Cantor e compositor de hits da MPB como “Monalisa” e “Que nem Maré”, Jorge Vercillo acredita na importância das redes sociais como ferramentas de revolução
Um dos maiores nomes da MPB, Jorge Vercillo tem mais de 30 anos de carreira e uma trajetória de sucesso que acompanha as mudanças no mercado musical. Com a potência das redes sociais e a indústria se voltando ao streaming, o cantor e compositor não pensa apenas em se adaptar, mas questionar cada vez mais o fazer cultural no século 21.
Em entrevista à Rolling Stone Brasil na tarde de uma quarta-feira, a problemática relacionada ao streaming foi primeiro assunto a surgir, enquanto Vercillo encarava a tela do computador dentro do estúdio montado na própria casa no Rio de Janeiro. Afinal, não importa os anos de carreira, prêmios e discos de platina: a pandemia acentuou a disparidade de arrecadação para todos os músicos — e nesse tema, o streaming é o assunto principal.
“Desde que o mundo decidiu que a agora a música é de graça foi uma transformação na vida de todos os artistas. Do compositor, cantor, de quem trabalhava com venda de disco, produção musical, arranjo, engenheiros, mixagens. O mercado digital é meio que um cala a boca, quase que como uma pirataria oficializada. O conceito é muito bom, mas o que se ganha é muito pouco. Paga-se muito mal,” relatou Jorge Vercillo.
O artista lançou o disco de estreia, Encontro das Águas, em 1994, 14 anos antes da estreia do Spotify, atualmente um dos maiores streamings de música no mundo. Vercillo viu a carreira ser consolidada na venda de discos, CD’s, transmissão em rádios e, inclusive, novelas. São mais de 16 hits que se tornaram tema das produções brasileiras: da icônica faixa “Ela Une Todas as Coisas” em Duas Caras a “Face de Narciso” em Flor do Caribe.
Atualmente, os tempos são outros e as novas gerações dialogam a carreira musical com o trabalho nas redes sociais e streaming - principalmente na pandemia de covid-19. Jorge Vercillo admite sobreviver “do que toca nas rádios”, e por isso alerta os jovens: “Precisam se antenar porque as plataformas precisam pagar melhor. Não é à toa que Paul McCartney no Reino Unido se uniu a mais de 150 artistas para pressionar o Spotify e o YouTube a renegociar a maneira de serem remunerados.”
Enquanto Vercillo não se faz refém do formato digital, continua a reinventar a arte e lançar novos projetos. Em 2019, lançou o disco de estúdio Nas Minhas Mãos, incluindo a faixa inédita “song 4 u” em parceria do filho mais velho, Vini Vercillo. No dia 12 de agosto, também estreou uma nova versão de um dos maiores sucessos da carreira: “Mona Lisa”. Para o músico, a arte está sempre em transformação:
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“A arte é a expressão humana, é uma coisa viva e o que faz de nós humanos, diferentes. Através da linguagem, do reconhecimento do que é belo. O homem é um animal simbólico, ele morre, e dá a vida pelo simbolismo. A arte é uma conexão com algo superior, divino, especial… Ela sempre está se transformando,” afirma.
Na vida pessoal e profissional, Vercillo dialoga a arte com questões existenciais, metafísicas e energéticas. Da sua conexão com a natureza e na diversidade que carrega na carreira musical e ideologias pessoais, o compositor faz questão de se questionar sobre a atualidade e o fazer música.
No disco de 2019, a faixa “Garra Menina”, em parceria com Ronaldinho Gaúcho, reflete parte desse questionamento de Vercillo, que classifica a canção como uma “música política”: “É sobre quem desvia dinheiro público, governa por causa própria. As rádios não quiseram comprar para não entrar nesse mérito, nessa polêmica. Vivemos uma polaridade política muito grande no Brasil, né? E eu fico muito preocupado com essa polarização, até porque o que eu penso que o sistema político precisa se renovar, melhorar.”
O cantor de “Monalisa” se identifica “com uma pessoa mais de ideologia de esquerda”, e não vê problemas em se posicionar politicamente. Apesar de criticar Jair Bolsonaro, vê no atual presidente uma tentativa falha de "quebrar as regras" vigentes na política atual: “Ele se apresentou como uma coisa fora do normal, fora da regra, eleito pela internet. Mas ele nunca soube se expressar, não demonstra humanidade e compaixão, atrapalha tudo no nosso Brasil.”
Admirador da postura transgressora de Roger Waters, do Pink Floyd, o cantor acredita no uso das redes para se posicionar diante das questões políticas e necessárias do país — e tem críticas a quem não usa as plataformas como ferramenta de contestação e diálogo:
“Temos liberdade de falar tudo para todos, mas não falamos porque temos medo de perder seguidor. O que é isso, cara? Não estou nem aí para seguidor, quero ajudar as pessoas. Se posicionar é um ato político, de amor. Principalmente se posicional sem demonizar nem o militar, capitalista ou socialista. Não existe inimigos, todo o inimigo está dentro de nós,” afirma.
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Em época na qual a velocidade das informações se faz cada vez mais instantânea, o uso deturpado das redes sociais incomoda Vercillo, principalmente quando o assunto é música. Segundo o artista, o digital dá ênfase a conteúdos específicos, e muitas vezes de forma injusta - principalmente quando o online caminha para o ato de “viralizar” como uma das únicas chances de alcançar popularidade e reconhecimento pelo trabalho.
O músico reflete: “Viraliza o que é engraçado, o que é estranho. Estamos na sociedade do escândalo. Mas se você tem uma cantora nova que pode não ser tão bonita, mas canta uma música mais densa, com mais conteúdo, não vai viralizar tanto porque não vai chamar tanta atenção - e isso é uma falha da sociedade, né?”.
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Por isso, o cantor acredita na divisão do mercado musical como uma forma de dar oportunidade para todos os artistas: “A música tem dois momentos: pode ser de entretenimento, de carnaval e oba oba; mas é essencialmente cultura, conhecimento e expansão de consciência. (...) Precisávamos dividir o mercado em dois, mercado musical de entretenimento e mercado musical cultural. Não dá pra gente ficar só no entretenimento, se não daqui a pouco vamos pegar o sorvete e [faz movimento de jogar na testa].
Enquanto Jorge Vercillo está consolidado musicalmente, um novo rosto surge na indústria indústria brasileira — embora o sobrenome seja o mesmo. Vini Vercillo, o filho mais velho do cantor, desenvolve-se na carreira musical por meio de shows com o pai, assim como um projeto solo.
Com um estúdio dentro de casa e encontros com grandes nomes da música brasileira, é difícil não querer seguir o caminho artístico — e apesar do desejo de Vini Vercillo fazer carreira na música, ele não acompanha os mesmos passos do cantor de “Final Feliz”.
O jovem de 19 anos começou a tocar na banda dos shows do pai aos 14 anos, sendo a primeira apresentação em um estádio de futebol localizado em São Paulo, o Allianz Parque. Ao lado de grandes músicos, como o baterista Cláudio Infante e o tecladista Misael da Hora, Vini Vercillo também se destacou pelo talento com violão e guitarra.
Jorge se diz “uma mistura de todos os gêneros”, dialogando a MPB e o jazz com arranjos complexos de violão, enquanto Vini Vercilo compõe principalmente em inglês, e também vê o seu caminho na música como “um liquidificador de informações e influências”.
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Fã dos Beatles, Cazuza, Lulu Santos, Michael Jackson, Ana Carolina, Jimi Hendrix e outros importantes nomes, Vini enxerga sua arte como resultado de várias influências, em diálogo com as harmonias jazzísticas e complexas de Vercillo, e o lado guitarrista. Nos últimos anos, a parceria musical entre pai e filho se desenvolveu ainda mais, com o lançamento de “song 4 u”:
“Ele é o cara mais maduro que conheço, então sempre exigi muito de mim. Quando mostrava alguma música para ele, não podia fazer de qualquer maneira, então fazia aquecimento vocal. Criei uma cobrança de chegar no nível dele de composição. Enquanto ele usa o violão, eu faço a guitarra. Criamos uma fusão interessante. Tenho isso do pop e rock internacional, ele tem a música brasileira, do violão de náilon. Vibramos muito quando estudamos alguma coisa, quando apresento algo para ele, sei que vai gostar. Nos entendemos muito bem nessa fusão emocional e musical”, relata.
Vini Vercillo desenvolve um EP atualmente. As faixas são uma fusão do disco I Guess— composto inteiramente em inglês quando esteve nos Estados Unidos — e uma vontade de trazer a identificação com a população brasileira. “As pessoas podem esperar muito do meu DNA. É uma música pop, mas com uma textura específica muito minha,” explica o artista.
Assim como o pai, Vini acredita que “o mundo está em uma fase muito esquisita”, e vê nas redes sociais parte de uma banalização de conteúdo prejudicial ao mundo musical: “É muito frustrante ter estudado algo desde os meus cinco anos com toda a minha dedicação e, às vezes, não ver o reconhecimento. Isso porque estou competindo com muita informação polarizada, estilos diferentes (...) todo mundo quer ser conhecido, todo mundo quer ser famoso. Isso acaba prejudicando as pessoas que realmente estudaram.”
As novas gerações pensantes que surgem na cena musical, como o próprio Vini, cruzam a carreira já consolidada de Jorge com diferentes propostas e ideologias, e trazem à tona importantes discussões. Afinal, o cantor de "Monalisa" viu o nascimento da terceira filha, Luiza, em meio a uma pandemia como momento único para refletir sobre a existência e o legado que a sociedade deixa para o futuro.
Em constante experimentação e reflexão, o cantor torce para a continuidade da arte de forma orgânica e criativa. Às novas gerações, fala sobre como vê a composição artística:
“É uma sensação quando você consegue ficar meses para fazer uma grande música. Aí só falta ela ser conhecida. Quando uma grande música se torna conhecida, ela tem grande chance de se tornar eterna, como “Garota de Ipanema”. Faço votos para o pessoal do funk criar canções eternas, assim como o sertanejo. Ninguém é contra a música, mas somos a favor da criação de coisas criativas dentro de cada universo e linguagem. Você vê o rap, o Emicida, Gabriel Pensador… É genial, extremamente criativo,” reflete.
Sobre os novos artistas da MPB, o desejo é o mesmo: “Gostaria de ver a nova geração indo sempre mais a fundo na sua verdade. Esses artistas vêm cada um com as suas tendências e misturas. Ouço muitos artistas dessa geração com influência do folk, do pop rock e até do sertanejo, mas a mistura é inevitável, pois fazemos parte de uma cultura muito diversificada e isso é muito bom.”
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Entre os jovens talentosos da MPB, Vercillo cita os Gilsons, Luana Mallet, Júnior Meirelles, Vitor Cupertino, Ninah Jo, João Vaz e muitos outros “que há tempos fazem uma música de excelente qualidade, mas ainda não tiveram a atenção merecida, na minha opinião.”
A criatividade transcende a composição quado Jorge Vercillo pensa na pandemia de covid-19, e a necessidade da reinvenção no presente e futuro. O artista fala sobre os shows drive-in como uma possibilidade “maravilhosa” que não sabe o porquê de não ter dado certo, por exemplo.
Contrário à aglomeração de bares e à falta do uso de máscaras, Vercillo vê com críticas o desequilíbrio entre apoio aos bares e apresentações culturais. Por isso, o cantor acredita que “o show deve continuar” — com as devidas recomendações para barrar a transmissão da covid-19, claro.
“Toquei no Vivo Rio, foram três dias lotados, porque as pessoas estão precisando de arte, realmente estão precisando aquela emoção, de uma válvula de escape. Eu fiz agora o Tom Brasil com todas das medidas restritivas de São Paulo, mas você vê o bar lotado com mesas próximas, todo mundo pulverizando bebida… a pandemia vai continuar, não tem jeito,” afirma.
Reflexivo, disposto a quebrar regras e dar a opinião sobre absolutamente tudo: este é Jorge Vercillo. Com uma carreira de mais de 30 anos, o artista continua a observar as novas tendências com o olhar curioso de quem ainda tem muito a falar e questionar sobre a existência humana e o fazer musical.
Em um contínuo trabalho como cantor, compositor e, inclusive, como pai, Jorge Vercillo faz das experiências, inspiração para o ainda desconhecido futuro. Libriano, o artista versátil quer experimentar, refletir e até mudar de opinião — de fato, ele quer sair da zona de conforto.
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