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Música / Entrevista

Cage The Elephant: Como 'pílula neon' influenciou paranoias, prisão e novo álbum

Em entrevista à Rolling Stone Brasil, o vocalista explicou como prisão e delírios causados por remédios refletiram em novo álbum do Cage The Elephant, 'Neon Pill'

Cage The Elephant (Foto: Neil Krug)
Cage The Elephant (Foto: Neil Krug)

Em 2020, o Cage The Elephant venceu o Grammy de Melhor Álbum de Rock, mas as coisas já não iam tão bem para o vocalista da banda, Matt Shultz. Uma combinação de remédios não especificados pelo cantor o fez enfrentar paranoias e delírios por quase três anos.

O estado mental em que Shultz estava vivendo só veio à tona em 2023, quando ele foi preso por porte ilegal de arma. Matt revelou que não tinha intenção de usar o equipamento, mas sentia a necessidade de carregar todos os seus pertences consigo para qualquer lugar que fosse, além de fazer registros em diários e fotos. Isso explica por que ele foi encontrado com diversas polaroids no hotel em Nova York onde foi detido. 

Após a prisão, Shultz logo foi encaminhado para um hospital. Afastado da realidade e de muitas pessoas queridas, ser alvo de uma ação policial foi determinante para sua melhora. "Este foi um grande momento para mim: saber que eu estava seguro e não precisava tentar proteger minha própria vida. Foi, provavelmente, o primeiro ponto de virada para mim", contou em entrevista à Rolling Stone Brasil.

Depois de ter passado pelo que passei, honestamente, revivi um novo entusiasmo pela vida de diversas formas. É como recomeçar. Inocência... É incrível dar uma segunda chance à vida. Eu me sinto muito bem sobre a vida agora. 

Neon Pill

Para Matt, os demais membros do grupo musical — Brad Shultz, Jared Champion, Daniel Tichenor, Nick Bockrath e Matthan Minster — perceberam rapidamente que ele não estava bem: "Acho que estava óbvio para todo mundo, menos para mim".

Sugado de volta para o mundo real, o artista transformou sua experiência em música. Neon Pill, "Pílula Neon" em tradução livre, faz referência, justamente, aos medicamentos prescritos para Matt. "Prefiro não ter delírios e lidar com os problemas que levaram o médico a me prescrever o remédio", confessou.

Lançado cinco anos após Social Cues (2019), o novo disco do Cage The Elephant não estabelece a banda em um único rótulo: "Não tenho certeza se encontramos o som que nos representa. Acho que estamos apenas mais confortáveis em viver em qualquer que seja a expressão que estamos fazendo naquele momento". 

Neil Krug — que criou a capa desse e de álbuns como The Slow Rush (2020), do Tame Impala, e Did You Know That There’s A Tunnel Under Ocean Blvd (2023), de Lana Del Rey — traduziu a mente de Matt: "A imagem que Neil criou, achei tão poderosa, porque parecia que eu estava olhando para a minha vida enquanto estava naquele estado de espírito. Foi quase como ver com a lentes que eu encarava o mundo".

Composições

Faixas como "Good Time" e "Silent Picture" parecem confissões do vocalista. Pela primeira vez, Matt sentiu que não precisava se "tornar um personagem". Em "Rainbow", por exemplo, ele se declara para a esposa, dizendo: "Você me levanta, por completo". Eva Daire foi uma das pessoas de quem ele pensou que precisava se afastar em meio à psicose. O casal se separou em 2021, mas reatou o romance em 2023. 

Matt Shultz e Eva Daire (Foto: Charley Gallay/Getty Images)

Em "Out Loud", Shultz canta: "Cara, eu realmente estraguei tudo agora / Com muito medo de dizer isso em voz alta". Um remédio colorido o ajudou a experimentar um dos momentos mais difíceis de sua vida. Apesar dos desafios terem lhe ensinado algo, Matt não repetiria a dose:

Sabe, não me sinto envergonhado, mas uma das coisas mais difíceis de lidar com o que aconteceu foi que eu não tinha controle sobre como a medicação me afetava. E, obviamente, tive dificuldade em controlar minha própria vida enquanto estava tomando o remédio. Eu não tinha controle sobre como as coisas me afetavam, ainda tenho muito remorso sobre o que aconteceu. Definitivamente, eu gostaria que não tivesse acontecido. É comum as pessoas dizerem que não têm arrependimentos... Eu tenho arrependimentos.

Come to Brazil

Embora Shultz tenha mergulhado em seus sentimentos durante a conversa, sobrou espaço para esclarecer que o Brasil continua nos pensamentos do Cage The Elephant. "Esperamos voltar na temporada de festivais do próximo ano ou fazer uma turnê solo — o que seria incrível", adiantou o músico. "Se você pudesse ouvir minhas conversas com meu empresário, estou constantemente dizendo a ele que precisamos voltar ao Brasil."

Leia entrevista na íntegra:

Rolling Stone Brasil: O Cage The Elephant soa bem diferente, mas Neon Pill se assemelha com Social Cues, que também foi produzido por John Hill. Você acha que estão indo nessa direção agora? Como acredita que esse álbum é diferente dos outros?
Matt Shultz: Nesse álbum, nós provavelmente estávamos mais confortáveis com o processo criativo em comparação com quaisquer outros álbuns. Não tenho certeza se encontramos o som que nos representa. Acho que estamos apenas mais confortáveis em viver em qualquer que seja a expressão que estamos fazendo naquele momento. Então, isso parece muito autêntico e real para nossas vidas.

Não sei se, necessariamente, encontramos nossa sonoridade conforme avançamos. Espero que continuemos evoluindo e encontremos coisas pelas quais nos interessamos e nos deixam animados sobre música. Mas acredito que sim, encontramos mais coragem para fazer isso.

Rolling Stone Brasil: Como você acha que foi para os outros membros da banda fazer um álbum enquanto você não estava bem. Quando acha que eles perceberam que você estava passando por um momento difícil?
Matt Shultz: Acho que estava bem óbvio para todo mundo, menos para mim — tristemente. Quase imediatamente, eu acho que eles souberam que tinha algo de errado. Para mim, o que aconteceu foi algo muito terrível e infeliz. Para a banda, também foi muito difícil me ver passar por aquilo. Sei que ficaram de coração partido ao me verem tão mal.

Rolling Stone Brasil: Qual você acha que foi sua primeira memória de quando voltou à realidade?
Matt Shultz: Quando eu estava muito doente, uma coisa que eu costumava fazer era carregar todos os meus pertences comigo para qualquer lugar que eu fosse. Eu tinha essas malas com tudo o que eu possuía e saía por aí com elas. Para o restaurante, eu usava minha mochila, que eu usava o tempo todo e onde carregava meus diários, e eu também estava vidrado em fotografia... Então, eu levava um monte de câmeras e coisas do tipo e estava obcecado por ter todas as coisas comigo a todo momento.

Me lembro de estar no hospital — já fazia umas duas semanas que eu estava lá — e finalmente perceber que eu não precisava levar todas as coisas comigo o tempo todo. Este foi um grande momento para mim: saber que eu estava seguro e não precisava tentar proteger minha própria vida. Foi, provavelmente, o primeiro ponto de virada para mim. 

Rolling Stone Brasil: E como você está se sentindo agora? Você estava tomando uma medicação por causa de um problema e acabou tendo outro. Como você está em relação ao problema original, aquele que te fez tomar o remédio no começo de tudo?
Matt Shultz: Estou indo bem. Acho que estou escolhendo o desafio menor. Prefiro não ter delírios e lidar com os problemas que levaram o médico a me prescrever o remédio. Mas estou indo bem... Acho que foi um daqueles acontecimentos na vida que foi tão traumático e tão difícil que eu provavelmente vou carregar algumas feridas.

Mas, surpreendentemente, isso trouxe uma nova vibração à minha vida, após chegar ao outro lado, onde eu definitivamente experimentei gratidão, me senti grato pela minha vida e pelas pessoas que estão nela. Depois de ter passado pelo que passei, honestamente, revivi um novo entusiasmo pela vida de diversas formas. É como recomeçar. Inocência... É incrível dar uma segunda chance à vida. Eu me sinto muito bem sobre a vida agora. 

Rolling Stone Brasil: Você canta bastante sobre ser tímido, como em "Good Time". E você também diz que não quer falar sobre algo em "Silent Picture". Você se sente envergonhado sobre o que aconteceu com você ou algo do tipo?
Matt Shultz: Sabe, não me sinto envergonhado, mas uma das coisas mais difíceis de lidar com o que aconteceu foi que eu não tinha controle sobre como a medicação me afetava. E, obviamente, tive dificuldade em controlar minha própria vida enquanto estava tomando o remédio. Eu não tinha controle sobre como as coisas me afetavam, ainda tenho muito remorso sobre o que aconteceu. Definitivamente, eu gostaria que não tivesse acontecido. É comum as pessoas dizerem que não têm arrependimentos... Eu tenho arrependimentos. É apenas a maneira como me sinto.

É claro, é ótimo ter aprendido as lições que aprendi. Sinto muito mais compaixão por quem está sofrendo todos os dias — e especialmente aqueles que não estão sob medicação, que têm essa química no cérebro. Sofrer desse jeito é trágico. Então, poder ver isso de perto, me identificar e ter compaixão por pessoas assim como eu teria compaixão por mim mesmo é algo bonito. Mesmo levando essa grande lição da vida, ainda há uma parte de mim que guarda muito remorso. Mudou a minha vida de formas que provavelmente mudará a maneira como as pessoas me veem para sempre.

Rolling Stone Brasil: Como é para você falar sobre isso com estranhos, como eu, em entrevistas?
Matt Shultz: Na verdade, é bem interessante, para ser honesto. Às vezes, falar sobre algo faz com que você aprenda sobre você mesmo e sobre a experiência que viveu — e talvez eu nunca teria entendido certas coisas se não tivesse falado sobre elas. Também é uma daquelas coisas que foi tão abrangente que tocou todas as partes da minha vida, de um jeito que não consigo falar sobre minha vida sem falar sobre isso. É um grande alívio apenas colocar para fora e falar sobre o que aconteceu sem me envergonhar. Com certeza tem algo muito libertador nisso tudo.

Matt Shultz em apresentação do Cage The Elephant no All In Music & Arts Festival, em 2022 (Foto: Scott Legato/Getty Images)

Rolling Stone Brasil: Você se vê como um personagem nas músicas?
Matt Shultz: No passado, eu frequentemente criava personagens para meio que compartimentar as coisas das quais eu gostaria de falar sobre minha própria vida — talvez para facilitar a composição. Queria ter apenas um elemento de ficção ali para que eu não tivesse, necessariamente, que sentir que havia tanto peso nos meus ombros.

Com esse álbum, o que aconteceu foi tão interessante e único: não precisei me tornar um personagem. Se alguém me dissesse, anos atrás, o que eventualmente aconteceria na minha vida, eu nunca acreditaria. Acho que essa é a história mais atraente que eu poderia contar. Desse modo, não me sinto como um personagem, mas definitivamente me sinto como a pessoa que eu era enquanto fazia o álbum, que era quase como um personagem.

Matt Shultz em apresentação do Cage The Elephant no Bonnaroo Music and Arts Festival, em 2024 (Foto: Douglas Mason/WireImage)

Rolling Stone Brasil: Como foi trabalhar com Neil Krug na capa do disco? Qual o significado por trás dela?
Matt Shultz: Neil Krug é incrível. Ele coloca um nível de consideração e cuidado no seu trabalho que, honestamente, nem todo mundo coloca. Estávamos falando sobre o título Neon Pill e não queríamos fazer algo diretamente ligado a comprimidos, nada tão óbvio. A imagem que Neil criou, achei tão poderosa, porque parecia que eu estava olhando para a minha vida enquanto estava naquele estado de espírito. Foi quase como ver com a lentes que eu encarava o mundo. Ficou perfeito. Assim que vimos, ficamos tipo: "Essa é a capa do álbum, sem dúvidas". Ele também é um cara ótimo. Falar criativamente com Neil é uma alegria absoluta. 

Rolling Stone Brasil: Cage The Elephant é uma das bandas que deveria ter participado da edição do Lollapalooza Brasil de 2020, mas veio a pandemia... Vocês virão ao Brasil em breve? Talvez para o próximo Lollapalooza.
Matt Shultz: Estamos trabalhando nisso, na verdade. Ficamos de coração partido quando aconteceu a pandemia. Passamos um ano ansiosos para voltar ao Brasil, e aí veio a pandemia e ficamos tipo: "Não!" Mas, sim, esperamos voltar na temporada de festivais do próximo ano ou fazer uma turnê solo — o que seria incrível.

Matt Shultz em apresentação do Cage The Elephant no Lollapalooza Brasil 2014 (Foto: Buda Mendes/Getty Images)

Rolling Stone Brasil: Então isso pode acontecer, um show solo?
Matt Shultz: Esperamos que sim, seria maravilhoso. Se você pudesse ouvir minhas conversas com meu empresário, estou constantemente dizendo a ele que precisamos voltar ao Brasil. O público é tão caloroso, genuíno e eletrizante. Não tem igual em nenhum outro lugar do mundo — e eu digo isso honestamente, não estou mentindo. É simplesmente incrível.

Rolling Stone Brasil: Muito obrigada por conversar comigo e compartilhar tudo isso. Também passei por algumas coisas difíceis que me fizeram... O que quero dizer é que entendo algumas coisas. Por isso, obrigada.
Matt Shultz: Bom, obrigado por compartilhar isso comigo. Sabe de uma coisa? Tudo tem uma razão, isso é verdade. Isso pode se tornar algo lindo e te fortalecer. Espero que encontre algumas respostas para a sua vida como encontrei para a minha.