RESENHA

Limp Bizkit ‘festeja como em 1999’ e faz um dos melhores shows do ano em SP

Baseada em nostalgia, mas curiosamente amparada por público que não os viu no auge comercial, banda de nu metal encheu Allianz Parque de bonés vermelhos, pulos e sinalizadores

Igor Miranda (@igormirandasite)

Limp Bizkit em São Paulo (Foto: Ellen Artie @ellenartie)
Limp Bizkit em São Paulo (Foto: Ellen Artie @ellenartie)

Na última década, a indústria do entretenimento — o que inclui a música — passou a destinar forte olhar para a nostalgia. Tal movimentação se mostrou ainda mais forte no período de pandemia e posterior. Raros nomes se beneficiaram tão bem deste momento como o Limp Bizkit, em especial a figura de seu controverso vocalista, Fred Durst.

Não que o grupo americano, um dos maiores e mais simbólicos representantes do nu metal — para o bem ou para o mal —, tenha perdido relevância. No entanto, fica difícil imaginá-los lotando uma apresentação como a do último sábado, 20, em um estádio como o paulistano Allianz Parque, antes da citada movimentação nostálgica.

Limp Bizkit em São Paulo (Foto: Ellen Artie @ellenartie)
Limp Bizkit em São Paulo (Foto: Ellen Artie @ellenartie)

Com o Limp Bizkit, a tendência de reapreciação se intensificou após algo que, em tese, deveria depreciá-los. Em 2021, a HBO lançou o comentadíssimo documentário Woodstock 99: Peace, Love, and Rage, responsável por recordar a fatídica versão de 1999 do festival americano. Calor intenso, preços abusivos e, especialmente, violência generalizada e em diversas formas (inclusive sexual) marcaram o evento. Nas entrelinhas, o filme responsabiliza a banda de Durst por incitar a agressividade do público, em especial durante a performance da música “Break Stuff” (“Quebrar coisas”, em tradução livre). Era como se o público tivesse seguido a mensagem à risca.

Curiosamente, Fred e companhia foram uma das primeiras grandes bandas a voltar a se apresentar na pandemia, justo no mês em que o documentário saiu: julho de 2021. Plateias sedentas por performances enérgicas ao vivo pareciam ter se motivado a conferir o grupo ao vivo, se esquecendo (ou nunca descobrindo) das polêmicas diversas que tornaram o cantor uma das figuras mais repudiadas do rock na virada do século.

Limp Bizkit em São Paulo (Foto: Ellen Artie @ellenartie)
Limp Bizkit em São Paulo (Foto: Ellen Artie @ellenartie)

Ciente de que estava novamente sob os holofotes, o Limp Bizkit aproveitou a ocasião e voltou a mostrar para o mundo que, controvérsias à parte, seu show é energia em estado bruto. Pura e crua. Desde então, o público paulistano pôde vê-los no Lollapalooza 2024 e, agora, no Allianz, fechando uma espécie de minifestival próprio que também trouxe Bullet for My Valentine (substituindo Yungblud por problemas de saúde), 311, Ecca Vandal, Riff Raff e Slay Squad — um mistão ensolarado que vai do rap ao metal.

O único momento que realmente foge do roteiro enérgico e, por que não, debochado do show da banda é a emotiva abertura em homenagem ao baixista Sam Rivers, falecido em outubro, aos 48 anos. Em uma louvável demonstração de respeito aos fãs, Durst, o baterista John Otto, o guitarrista Wes Borland e o DJ Lethal mantiveram a turnê latino-americana iniciada no México, no fim de novembro, e concluída agora no Brasil. Convocaram Richie “Kid Not” Buxton (da banda de Ecca Vandal) para o instrumento de Rivers e passaram a relembrar o membro fundador com um vídeo, ao som de “Drown”, mostrando imagens antigas e relativamente recentes para encerrar com a mensagem: “Nosso irmão para sempre; Te amamos para sempre”. O quarteto, diga-se, fica no palco e assiste à montagem sentado em cadeiras no centro; em seguida, dedica a noite ao amigo.

Limp Bizkit em São Paulo (Foto: Ellen Artie @ellenartie)
Limp Bizkit em São Paulo (Foto: Ellen Artie @ellenartie)

De resto, é festa. Daquelas bem divertidas, com um tom de zoação, remetendo ao ensino médio, seja por haver um DJ (!) cheio das musiquinhas aleatórias (!!), pela enorme presença de bonés vermelhos na pista, pelo figurino mirabolante do talentosíssimo guitarrista Borland (vivendo em 2025 sua versão mais colorida e floral) ou pela “dad vibe” de Durst, um ex-bully colegial que hoje se fantasia e demonstra uma fofa preocupação com seu público — sem jamais ter perdido sua voz marcante ou performance de palco minimalisticamente efetiva. Para além da nostalgia, o Limp Bizkit voltou a ser gigante na década atual porque o público jovem do momento, geração Z, parece tê-lo entendido melhor do que os sérios millennials.

Eles se importam tão pouco que chegam a abrir e fechar o show com a mesma música: a anteriormente citada “Break Stuff”, seu maior sucesso. Críticos musicais detonaram qualquer banda que recorresse a essa tática, mas com Durst, Borland, Otto e Lethal, faz sentido. Na segunda execução, as luzes na plateia são acesas — como se os fãs, junto de seus numerosos sinalizadores e rodas, fossem os protagonistas.

Limp Bizkit em São Paulo (Foto: Ellen Artie @ellenartie)
Limp Bizkit em São Paulo (Foto: Ellen Artie @ellenartie)

O espetáculo não passa a impressão de ser coreografado, mas a construção do repertório beira a perfeição. É por meio dos fluxos de setlist que Fred e companhia controlam a plateia. Além dos interlúdios que vão de “Proud Mary” (Creedence Clearwater Revival) após “Rollin’ (Air Raid Vehicle)” a “Careless Whisper” (George Michael) antes do cover de “Faith” (mesmo artista), há canções inseridas para dar respiro e não cansar todo mundo já de cara. É a função da pesada “Show Me What You Got”, da melódica “Livin’ It Up” e da envolvente “Re-Arranged” (dedicada a Sam Rivers como toda a noite), respiros pontuais em meio aos vários momentos de catarse coletiva.

Mas tratam-se de poucos momentos assim. O fã quer mesmo pular, cantar junto e moshar com “My Generation”, “My Way”, “Nookie”, “Full Nelson” (cantada com uma ensandecida fã chamada Bia), “Take a Look Around” e as já citadas “Break Stuff” e “Rollin’”, só para ficar nos exemplos principais. Ou se emocionar com a única balada do set, “Behind Blue Eyes”, original do The Who tocada sob um instrumental pré-gravado em afinação mais aguda que a versão de 2003. Tudo isso rola em meio a diversos lembretes de que estamos assistindo à turnê coletiva “Loserville”, com outras cinco atrações de abertura, todas elas mencionadas e presentes no palco pelo menos duas vezes cada ao longo daqueles 100 minutos.

É caótico, mas funciona muito bem. Não à toa, o grupo americano encheu o Allianz Parque e, de modo quase inesperado, virou atração com patamar de estádio no Brasil. Talvez preocupe um pouco o fato de que o show só ficou realmente interessante porque nenhuma música dos álbuns recentes Gold Cobra (2011) e Still Sucks (2021) entrou no repertório, mas em tempos de apreciação nostálgica na indústria artística, a banda que promete “festejar como se estivéssemos em 1999” é uma das melhores atrações que você pode assistir ao vivo a nível global.

*Um artigo sobre a apresentação do Bullet for My Valentine, outra atração do evento, será publicado nas próximas horas.

Limp Bizkit em São Paulo (Foto: Ellen Artie @ellenartie)
Limp Bizkit em São Paulo (Foto: Ellen Artie @ellenartie)

Setlist — Limp Bizkit em São Paulo — 20/12/2025

Intro: Drown (gravada, com vídeo em homenagem a Sam Rivers)
1. Break Stuff (com Slay Squad no palco)
2. Hot Dog – antecedida por trecho de Master of Puppets (Metallica)
3. Show Me What You Got
4. My Generation
5. Livin’ It Up
6. My Way – antecedida por trechos gravados de Jump Around (House of Pain) e Walk (Pantera)
7. Rollin’ (Air Raid Vehicle) – sucedida por trecho gravado de Proud Mary (Creedence Clearwater Revival)
8. Re-Arranged
9. Behind Blue Eyes (cover de The Who)
10. Eat You Alive
11. Nookie
12. Full Nelson (participação da fã Bia no palco)
13. Boiler – antecedida por trecho gravado de Get Down Tonight (KC and the Sunshine Band)
14. Faith (cover de George Michael) – antecedida por trechos gravados de Red Red Wine (UB40) e Careless Whisper (Wham!)
15. Take a Look Around
16. Break Stuff (com todas as atrações do dia no palco)
Outro: Don’t Stop Believin’ (Journey)

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Igor Miranda é jornalista formado pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU) e pós-graduado em Jornalismo Digital. Começou em 2007 a escrever sobre música, com foco em rock e heavy metal. É colaborador da Rolling Stone Brasil desde 2022 e mantém o site próprio IgorMiranda.com.br. Também trabalhou para veículos como Whiplash.Net, revista Roadie Crew, portal Cifras, site/canal Ei Nerd e revista Guitarload, entre outros. Instagram e outras redes: @igormirandasite.
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