidades e probabilidades. Acho muito provável que houve um profeta judeu revolucionário conhecido como Jesus de Nazaré... Mas Jesus Cristo, o filho de Deus, é um pouco difícil de acreditar.
Ainda acho que o cristianismo é fácil para mim, e digo que é um portal. É uma pequena porta no final de um corredor pelo qual você pode caminhar, deixar ligeiramente aberta e ver a luz. Se você quiser ir, então vá. Se quiser ficar na entrada e apenas olhar pelo buraco da fechadura... É isso que eu faço. Talvez devesse ficar um pouco mais preocupado com isso em alguns anos. Eu não sei no momento. Estou bastante contente em ficar deste lado da porta.
Rolling Stone Brasil:Como você lida com críticas sobre o Jethro Tull não ser "rock o suficiente"?
Não leio as críticas. Não tenho redes sociais. Bem, eu tenho que ter redes sociais profissionalmente, mas pessoalmente não entro no Facebook, ou no Twitter, ou qualquer outro tipo de coisa. É algo que não me satisfaz de jeito nenhum.
Não estou interessado em comunicação nas redes sociais e certamente não iria gostar de ler o que outras pessoas estão dizendo sobre mim ou sobre a banda. Sempre há pessoas realmente desagradáveis por aí, que vão dizer apenas coisas ruins. Acho que devemos a nós mesmos não nos expormos dessa forma.
As crianças são as que mais me preocupam. Tenho netos relativamente jovens e dois ou três deles são bem ativos nas redes sociais. Isso me preocupa muito. Em algum momento, pessoas desagradáveis vão escrever sobre eles e será difícil. Para muitas pessoas jovens, isso se tornou algo tão pertubador em suas vidas. Sua vida pode literalmente chegar ao fim. Todo dia alguém morre como resultado da incapacidade de lidar com as coisas horríveis que as pessoas dizem. Sou um adulto, se eu ler algo ruim que a crítica pode dizer, não vai me incomodar, mas não quero arruinar meu dia. Então, só ignoro, fico longe dessas coisas.
Está tudo online hoje em dia: entrevistas, reviews... Passo horas online fazendo outras coisas, mas certamente não leio, tenho coisas melhores para fazer. Cedo ou tarde, você vai receber comentários que vão te chatear, não apenas por cinco minutos, ou cinco horas. Talvez você fique chateado por dias ou pelo resto da sua vida. Será sua escolha, você tem que decidir se vale a pena. Eu não acho que vale. Acho que o que vale a pena é encontrar alguém que você gosta cara a cara, fazer uma refeição, uma caminhada, assistir a um filme ou sei lá.
Rolling Stone Brasil: Você tocou com Joe Parrish por alguns anos e se despediu dele no último mês. Como foi fazer música com alguém tão jovem?
Joe era bem novo quando eu o conheci, em 2019. Ele foi substituído por Jack Clark, que já esteve conosco algumas vezes nos últimos dois anos para cobrir nosso baixista. Ele passou por uma cirurgia, então Jack tocou com a gente algumas vezes. No início desse ano, quando nosso tecladista esteve na Austrália e no Japão com sua esposa, ele tocou as partes do teclado na guitarra. Então, foi um encaixe bem fácil. Jack deve ter a mesma idade, acho que ele tem 20 e tantos anos. Eu toco com pessoas jovens desde que eu era jovem. Tocar com alguém no auge de sua vida musical, o que provavelmente será aos 20 e poucos anos, é ótimo. Agora, eu sou 50 anos mais velho que eles.
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Rolling Stone Brasil: Vi no Instagram que algumas pessoas ficaram felizes com a partida de Parrish, porque acharam que seria uma boa ideia trazer Martin Barre de volta. O que pensa sobre isso?
Martin saiu do Jethro Tull em 2011, quando eu tive alguns anos fazendo poucos projetos. Como eu disse a ele há muitos anos: você precisa ter uma vida fora do Jethro Tull, precisa desenvolver sua própria música, fazer suas próprias composiçoes e gravações e sair em turnê... Isso meio que o motivou a fazer isso, e acho que Martin está muito mais feliz agora, gravando e saindo em turnê como Martin Barre, embora ele se apoie bastante no repertório do Jethro Tull nos seus shows. Mas estou muito feliz que ele esteja tocando Jethro Tull, músicas que eu escrevi. Não acho que 13 anos depois ele acharia fácil trabalhar comigo. Então, isso não vai acontecer, garanto.
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Rolling Stone Brasil: Como decidiu pôr um fim ao Jethro Tull em 2011?
Não coloquei um fim na banda, só tirei uma folga. Disse ao Martin e ao Doane Perry, que tocavam comigo há muitos anos, que procurassem outras coisas para fazer, pois estava trabalhando em um novo projeto. Não tinha certeza, naquela época, como seria. Sabia que começaria a trabalhar nos próximos meses em um projeto que eu queria fazer como um projeto solo, não sob o nome do Jethro Tull. Não era apenas questão de semanas ou alguns meses. Quando começa a trabalhar em algo, isso não vai ser lançado antes de um ano, e, se você for fazer turnês, vai ainda mais um ano.
Então, não estava claro se voltaríamos a nos apresentar juntos como banda da forma que fazíamos. Mas os caras que estavam geograficamente próximos de mim, morando a uma hora de onde eu moro... Conseguimos nos reunir. A primeira vez que trabalhamos juntos foi em projetos solo lá em 2004. Esses caras fizeram parte do Jethro Tull e do meu álbum solo. Parecia apropriado tê-los nesses projetos, o que concordaram. E eles continuam sendo membros do Jethro Tull.
Faz bastante tempo, faz 20 anos desde que David Goodier começou a trabalhar comigo, um ou dois anos depois com o Jethro Tull. O mesmo aconteceu com John O'Hara, Scott Hammond... Acho que a posição deles está bem legitimada, mas você acabou de dizer que viu no Reddit, ou outra rede social... Qual foi?
Rolling Stone Brasil: Instagram.
Isso! Você sempre encontra gente reclamando. Alguém disse que seria bem legal se Martin e eu voltássemos a trabalhar juntos. Eu diria que sim, seria legal se fosse algo que agradasse a ambos. Mas, se alguém dissesse isso de forma crítica ou se começassem a dizer que Martin Barre é um guitarrista melhor que Joe Parrish-James, eu ficaria bem bravo, porque sei que não é o caso.
Fico muito feliz em contar todas as coisas boas que Martin Barre pode fazer musicalmente, mas os caras que tocam na banda hoje têm que tocar tudo o que veio antes deles. Eles têm que ser músicos muito capazes e, quem sabe, ter habilidades musicais mais amplas em comparação a Martin, talvez. Isso não o faz menos guitarrista, mas certamente não pode dizer que os caras com quem trabalho desde a saída de Martin Barre são melhores ou piores. São ótimos músicos e eu estou muito satisfeito em tocar com eles.
Meu conselho: não preste atenção no que vê no Instagram.