Justice: "só fazemos o que achamos divertido" [ENTREVISTA]
Duo francês celebra sucesso de 'Hyperdrama', o 10º melhor álbum de 2024 pela Rolling Stone Brasil; em entrevista, dupla resume com modéstia seu processo criativo e garante ainda estranhar intensidade do ao vivo: "não somos animais do palco"
Gaspard Augé está em silêncio. De óculos discretos, ele cumprimenta timidamente ao início da videochamada e mantém seu microfone mudo enquanto Xavier de Rosnay assume as respostas durante os quase 15 minutos de entrevista com o Justice.
Entre uma tragada ou outra de seu vape, de Rosnay responde com modéstia as questões sobre um 2024 especialmente hyper para o duo francês, com audiências hiperbólicas e novos clássicos adicionados ao repertório - um novo clímax para o Justice, resultado do sucesso Hyperdrama, seu quarto álbum de estúdio e o 10º melhor disco internacional de 2024, na votação da Rolling Stone Brasil.
"Percebemos que as novas canções estavam funcionando também, tão bem quanto as clássicas. Foi um ótimo sinal", garante de Rosnay.
Lançado quase duas décadas após a estreia barulhenta em Cross (2007), Hyperdrama segue a sonoridade disco-funk cintilante do duo que se alterna em momentos de experimentalismo e explosões dançantes acertadas. O resultado vem nas pistas, tão lotadas e jovens quanto há 20 anos - algo que, para os dois, garantem, não fica mais fácil com o tempo:
"Ainda é um pouco estranho para nós, porque não está no nosso DNA ir lá e performar no palco. Não somos animais do palco", admite de Rosnay. "É estranho, mas adoramos o resultado. E sempre ficamos bem, nos sentimos bem depois, porque é uma longa preparação e no fim vale a pena."
A relação com o público ao vivo, o sucesso de Hyperdrama, a produção de clipes icônicos e as expectativas por um show brasileiro você confere abaixo, na conversa do Justice com a Rolling Stone Brasil:
Rolling Stone Brasil: Queria começar falando de videoclipes - de "Neverender", que recentemente entrou na lista de clipes impressionantes do Justice. Como vocês sentem que essa expressão visual de vocês evoluiu até chegarmos aqui?
Xavier de Rosnay: Não evoluiu realmente. Para nós videoclipes sempre foram desculpas para tentar coisas. Não há realmente uma continuidade entre os vídeos, cada um é uma peça diferente. Toda vez sentimos como se tivéssemos algo diferente para tentarmos, sempre buscamos tentar. Não fazemos videoclipes para promover as músicas porque às vezes fazemos clipes para faixas que não são singles, podemos fazer algo que, desde o início, sabemos que não vão ser vistos por muita gente, como em "Stress" ou "Generator", por exemplo. Elas não são singles, mas aí surge uma ideia para trabalhar nelas e vamos nessa. Não importa realmente se é um single. E quando fazemos em singles é o mesmo processo. Se achamos uma ideia que nos agrada, fazemos. Então não tem evolução porque não há continuidade. Só tentamos coisas diferentes.
Rolling Stone Brasil: Ainda sobre "Neverender, a gente percebe várias referências a animes dos anos 80, a Moebius… e é realmente muito divertido. Como vocês chegam a este conceito e como foi o processo criativo dele?
Xavier de Rosnay: Queríamos fazer algo que lembrasse das sequências de abertura dos animes que assistíamos quando éramos crianças. Sabe, como aqueles primeiros dois minutos dos desenhos, que tinham aquela mesma música e você tinha todas as melhores sequências das temporadas dos animes comprimidas em dois minutos ou um minutos. Então foi uma mistura disso e várias outras coisas que vêm mais de uma tradição western, como as aberturas de James Bond. E também vários artistas franceses, como Moebius, e o sci-fi dos quadrinhos dos anos 1970. Então sim, foi isso que condensamos nesse vídeo.
Rolling Stone Brasil: Falando de seu disco mais recente, Hyperdrama, vocês já afirmaram anteriormente que o nome do album é bastante literal ao oferecer essa música exagerada, intensa e fantástica. Agora, meses após o lançamento, como acham que o conceito - e o disco - foi recebido?
Xavier de Rosnay: Está sendo ótimo, sim. O lance é que só sabemos de uma parte da recepção, porque não lemos a imprensa realmente. E não ficamos muito na internet - eu não acesso nada nunca. Então o feedback que recebemos é realmente quando tocamos em shows e vemos as pessoas que estão tendo uma ideia do que está acontecendo e tem sido ótimo até agora. Mas as duas coisas que notamos foi que o público se renovou entre esse álbum e o último. Agora vemos muita gente que parece estar nos seus 20 e poucos. Mais ou menos como quando nós tínhamos nossos 20 e poucos e estávamos mais interessados em lances alternativos. Então sentimos que [é] uma parte crescente de quem vai aos shows, como as primeiras filas por exemplo, e mesmo depois das apresentações, quando vamos dar hi-fives na plateia e os vemos. Como quando eu subo [na grade], eu sempre tento ver quem está lá e os caras mais fortões se destacam, porque o pessoal é muito mais novo. Várias garotas também. Então é o que mais notamos. E a outra coisa é que começamos a fazer shows antes do lançamento do álbum e percebemos que as novas canções estavam funcionando também, tão bem quanto as clássicas. Foi um ótimo sinal. E agora que elas saíram, faixas como "Generator", "One Night/All Night" ou "Neverender" são os picos do show, alguns dos clímaxes. Nessa perspectiva é bom. Acho que a recepção é ótima, assim espero.
Rolling Stone Brasil: Falando dos shows, já são alguns meses desde a apresentação que marcou o início da tour no Coachella. Um debut imenso, seguido de uma turnê igualmente massiva - seu primeiro disco em seis anos. Como vocês se sentem agora, voltando à estrada com um projeto tão celebrado?
Xavier de Rosnay: Tudo é diferente, de agora para a última vez. Ainda é um pouco estranho para nós, porque não está no nosso DNA ir lá e performar no palco. Então para fazer isso ficar bom nós adaptamos muito do palco a nós. Desde o começo temos adaptado tudo para ficarmos confortáveis fazendo isso. E as experiências têm sido muito concretas e abstratas ao mesmo tempo: concretas porque é o único momento que você vê as pessoas que estão ouvindo suas músicas e como elas ouvem. Porque quando elas ouvem no Spotify ou outro lugar, você não tem ideia de como elas estão fazendo, de como estão ouvindo, se ouvem 15 segundos ou a coisa toda, ou só as intros, ou se só colocam ao fundo. Quando você está no palco você vê exatamente o que está rolando. É essa a parte real e concreta. A parte abstrata é a quantidade de preparativos para uma experiência tão curta. Um show dá o quê? Uma hora e meia, no máximo. E como disse antes, não somos animais do palco. [Então] tentamos ficar focados naquilo que estamos fazendo. Muito frequentemente o show pausa por um minuto porque dá tela branca na gente, nos olhamos e aí já acabou. "Acabou?" "Acabou." E nem percebemos o tempo passar. Então é estranho, mas adoramos o resultado. E sempre ficamos bem, nos sentimos bem depois, porque é uma longa preparação e no fim vale a pena.
Rolling Stone Brasil: A gente sabe que inovação e diversidade são elementos centrais do seu trabalho - e, nesse sentido, vocês não desapontam. Em uma era onde referências estão por todo o lado e em que a saturação parece ser a norma, como continuar criando algo realmente novo como Hyperdrama? O que vocês buscam ao compor?
Xavier de Rosnay: Acho que buscamos primeiro nossa excitação. E sempre pensamos que, se for animador para nós, as pessoas também vão achar animado e divertido. Mas nunca pensamos se as pessoas vão gostar ou o que elas pensam. E isso explica porque fazemos algumas coisas e ninguém liga - já aconteceu no passado. Então é realmente um vai ou racha e não temos controle nenhum sobre isso. Então só fazemos aquilo que achamos divertido e esperamos pelo melhor. Quando acontece das pessoas curtirem é incrível, se não, pelo menos fizemos algo de que nos orgulhamos e achamos excitante.
Rolling Stone Brasil: Por fim, nós esperávamos ter visto vocês no Brasil em 2024, então vou perguntar de uma vez: o Brasil está em seu radar?
Xavier de Rosnay: Estamos realmente tentando e fazendo planos para fazer acontecer. A maior dificuldade com a América do Sul, ou mesmo dentro do Brasil, é que todas as cidades são realmente muito longe uma da outra. E nosso maior inimigo nas turnês são os fretes. Porque são longos e muito caros, levam três semanas para mover de um continente para outro, as coisas se perdem, é um pesadelo logístico. Então estamos realmente tentando fazer acontecer e devemos saber logo se vai rolar ou não.
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