Antes da cantora, a primeira mulher trans a vencer (três) categorias do Grammy foi uma pioneira da música eletrônica; conheça Wendy Carlos
Na noite do dia 05 de fevereiro, Kim Petras fez história no Grammy ao tornar-se a primeira mulher abertamente transsexual a conquistar uma categoria na premiação. A artista, no entanto, não foi a primeira pessoa trans a erguer uma das estatuetas do evento.
Naquele domingo, o Grammy 2023 celebrou a carreira de diversos artistas e, entre suas muitas categorias, elegeu a faixa “Unholy” como a Melhor Performance de Duo/Grupo Pop. Com isso, Sam Smith e Kim Petras subiram no palco com figurinos combinando.
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Ao aceitar a estatueta, então, Kim reconheceu sua conquista. "Sam Smith graciosamente quis que eu aceitasse esse prêmio porque sou a primeira mulher transgênero a vencer. E só quero agradecer a todas as incríveis lendas transgênero antes de mim que chutaram essas portas para que eu pudesse estar aqui essa noite", afirmou ela.
Diferente do que foi divulgado, no entanto, Kim Petras não foi a primeira mulher trans a conquistar um Grammy na história da premiação. Isso porque, antes dela, Wendy Carlos, uma artista trans pioneira na música eletrônica, garantiu três estatuetas na década de 1970.
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Acontece que, na época em que conquistou os Grammys, Wendy ainda não havia revelado sua identidade de gênero para o mundo — e sequer havia realizado qualquer tipo de transição. Dessa forma, quando subiu ao palco, ela foi reconhecida como um artista masculino.
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Nascida em Rhode Island, em novembro de 1939, Wendy Carlos se apaixonou pela música ainda muito pequena e cresceu cercada de instrumentos — e pela ciência, sua outra grande paixão. Entre 1958 e 1962, estudou música e física na Brown University e, mais tarde, formou-se com mestrado em composição musical pela Columbia University.
Foi apenas em 1964, contudo, que Wendy conheceu Robert Moog, o criador do sintetizador Moog, que mudou a vida da artista para sempre. Com a tecnologia, Wendy compôs um álbum inovador, o Switched On Bach, de 1968, que lhe garantiu três Grammys em 1970.
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Enquanto compunha, Wendy ainda passava por diversos desafios em sua vida pessoal, incluindo a transição de gênero. A artista revelou ser uma mulher trans pela primeira vez em 1968, mas apenas para amigos e familiares. Em público, ela continuava vestindo roupas tipicamente masculinas e até mesmo colava costeletas no rosto para realizar entrevistas.
Dessa forma, quando recebeu três Grammys em 1970, conforme repercutido pelo site The Pink News, Wendy não foi reconhecida como uma mulher trans. Foi apenas nove anos mais tarde, em entrevista à revista Playboy, que a artista falou abertamente sobre seu gênero.
Lembro-me de estar convencida de que era uma garotinha, sem saber por que meus pais não viam isso com clareza”, recordou Wendy. “Não entendia porque insistiam em me tratar como um menino”.
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Uma vez reconhecida publicamente como mulher trans, Wendy passou a enfrentar diversos obstáculos, muitos deles relacionados, é claro, ao preconceito. Em sua vida profissional, no entanto, a carreira da compositora decolou, conforme suas músicas entravam para grandes trilhas sonoras do cinema, de filmes como Laranja Mecânica e O Iluminado.
Foi exatamente nessa época que Wendy passou pela transição física. Ironicamente, Stanley Kubrick, diretor com quem ela trabalhava no período, sequer percebeu as mudanças — em entrevistas, a compositora brincou que mesmo se ela aparecesse nua na frente do cineasta, ele só teria perguntado “se ela estava com frio”.
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Segundo Wendy, foi o livro The Transsexual Phenomenon, Dr. Harry Benjamin, que a sustentou durante todo o período de transição. “Ele me deu um pouco mais de coragem para me aceitar e parar de reprimir meus sentimentos”, revelou ela, na época. “Me forneceu uma explicação para todos os sentimentos que tive desde minhas primeiras memórias.”
Hoje aos 83 anos, Wendy Carlos compartilha detalhes de sua vida em um site público, que tem chamado bastante atenção dos fãs. Documentando sua vida no portal, a compositora que já foi até mesmo considerada morta por culpa de sua identidade de gênero, teve sua história eternizada por Amanda Sewell em uma biografia de 2020.