Single com participação de Juliana Linhares antecipa novo álbum e propõe discussão sobre energia eólica de maneira lúdica
Cantora, DJ, percussionista, compositora e diretora, a multifacetada artista Luana Flores lançou em novembro o single “Alumeia”. A música acompanha um videoclipe e — ao lado de “Encantarya”, outro single recém lançado — abre as portas para um novo álbum que deve chegar no ano que vem.
Criadora do conceito “Nordeste Futurista”, a artista une tradição e inovação em uma mistura que passa pelos ritmos e práticas tradicionais da cultura nordestina, como forró, baião e coco, com elementos da música eletrônica contemporânea.
Um caldeirão de possibilidades dentro de um contexto territorial e de orgulho das nossas raízes, das nossas manifestações. E de poder ser quem a gente quiser expressar”, define.
Em conversa com a Rolling Stone Brasil, Luana Flores conta mais detalhes sobre as inspirações para “Alumeia”, o futuro do Nordeste e os próximos passos da carreira.
Luana Flores traz o orgulho e a vivência nordestina para sua obra. Em “Alumeia”, ela continua esse processo. A música foi escrita em 2017 em um momento em que a artista passava uma temporada na Europa, mas refletia sobre a energia retirante e a falta do calor, do sol e da cultura nordestina.
Eu chamo ela de ‘Alumeia’ porque acho que é uma forma da arte aquecer, iluminar, trazer forças para poder iluminar o caminho mesmo, a energia é essa.”
Em 2019, de volta ao Brasil, Luana tirou a música da gaveta graças à motivação da amiga Thayse Terra, que reconheceu a força da canção. Thayse faleceu enquanto o videoclipe estava sendo editado, mas é lembrada como uma das grandes inspirações para que a faixa tenha saído do papel.
Com o poder de “Alumeia” em mente, Luana começou a produção ao lado do violeiro Cristiano Oliveira antes de ganhar um reforço de peso: a também artista multifacetada Juliana Linhares.
Eu já acompanhava o trabalho de Juliana há um tempo, porque coincidentemente em 2021 eu lancei o Nordeste Futurista e ela lançou o Nordeste Ficção, então meio que a gente tava nessa sinergia. ‘Alumeia’ traz um pouco dessa energia retirante e eu fiquei pensando muito na Juliana, porque ela é potiguar, mas mora no Sudeste há muito tempo. A sonoridade dela tem essa energia nostálgica que a música traz.”
Na faixa, Luana e Juliana abordam o calor da cultura nordestina, mas também refletem sobre uma questão cada vez mais importante na região: a instalação desenfreada de parques eólicos.
Para isso, elas contaram com a colaboração de Yasmin Formiga, artista visual e ativista ambiental do sertão da Paraíba. Yasmin participou como orientadora sobre o tema das energias renováveis e contribuiu com um trecho de uma entrevista que deu numa rádio, sampleado para o início do clipe.
Dirigido pela própria Luana, o videoclipe trata do tema sob o ponto de vista lúdico e da “palhaçaria” valorizada pela artista.
Feito a partir com o incentivo do Edital “O Novíssimo Cinema Parahybano” através da Lei Paulo Gustavo, o clipe foi gravado na cidade de Santa Luzia, onde Luana já havia feito outro trabalho anteriormente.
A artista conta que a segunda visita mostrou com ainda mais clareza o impacto das turbinas eólicas na região:
Nordeste Futurista foi lançado em 2022 e a gente gravou uma parte em Santa Luzia. Quando a gente foi lá, não tinha esse tanto de eólica. Dois anos depois, está cheio. A paisagem mudou, as hélices estão afetando os quilombos do território, enfim, vários impactos sociais, ambientais, e agora tudo do trabalho da cidade gira em torno desse universo.”
Luana define com a palavra "angústia" esse cenário retratado no clipe:
Apesar da gente estar falando sobre nostalgia, é também nostalgia de como era o território, como é que a gente se sentia em casa e pertencente a essa energia, [...]para a gente poder trazer de uma forma mais suave, a partir do lúdico, essas questões ambientais. O clipe não só tinha essa energia de nostalgia, mas também tinha essa energia de ‘rindo pra não chorar’. Ou ‘rindo de nervoso’. A gente começou a entender, dentro desse universo da palhaçaria, o riso enquanto ferramenta de denúncia.”
O clipe de “Alumeia” conta a história ficcional de uma funcionária de uma usina eólica que carrega consigo um baú mágico. A personagem interpretada por Verônica Eulália decide se rebelar e recorre à força da cultura nordestina para denunciar o sistema de colonização na região.
A obra traz ainda outras questões importantes na música de Luana Flores: sua vivência enquanto mulher e enquanto artista LGBT.
Tive que ser muito ousada, muito corajosa para furar muitas bolhas. Por causa disso eu acho que tem a dificuldade de estar ocupando espaços que não eram meus. Então, além da sonoridade, a gente está dialogando com o global. Agora, circulando, eu começo a ver que há muitas mulheres LGBTs por aí que estão na retomada de suas raízes também.”
“Alumeia” e “Encantarya” abrem as portas para um novo álbum, previsto para 2025.
À Rolling Stone, Luana Flores adiantou que o trabalho em produção deve manter a tônica de Nordeste Futurista e propor ainda mais reflexões sobre a regionalidade e os problemas enfrentados pelos nordestinos.
Ele vai continuar no fluxo, essa coisa da identidade sonora nordestina, dos ritmos da cultura popular, mas trazendo o eletrônico de maneira mais forte, para se conectar mais com essa energia de pista. Mas continuando também no fluxo discursivo, territorial, de gênero, sexualidade, meio ambiente, espiritualidade, é esse universo. E brincadeiras populares também.”
Para isso, a artista valoriza as colaborações, “sempre com mulheres, sobretudo nordestinas e LGBTs”.
Além de Juliana Linhares em “Alumeia” e Cátia de França em “Encantarya”, Jéssica Caitano e as internacionais Chocolate Remix (Argentina) e Ana Lua Caiano (Portugal) são alguns dos nomes que estarão presentes.
Enquanto trabalha para valorizar as tradições nordestinas com olhos atentos para caminhos de horizontes ainda mais ampliados, Luana tem muita clareza sobre como é futuro para o Nordeste que ela deseja:
Quando eu penso na música do Nordeste no futuro, o que é que eu vejo? É a galera LGBT. A quebra é quando não são homens brancos, héteros. É a galera que está transgredindo o gênero, provocando novas perspectivas de construções, do que é o povo nordestino, de quem a gente pode ser. De quem a gente quer ser. Eu acho que o futuro é nós juntos, misturados, coloridos, ocupando todos esses espaços.”