Ambos compuseram grandes músicas juntos ao longo dos anos 70 e 80, quando a carreira de Cassiano já não era mais a mesma
Publicado em 31/07/2024, às 09h33
Tim Maia é possivelmente o nome mais popular da chamada cena black music brasileira, que incluía artistas como Hyldon, Tony Tornado, Cassiano, entre outros. Suas qualidades eram tão únicas que às vezes chegavam a irritar — especialmente o último citado, definido pelo próprio Tim como um dos grandes gênios daquele segmento.
Tony Tornado, do alto de seus 94 anos, compartilhou algumas lembranças nesse sentido. Ao falar sobre Maia — a quem chama carinhosamente de Sebastião —, o músico e ator resumiu como era a convivência em conversa com Silvio Essinger para o jornal O Globo:
Às vezes, o Tim ficava irascível, por causa daquele gênio dele, mas, quando ele ficava bom, era uma pessoa boa de se lidar.”
Na ocasião, Tony acabou revelando algo que curiosamente irritava Cassiano sempre que Tim Maia gravava músicas dele, como “Primavera” e “Eu Amo Você”. O compositor não gostava das alterações que geralmente eram feitas nos vocais, de modo a tornar tudo mais comercial.
Gosto de todas as músicas do Tim, principalmente as que eram do Cassiano. Mas, pra não ficar legal, eu prefiro não cantar. O Cassiano ficava p*to porque o Tim dava na veia da doméstica, fazia a coisa mesmo para vender. Ele dava a música de um jeito e o Tim cantava de outro. Mas, se fosse fazer as ondas do Cassi, não tinha acontecido nada com o Tim!”
O diretor e apresentador José Maurício Machline, criador do Prêmio da Música Brasileira, também participou da entrevista — e compartilhou seu ponto de vista a respeito de Tim Maia. Durante uma edição do mencionado prêmio, à época patrocinado pela fabricante de eletrônicos Sharp, o cantor foi agraciado com um troféu, mas recebeu agradecendo a outra empresa, dizendo: “Quero agradecer muito à Sharp, mas eu ganhei dinheiro mesmo foi com a Mitsubishi, porque fiz um comercial para eles”.
Sobre o artista, Machline disse:
Tim Maia era uma pessoa doida em todos os sentidos da loucura. Mas bastava entendê-lo artisticamente que tudo acontecia. Ele é um cara atemporal, suas músicas são referências absolutas, em festas de debutantes ou aniversários de 80 anos, ele passa por todas as gerações. O que o Tim fez pela fixação da música black brasileira é indiscutível. E a voz dele era de impacto mortal.”
Nascido em Campina Grande, na Paraíba, Genivaldo Cassiano dos Santos começou a carreira em 1964, como integrante do Bossa Trio, grupo que misturava bossa nova, samba jazz e soul. Pouco tempo depois, ao lado do irmão, Camarão, e de um amigo, ele criou o grupo Os Diagonais, que focava mais na influência soul.
Nessa época, Tim Maia conheceu o trabalho dele e logo o convidou para participar de seu primeiro disco solo, homônimo, lançado em 1970. Cassiano toca guitarra no álbum e assina a composição de quatro músicas: "Você Fingiu", "Padre Cícero", "Eu Amo Você" e "Primavera (Vai Chuva)".
A parceria foi retomada em Disco Club (1978), com “Murmúrio”. No álbum de 1980, o compositor paraibano participou com “Não Fique Triste”. Em 1982, Tim lançou Nuvens, e a faixa-título foi de autoria de Cassiano (que também tocou guitarra) e Deny King. No disco seguinte, O Descobridor dos Sete Mares (1983), ele contribuiu com "Rio, Mon Amour", onde ainda tocou violão, além de gravar voz e guitarra em “Pecado Capital”.
Em Sufocante (1984), o compositor aparece em nova parceria com Tim, dessa vez em “Venha Ser Minha Mulher”. Já no primeiro álbum solo de Cassiano, Imagem e Som(1971) ele assinou com Maia as faixas “Tenho Dito" e "Ela Mandou Esperar".
Sobre a relação não só com Cassiano, mas com Hyldon e outros da época, Tim Maia foi perguntado em uma entrevista para a Revista Brasileiros, em 1995, publicada apenas em 2009 (via O Vermelho). Na ocasião, o cantor deu mais uma de suas respostas ácidas ao tentar explicar por que a sua “primeira turma” (Erasmo Carlos, Roberto Carlos, etc) foi mais bem-sucedida do que a segunda.
“Bom, aí é aquele negócio: ‘Por que Tostines vende mais? Porque é fresquinho. E por que é fresquinho? Porque vende mais’.”
Tim Maia nos deixou em 15 de março de 1998, aos 55 anos, em decorrência de falência múltipla dos órgãos. Cassiano faleceu em 7 de maio de 2021, aos 77 anos, devido a uma arritmia cardíaca.
Colaborou: André Luiz Fernandes.
Igor Miranda é jornalista formado pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU) e pós-graduado em Jornalismo Digital. Desde 2007 escreve sobre música, com foco em rock e heavy metal. Colaborador da Rolling Stone Brasil desde 2022, mantém o site próprio IgorMiranda.com.br. Também trabalhou para veículos como Whiplash.Net, portal Cifras, site/canal Ei Nerd e revista Guitarload, entre outros. Instagram, X/Twitter, Facebook, Threads, Bluesky, YouTube: @igormirandasite.