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MC Tha reinventa obra de Alcione com olhar crítico em novo EP: "ela é o motivo"

Lançado nesta quarta (29), Meu Santo É Forte, de MC Tha, busca em uma Alcione histórica as respostas para questões atualíssimas: "ela é o motivo da gente se debruçar nessa música popular afro-brasileira"

Eduardo do Valle (@duduvalle) Publicado em 29/06/2022, às 15h56

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MC Tha em 'Meu Santo é Forte' (Divulgação)
MC Tha em 'Meu Santo é Forte' (Divulgação)

É olhando para o presente com as lentes do passado que MC Tha apresenta, nesta quarta-feira (29) Meu Santo é Forte, seu novo EP. Dando sequência a Rito de Passá, de 2019, a cantora propõe uma releitura de cinco canções gravadas anteriormente por Alcione. O resultado vem no encontro potente de duas mulheres negras, separadas por uma geração, mas conectadas por semelhantes experiências - raciais, religiosas, artísticas - de um Brasil anacrônico.

"Tenho entendido cada vez mais que a Alcione é o motivo, é o motivo da gente se debruçar nessa música popular afro-brasileira", diz Tha, "Ela está posicionada dentro do projeto como uma ancestral, que a gente se virou pra obra dela, se virou pra essas músicas afro-religiosas, para esse repertório que já fez parte de discos dela a partir da década de 1970 e pensou em dar uma continuidade".

MC Tha em 'Meu Santo é Forte' (Divulgação)
MC Tha em 'Meu Santo é Forte' (Divulgação)

Para o EP, MC Tha reimagina cinco faixas de Alcione na origem do que viria a se tornar o funk. Assim, recria “São Jorge”, “Figa de Guiné”, “Corpo Fechado”, “Afrekete” (produzida por MU540) e “Agolonã” a seu próprio jeito, juntamente ao produtor MahalPita.

A proposta de repensar Alcione se estende para o desdobramento audiovisual do EP. Nele, MC Tha imagina um programa de TV nos moldes do Alerta Geral, da Rede Globo, apresentado  na passagem dos anos 1970 para os 1980. E é nessa etapa do projeto que a funkeira lança mão do viés mais crítico da obra:

MC Tha em 'Meu Santo é Forte' (Divulgação)
MC Tha em 'Meu Santo é Forte' (Divulgação)

"A gente liga a TV e a gente consegue achar canais de música gospel, a gente consegue encontrar canais de religiões evangélicas, mas a gente não tem um espaço pra expor a vivência afro-religiosa", diz Tha. Então, em vez de lançar clipes para as músicas, a cantora "entendeu que seria mais interessante criar esse universo, direcionar a um tempo que já existiu na TV brasileira, onde a mulher negra tinha um espaço na TV em pleno anos 1970 pra apresentar um programa, pra levar sambistas, artistas com recorte racial, pra falar da música independente, das questões raciais".

Meu Santo É Fortejá está disponível nas plataformas digitais (ouça abaixo) e ganha sua primeira apresentação ao vivo nesta quinta (30), no Cine Joia, em São Paulo.

Abaixo, a entrevista completa com MC Tha sobre Meu Santo É Forte:

Rolling Stone Brasil: Meu Santo É Forte vem na esteira de Rito de Passá (2019) em sua discografia. O que conecta os trabalhos - ou como o ouvinte de Rito de Passá vai lhe encontrar neste novo EP?
MC Tha: É, o EP Meu Santo é Forte tem muito link com o Rito de Passá. Primeiro porque ele parte da motivação de aprofundamento da pesquisa que já foi iniciada em Rito de Passá, especificamente da faixa de mesmo nome, que traz essa junção do funk com a música afro-religiosa, né?! Que é essa mistura que as pessoas consideram inusitada, mas que pra mim faz total sentido porque, né? Uma coisa tá dentro da outra, uma no seu sentido mais sagrado, outra no seu sentido mais profano; uma na sua tradicionalidade, outra na sua contemporaneidade. Então todas as faixas do Meu Santo é Forte, que foi produzido pelo Mahal Pita, são aprofundamentos dessa pesquisa do funk ligado aos cantos afro-religiosos. Até a criação de um imaginário mesmo, né?! De pensar no funk mais próximo dessas afro-religiões. E desses toques também. em alguns sentidos, se transformarem em toques mais contemporâneos. E o álbum Rito de Passá, se a gente for pegar o tempo que ele rodou, ele é um álbum muito recente, né? Quando começou a pandemia, ele tinha acabado de ser lançado, tinha somente seis meses. Então muita cidade ainda não ouviu as músicas do Rito de Passá, não recebeu o show, o álbum. Ao mesmo tempo que que a gente aprofunda na pesquisa de Rito de Passá, Meu Santo é Forte também funciona como essa renovação, esse link do Rito de Passá para um próximo álbum, né? É o momento de transição. Ao mesmo tempo que atualiza é também o momento de transicionar.

MC Tha em 'Meu Santo É Forte' (Divulgação)
MC Tha em 'Meu Santo É Forte' (Divulgação)

Rolling Stone Brasil: Alcione é presença constante neste trabalho. De onde vem a decisão de trazê-la tematica e artisticamente para o centro desse seu segundo EP?
MC Tha: A Alcione nesse processo se fez muito presente no início de tudo, né? Acho que eu tenho entendido cada vez mais que a Alcione é o motivo, é o motivo da gente se debruçar nessa música popular afro-brasileira. Ela está posicionada dentro do projeto como uma ancestral, que a gente se virou pra obra dela, se virou pra essas músicas afro-religiosas, para esse repertório que já fez parte de discos dela a partir da década de 1970 e pensou em dar uma continuidade, né? A partir da MC Tha, que, como eu costumo dizer, é a minha ancestral do futuro, né? É a força que me deixa cantar, que me deixa falar as coisas em cima do palco, que me permite compor. Então tanto a Alcione como a MC Tha estão posicionadas nesse projeto Meu Santo é Forte como duas duas ancestrais que se comunicam, cada uma no seu tempo. Assim como a gente tá fazendo com o funk e com os toques afro-religiosos, a imagem das duas se vira uma pra outra nesse sentido.

Rolling Stone Brasil: O EP propõe uma extensão audiovisual interessante aqui, que transporta você para um programa à la Alerta Geral, clássico dos anos 70/80 da Rede Globo. Como você chegou a esse conceito e como o aplica aqui?
MC Tha: O audiovisual é uma coisa bem presente na minha trajetória, né? Eu nunca lancei uma música sem clipe, então é uma forma que eu tenho também de conseguir ilustrar além do que eu componho, além desse sentido sonoro como eu consigo destrinchar outras referências e trazer parte dessa história e no Meu Santo é Forte a gente entendeu que não fazia sentido criar videoclipe pras faixas né? Que seria mais interessante criar esse universo que as pessoas pudessem ser direcionadas a um tempo que já existiu na TV brasileira, né? Um tempo onde a mulher negra tinha um espaço na TV em pleno anos 1970 pra apresentar um programa, pra levar sambistas, artistas com recorte racial, pra falar da música independente, pra falar das questões raciais, e que hoje eu penso que esse Brasil está bem difícil de voltar a acontecer de novo. Então Meu Santo é Forte, ao mesmo tempo que tem esse imaginário desse cruzamento da MC Tha com a Alcione, tem também esse cruzamento de invenção de realidades né? De inventar uma nova possibilidade. Principalmente nos dias atuais, onde os casos de violência contra terreiro, de intolerância religiosa, de racismo religioso têm tido uma crescente muito significativa aqui no estado de São Paulo, segundo os dados da Secretaria de Segurança Pública, houve um aumento exponencial nos últimos dois anos. Ataques a terreiros, ataques a pessoas praticantes de religiões de matriz africanas, então trazer essa estética desse programa desse Brasil que já existiu com Alcione apresentando o Alerta Geral lá nos anos 1970 é também criar esse imaginário, né? Onde estão esses artistas que cantam sobre suas vivências de terreiro, que não têm espaços numa TV, que não têm espaço nas rádios e como a gente pode, de alguma forma, colaborar pra essa mudança, né? A gente liga a TV e a gente consegue achar canais de música gospel, a gente consegue encontrar canais de religiões evangélicas, mas a gente não tem um espaço pra expor a vivência afro-religiosa e a gente fala pela gente, né? Sempre quando sai alguma coisa é as desgraças que acontece, né? O terreiro incendiado, a pessoa que perdeu o olho porque o vizinho não gostou de ouvir a vizinha escutando música de macumba, enfim, as crianças sofrendo racismo religioso dentro da escola, mães perdendo guarda dos seus filhos por conta da religião, então quando eu trago o Clima Quente Show (veja abaixo), trago a figura de uma apresentadora de um tempo, de uma cantora do tempo de agora e posso destrinchar um pouco mais também sobre o Meu Santo é Forte, sobre o porquê da importância desse projeto, eu acho que passa por esse Brasil atual que a gente está vivendo, no sentido de tentar criar um novo imaginário, uma nova realidade pra alguma melhoria aí.

Rolling Stone Brasil: Nesta quinta, dia 30, você faz o primeiro show deste EP, sim? Como pretende levar a identidade deste EP para quem for lhe ouvir no palco?
MC Tha: Isso, quinta-feira a gente faz o primeiro show da turnê Meu Santo é Forte. O show novo já tá pronto, estamos ensaiando, esse show vai ser bastante percussivo. A percussão vai estar bastante em evidência e em comparação com o Rito de Passá, né, que é o ritual de passagem, que tinha essa coisa que vinha no show também, de ser um grande ritual, de passar por várias energias, acho que após o ritual, agora a gente tá no momento de celebrar. É o jeito que eu consigo definir esse novo show. Então ele vai ser um show bastante potente, divertido e também didático.