L7 no Brasil: Donita Sparks fala à RS sobre shows, Hollywood Rock e legado
Cantora e guitarrista se mostra empolgada por turnê nacional com o Garbage, reflete sobre legado e faz juras de amor aos “fãs maníacos” do país tropical
Igor Miranda (@igormirandasite)
Publicado em 17/03/2025, às 09h00
“É uma loucura saber que pessoas como você, nascidas em 1993 — no ano em que tocamos no Brasil pela primeira vez —, têm interesse em nós”. Este é o nível de surpresa de Donita Sparks, vocalista e guitarrista do L7, ao saber não apenas a idade do entrevistador da Rolling Stone Brasil, como, também, ao refletir sobre a renovação de público de sua banda.
O constante entusiasmo dos fãs brasileiros em relação a seu trabalho junto a Suzi Gardner (guitarra e voz), Jennifer Finch (baixo e voz) e Dee Plakas (bateria) garantiu uma volta ao país para shows apenas um ano e meio após a viagem anterior. Em outubro de 2023, o quarteto americano equivocadamente rotulado como grunge e riot grrrl nos visitou em uma turnê junto ao Black Flag, ícones do hardcore oitentista. Desta vez, elas vêm com o Garbage, outro nome de relevância da década de 1990.
As novas apresentações acontecem no Rio de Janeiro (21/03, no Sacadura 154), São Paulo (22/03, no Terra SP) e Curitiba (23/03, na Ópera de Arame). Ingressos podem ser adquiridos nos sites Fastix (Rio e Curitiba) e Clube do Ingresso (SP). A produção é da Liberation MC.

A relação entre as duas bandas da atual tour existe antes mesmo de o Garbage ter sido fundado. Um de seus integrantes, Butch Vig, também é um renomado produtor. Comandou as gravações de álbuns como Nevermind (Nirvana, 1991), Siamese Dream (Smashing Pumpkins, 1993), Wasting Light (Foo Fighters, 2011) e, curiosamente, Bricks Are Heavy (1992), um dos trabalhos mais conhecidos do L7. Sparks relembra:
“Butch Vig produziu Bricks Are Heavy em 1992 e o Garbage ainda não havia sido formado, mas Duke [Erikson] e Steve Marker [membros do Garbage] também trabalharam no álbum. Também conhecemos esses caras, mas sempre tivemos uma conexão forte com Butch, porque saíamos mais com ele e estávamos no estúdio gravando com ele. Butch é muito elegante, mas tem um ótimo senso de humor.”
Levou algum tempo até que Donita conhecesse pessoalmente a vocalista do grupo, Shirley Manson. Aconteceu por volta de 10 anos atrás. “Eu a conheci em um restaurante, nos reconhecemos, ela foi para a minha cabine e começamos a conversar. Somos amigas desde então. Ela é realmente ótima”, relembrou, antes de tecer comentários sobre o trabalho dos colegas de tour:
“Amo a música do Garbage. Acho que eles sempre tiveram uma mistura muito legal de rock and roll, eletrônica, pop e estranheza. São uma banda única. Shirley tem uma ótima voz, a banda sempre soa ótima, as batidas de bateria são ótimas. Eles têm uma combinação de samples e bateria de verdade, o que é muito legal e poderoso.”

E o que esperar dos shows do L7? Uma descrição feita pelo jornalista Rolf Amaro, ao cobrir pelo site Igor Miranda uma apresentação da banda em São Paulo no ano de 2023, talvez resuma bem: “Quando a banda ainda estava na sexta música do repertório, ‘Stadium West’, um sem-número de pessoas já havia saltado do palco; uma fã mostrou os seios; e em todos os lados era possível encontrar latas espirrando cerveja, camisas girando, ou pessoas de ponta cabeça, apenas com os pés visíveis”.
Se falta material novo para promover — o álbum mais recente, Scatter the Rats, saiu em 2019 —, sobram clássicos do que se chama de rock alternativo da década de 1990. Tanto que Sparks promete algumas mudanças em relação aos setlists tocados em outros países ano passado e executados no Brasil em 2023, quando, majoritariamente, celebravam o 30º aniversário de Bricks Are Heavy.
“Teremos algumas mudanças no setlist. Há músicas que precisamos tocar, pois não quero decepcionar fãs que estão nos vendo pela primeira vez, mas há muitas músicas que gostaríamos de trazer de volta. É nosso 40º aniversário este ano. Em maio, faremos um cruzeiro de três dias com bandas punk e eles querem um set diferente a cada noite. Teremos que reaprender algumas músicas. Na próxima vez que formos ao Brasil, provavelmente haverá um monte dessas músicas. Porém, Dee acabou de fazer uma cirurgia no joelho em janeiro, então não podemos mudar muito, já que não estamos ensaiando tanto agora. Temos que ser eficientes nas escolhas.”

Os shows que marcaram época no Brasil — e o rótulo “grunge”
Em janeiro de 1993, o L7 fez sua estreia no Brasil em grande estilo. A banda integrou a programação do festival Hollywood Rock, com shows em São Paulo (Estádio do Morumbi) e no Rio de Janeiro (Praça da Apoteose).
Era um evento de três dias. Donita Sparks e suas parceiras tocaram abrindo para o Nirvana, em sua única passagem pelo país, e logo após Dr. Sin e Engenheiros do Hawaii. O lineup das outras datas ainda contava com Red Hot Chili Peppers, Alice in Chains, Simply Red, entre outros.
Mais de três décadas se passaram e aquelas apresentações seguem lembradas por uma série de razões. O Nirvana teve uma péssima performance no palco, especialmente em São Paulo. O Alice in Chains tocaria aqui pela única vez com sua formação, visto que o saudoso baixista Mike Starr deixaria o grupo meses depois e o vocalista Layne Staley faleceu em 2002. O Red Hot Chili Peppers subiu ao palco com um substituto, Arik Marshall, na vaga de John Frusciante, que saíra no ano anterior. E o L7 fez os maiores shows de sua história, como garante Sparks.
“Foi uma loucura. Ficamos muito surpresas com o amor que recebemos do público. Não tínhamos ideia de que éramos conhecidas no Brasil. Aqueles shows foram incríveis e o lineup era ótimo. Os festivais em São Paulo e no Rio foram o maior público para o qual já tocamos na vida. Os fãs nos encontraram no aeroporto, estávamos sendo seguidas pelas ruas e todas essas coisas. Nunca experimentamos nada parecido, nem antes, nem depois. Temos um lugar muito especial em nosso coração para vocês, maníacos loucos do Brasil.”

Donita e suas colegas sentiram até certo receio de vir ao país. Sem citar nomes, a vocalista e guitarrista diz ter ouvido relatos de “alguma outra banda” que tocou por aqui, mas acabou vaiada. A reação dos fãs das capitais paulista e fluminense não poderia ter sido mais diferente.
“Ficamos sem saber o que poderia acontecer, mas fomos muito bem recebidas. Na plateia, tinha caras nos ombros uns dos outros, eles estavam abaixando as calças, e as garotas estavam ficando loucas. Foi insano.”
Nesta época, o L7 recebeu o título de “grunge” simplesmente por ter ficado popular no início dos anos 1990 e ter um som de influência punk. Sequer fazia sentido, já que a banda foi formada em Los Angeles, a quase dois mil quilômetros de Seattle. Donita Sparks até gosta da palavra que batizou o mencionado subgênero, mas aponta que jornalistas responsáveis por rotular a banda desta forma só eram preguiçosos mesmo.
“Acho que todas as bandas que eram rotuladas como grunge ficavam irritadas, porque era apenas uma espécie de slogan para muitas bandas que soavam um pouco diferentes umas das outras. Acho que soávamos bem diferentes de todas as outras bandas. Eu gosto da palavra ‘grunge’, acho engraçada e fabulosa. Vem da palavra ‘grungy’, que é algo sujo, meio que em referência a uma motocicleta, algo oleoso. Mas quando se tornou um rótulo... é um atalho que a imprensa estava pegando sem se aprofundar no que éramos. Também nos rotularam de ‘riot grrrl’ sem entender o que nos tornava diferentes das outras bandas — o que eu sinto que éramos e ainda somos.”
Reunião, renovação e futuro
Fundado em 1985, o L7 encerrou suas atividades — ou melhor, entrou em um hiato indefinido — em 2001. À época, já nem contavam com Jennifer Finch, que havia deixado as colegas cinco anos antes. Decidiram reunir a formação clássica em 2014, após forte demonstração de interesse de fãs por meio das redes sociais; mais especificamente a página do grupo no Facebook, criada pela própria Donita Sparks.
Hoje, pouco mais de uma década após o retorno, a vocalista e guitarrista se vê muito satisfeita. Retomar a banda serviu, também, para restabelecer uma conexão com os fãs e até com as demais integrantes.
“Não nos falamos por muito tempo. Dee e eu sempre fomos amigas, mas Suzi e Jennifer ficamos 15 anos sem nos falarmos. Foi bom ter essa reconexão com as demais integrantes e seguir em frente, superando nossas diferenças. E estando mais velhas, valorizamos a banda hoje mais do que no passado. Mas, em especial, a reconexão com os fãs foi algo que todas nós sentimos falta.”

Ao destacar a renovação do público ao longo da última década, Sparks citou até mesmo a criação de uma página de fãs brasileiros do L7, além de uma iniciativa própria da banda pensada para os fãs mais jovens. Ela explica:
“Há um grupo de fãs muito bom no Instagram chamado L7 Brasil (@l7brasil). São mulheres jovens que nos seguem em todos os lugares, até mesmo na Espanha. São muito fanáticas, amorosas e loucas também. Se puder, siga L7 Brasil no Instagram. E se há fãs por aí que querem um pouco mais do L7, temos um fã-clube no Patreon. Publicaremos algumas cenas dos bastidores da turnê brasileira só por lá, não no Instagram, Facebook ou YouTube.”
E o que mantém o trabalho do L7 relevante ainda nos dias de hoje? Donita deixa claro que os fãs e jornalistas de música é quem devem responder a esta pergunta, mas se permite dar um palpite.
“Minha teoria é: nossas músicas se sustentam. Não costumo ouvir nossos álbuns, mas parei para ouvi-los enquanto procurava o que adicionar ao setlist. E ficava pensando: essas músicas são boas. São significativas. Acho que elas defendem algumas pessoas. Além disso, acho que ainda oferecemos um show poderoso — se eu achasse que somos ruins, eu pararia. E para as mulheres jovens, somos quatro mulheres, então acho que elas gostam disso. Acho que somos uma espécie de modelo de comportamento agora, o que é muito importante para essas jovens.”
Ao falar sobre ter se tornado um “modelo de comportamento”, Sparks até mudou o tom de voz, como se estivesse brincando. Todavia, é sério. E ela admite: também é um pouco estranho, visto que nunca foi a intenção. “Mas sabe o que é legal?”, ela inicia. “Temos ídolos mais velhos que nós e eles ainda estão tocando, ainda são relevantes e legais. Temos bons modelos por aí no rock and roll, não precisamos nos aposentar agora. Podemos ir mais longe, podemos fazer mais música. Por que não?”
Parte do segredo para ir tão longe é, curiosamente, não fazer tantas projeções para o futuro. Em função disso, Sparks aponta não haver planos de gravar um novo álbum. Porém, canções inéditas podem surgir isoladamente.
“Planejo gravar alguns singles e talvez um EP. Álbuns são caros de se fazer e não estamos mais todas em Los Angeles, então é um pouco mais difícil para nos reunirmos, mas gosto da ideia de fazer singles e EPs. Acho que faremos alguns singles novos este ano e talvez apenas os colocaremos na internet, talvez até de graça.”
*Garbage e L7 se apresentam no Rio de Janeiro (21/03, no Sacadura 154), São Paulo (22/03, no Terra SP) e Curitiba (23/03, na Ópera de Arame). Ingressos podem ser adquiridos nos sites Fastix (Rio e Curitiba) e Clube do Ingresso (SP).
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