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Música / ENTREVISTA

Living Colour promete mesclar tradição e inovação no Brasil e explica 'demora' para novo disco: 'A vida se intromete'

A banda inicia nesta quinta-feira, 10, uma série de shows pelo Brasil; em entrevista à Rolling Stone, Vernon Reid conversou sobre a setlist das apresentações e o sucessor de 'Shade'

Living Colour (Foto: Divulgação)
Living Colour (Foto: Divulgação)

Pouco mais de dois anos após apresentação no Rock in Rio, o Living Colour retorna ao Brasil nesta quinta-feira, 10, para uma série de shows solo. No festival, a banda subiu ao palco Sunset ao lado de Steve Vai durante o Dia do Rock.

"Na última vez que estivemos aí, fizemos aquilo com o Steve Vai no Hollywood Rock", disse Vernon Reid em entrevista à Rolling Stone Brasil, confundindo os festivais — a última edição do evento promovido pela empresa de tabaco aconteceu em 1996. "Foi um show divertido, e não vejo a hora de voltar apenas com nossa banda."

"Steve Vai é um cara legal. Ele obviamente é um guitarrista incrível. Definiu toda uma era da guitarra e é um amigo desde que estivemos na turnê Experience Hendrix há alguns anos. Ele é um gênio", elogiou.

O guitarrista e fundador do Living Colour chamou atenção para o período de retorno ao país: a eleição presidencial dos Estados Unidos está marcada para acontecer no dia 5 de novembro. Por aqui, alguns estados encaram o segundo turno das eleições para prefeito no próximo dia 27. "É um momento interessante no mundo. Vamos ao Brasil em um momento de eleição, então estamos tipo: 'O que vem a seguir?'", pontuou o músico.

O que esperar do show do Living Colour no Brasil

Reid prometeu novidades nas performances no Rio de Janeiro, Belo Horizonte, São Paulo e Brasília: "Tem certas coisas que vocês com certeza vão ouvir, como 'Cult of Personality' e 'Open Letter (To a Landlord)', mas vamos incluir algumas faixas que as pessoas não ouvem há um bom tempo".

"As coisas mudaram, no entanto, temos tocado músicas como 'Bi', que não aparece na nossa setlist há bastante tempo — estamos tocando nos nossos shows pelos Estados Unidos. Temos ido bem, é uma música da qual me orgulho muito", continuou. "Começamos a tocar 'Sacred Ground', que também não tocamos há muito tempo. Estamos meio que fazendo uma versão mais compacta. É muito divertido."

Sabe, tocar sempre as mesmas coisas faz você querer mudar um pouco. E temos feito um pequeno tributo ao hip hop. Nunca fizemos isso. É algo bem curto, mas tocamos faixas que Doug Wimbish tocou com o Grandmaster Flash and the Furious Five. É um pequeno medley. Não quero dizer muito, vocês verão.

O baterista William Calhoun também deve "integrar a bateria com sons eletrônicos", segundo Reid. "Há algumas coisas orgânicas e outras meio experimentais", adiantou.

Novo álbum

Vernom Reid admitiu que "ainda é cedo" para falar sobre a sonoridade do próximo álbum do Living Colour:  "Precisamos dedicar mais tempo a ele. Gostamos de algumas músicas, mas precisamos descobrir se o conjunto acrescenta a uma conversa coerente. Esse é o lance. Precisamos trabalhar em mais algumas faixas, estamos bem ansiosos. Fizemos algo meio Dr. John. Eu gostei. E tem mais algumas coisas".

É cedo [para falar de sonoridade]. Fiz uma coisa com um sintetizador de guitarra e é bem interesse. É uma canção em particular. Tem algumas coisas mais pesadas. Mas tudo é sustentado por uma narrativa. Esse é o lance. Todos os nossos discos têm narrativas. Essa é a parte ainda em construção.

O disco inédito contará com "guitarras novinhas", com as quais Reid parece ansioso para trabalhar: "Tenho uma nova guitarra da Reverend, de uma linha chamada Totem Series. São as primeiras guitarras com as pontes de Floyd Rose", contou sobre o instrumento com sua assinatura.

"Sempre trouxe minhas guitarras Hamer ou PRS para tocar, e é a primeira vez em um bom tempo que não me apoiei nas minhas guitarras dos anos 90, sabe? Isso está mudando como penso em termos de tom. Elas acabaram de ser lançadas e são guitarras muito legais. Vou levá-las comigo, com certeza", contou.

O projeto ainda sem nome "vai sair em 2025, provavelmente". A razão para que os fãs tenham que esperar quase uma década para ouvir faixas inéditas é, simplesmente, a vida, explicou Reid: "É, a vida se intromete. Todos nós temos filhos e outras coisas nas quais estamos envolvidos. Fazemos música com outras pessoas, eu estou um pouco envolvido com a trilha sonora de um filme, Corey tem outros projetos com outros guitarristas... Todos estão tentando fazer algo. É um desafio".

Reid fez parte das trilhas sonoras de documentários como Os doze Discípulos de Nelson Mandela (2005), Câmera Escura: Os fotógrafos negros e a emergência de uma raça (2014) e When Claude Got Shot (2021), conforme a American Society of Composers, Authors and Publishers. Corey Glover, vocalista do grupo, também tem se dedicado a projetos paralelos. Ele se juntou a Mike Orlando, Booker King e Taykwuan Jackson para dar vida à banda Sonic Universe.

"Nossos filhos estão se formando e indo para a faculdade. Minha filha está se formando na faculdade este ano. Doug é avô. Will [Calhoun] e Corey, cada um tem dois filhos, e eles estão começando a trabalhar ou indo para a faculdade. Essa é a realidade", argumentou o cantor. "O filho de Will é um ótimo baterista e fotógrafo. Essas coisas também fazem parte das nossas vidas."

Além do desenvolvimento de seus filhos, integrantes do grupo americano estão "lidando com a morte" de seus pais. "Meus pais continuam vivos, mas eles estão velhos, estão chegando lá, sabe? Esses são alguns dos motivos que fizeram levar muito tempo", ponderou, antes de acrescentar que "os negócios também estão mudando de uma forma muito louca". 

O Living Colour passou por diferentes formações ao longo dos anos de existência e até mesmo um rompimento, ainda em 1995. Hoje, o grupo consiste em Reid, Glover, Calhoun e Wimbish, que se reuniram em 2000.

A pandemia de Covid-19 também teve seu papel na postergação do novo álbum: "A pandemia deixou tudo mais lento. Estamos agindo como — e esperamos — se não fosse haver outra pandemia. Queremos deixar isso para trás. Estamos cansados. Como reagiríamos a uma nova doença? As pessoas foram para negações estranhas, fantasias. Muita gente perdeu a vida por causa disso".

Narrativa

O lançamento do sucessor de Shade (2017) depende da criação de uma narrativa em torno da qual as composições fresquinhas irão girar. Reid revelou alguns dos temas sobre os quais mais tem pensado — e que podem dar pistas do que será encrustado nas novas músicas.

"Estamos tão divididos, é uma narrativa. Os Estados Unidos são um país em declínio? Ou os Estados Unidos são um ótimo país com ótimos dias à frente? Estamos progredindo ou regredindo? Essa pergunta não se aplica apenas aos Estados Unidos. Vamos permitir que a nostalgia governe?", colocou.

Pense na nostalgia. Jovens que estão tentando encontrar seu próprio caminho são confrontados pela nostalgia de coisas que nunca viveram. Há um conforto no passado. Mas, você sabe, o passado é um país diferente do que lembramos. E essa é uma das coisas em que tenho pensado até em relação às músicas. Estou mudando o passado do qual me lembro. Estou melhorando ou piorando o passado. Isso faz parte do que acontece quando as pessoas querem voltar aos anos 70 ou aos anos 90. A ideia de as pessoas falarem dos anos 90 do jeito que eu falaria dos anos 70 é surreal para mim, porque eu me lembro muito bem dos anos 90.

O guitarrista explicou: "As pessoas dizem coisas como, 'Ah, sim, grunge'. E eu fico tipo, 'Uau'. Elas têm uma sensação particular ao dizer essa palavra. Sabe, houve um tempo em que essas bandas — elas surgiram em Seattle, em Portland... E o termo 'grunge' foi jogado sobre elas. Grunge não era como elas se definiam. E agora, sabe, essa é a coisa estranha: quem tem o direito de nomear as coisas? Como algo se torna viral?"

"As pessoas realmente querem que suas ideias, seus vídeos do TikTok, tornem-se a coisa que todo mundo comenta. Essa é a evolução do culto à personalidade", adicionou, fazendo referência a um dos grandes sucessos do Living Colour — "Cult of Personality".

Na música, Glover canta: "Eu vendo as coisas que você precisa ser / Eu sou o rosto sorridente na sua TV / Eu sou o culto da personalidade / Eu exploro você, você ainda me ama / Eu te disse um e um faz três". 

Tem séries, como Black Mirror e The Twilight Zone, que tratam das consequências não intencionais do nosso desejo. Queremos que as coisas mudem instantaneamente. Queremos injetar um remédio para diabete e, de repente, nos tornarmos mais magros, certo? Queremos um amigo que nunca nos traia.  Houve um colapso das relações humanas. Empresas e partidos estão tentando tirar vantagem disso. As pessoas estão gastando muito tempo para criar algo que vai prender sua atenção por 20 segundos. É um tipo de escravidão digital. 

"Então, talvez isso possa fazer parte da conversa", resumiu. "Ainda não juntei todos os meus pensamentos sobre isso, mas isso é tão impactante — e vai impactar tudo. Já existem aplicativos que fazem música..." 

35 anos de Vivid

Em 2023, o Living Colour comemorou 35 anos do lançamento do álbum de estreia Vivid (1988), com hits como "Glamour Boys" e "Open Letter (To a Landlord)". "Eu não tenho ideia de como me sinto sobre isso. Acho que me sinto bem por estar vivo, sabe?", confessou Reid.

Comecei a banda em 1984, mesmo ano em que a Apple lançou o computador [Macintosh 128k], né? Passamos por tantas mudanças e tantas pessoas, antes mesmo de Corey e Muzz [Skillings]. É uma das maiores histórias da minha vida. Tenho orgulho disso. É algo estranho e maravilhoso.

O lançamento de 1988, responsável por alçar o Living Colour à fama, levou Reid a refletir também sobre a junção do tradicional e do inovador, questão que deve aparecer no próximo disco: "Vejo muitos jovens preocupados e tristes. Eles se perguntam onde está o futuro. Vocês foram deixados para lidar com uma grande confusão. É importante haver novas ideias, novas interações, novas formas de organizar a sociedade".

O guitarrista acrescentou: "Os modelos tradicionais nos levaram ao lugar onde estamos agora. A tradição já tem seu lugar. Mas acho muito importante que as pessoas da sua geração questionem a coisa toda. Pais e avós não ficarão felizes com isso, mas precisa ser feito".

Quero fazer músicas que têm emoção e impacto intelectual. Para uma música funcionar, ela não precisa ser algo grande — precisa ser sobre algo que significa alguma coisa, seja pessoal, política ou emocional. Este é o desafio: falar sobre o que nos dá medo, sobre o que nos deixa felizes, ou a mistura dos dois.