Homem com esquizofrenia atacou o músico quase dois anos antes de sua morte; pessoas próximas do artista acreditam que estresse causado pelo episódio fez retornar tumor já tratado
Publicado em 27/02/2023, às 17h00
O álbum solo mais conhecido de George Harrison chama-se All Things Must Pass. Lançado em 1970, o trabalho apresenta um título cuja tradução livre para o português diz que “tudo deve passar”.
Embora Harrison acreditasse muito no caráter transitório da natureza humana e fosse um sujeito para lá de espiritual, pessoas próximas a ele acreditam que sua morte pode ter sido causada, em 29 de novembro de 2001, aos 58 anos, por um episódio traumático vivenciado quase dois anos antes. Nem tudo passou para George — e é perfeitamente compreensível que tenha sido dessa forma. O artigo a seguir traz informações do site Igor Miranda.
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Após ter passado a década de 1980 entre idas e vindas de sua carreira solo e dedicando-se ao supergrupo Traveling Wilburys, George Harrison entrou nos anos 1990 fazendo uma turnê com o amigo Eric Clapton pelo Japão. Foi a primeira excursão dele em quase duas décadas — a última havia sido em 1974 — e a final, visto que ele só subiria em palcos novamente em situações esporádicas, como uma participação em um tributo a Bob Dylan no Madison Square Garden, nos Estados Unidos.
Parte da década trouxe Harrison revisitando sua própria trajetória. O guitarrista participou do projeto Beatles Anthology, iniciado em 1994, ao lado de outros dois remanescentes dos Beatles, Paul McCartney e Ringo Starr, bem como o parceiro Jeff Lynne (ELO).
Fazia quase 15 anos desde a morte de John Lennon, mas mesmo antes disso, a partir do fim da banda em 1970, nenhum integrante da banda mais popular do mundo olhou para trás. Era a primeira vez que o legado seria explorado, agora para um projeto de retrospectiva multimidiático que envolveu até mesmo o retrabalho em duas músicas deixadas ainda como demo por Lennon: “Free as a Bird” e “Real Love”. Havia planos de se recuperar uma terceira faixa, mas George não quis.
Em 1997, assim que voltou a colaborar com Ravi Shankar, o músico — e fumante inveterado — foi diagnosticado com um câncer na garganta. Passou por tratamento de radioterapia e foi considerado curado.
Em 30 de dezembro de 1999, quase dois anos antes de falecer, George Harrison teve sua casa, uma mansão neogótica no sudeste da Inglaterra, invadida por um homem chamado Michael Abram. Diagnosticado com esquizofrenia, o sujeito de 34 anos atacou o guitarrista e perfurou um de seus pulmões com uma faca de cozinha, além de causar lesões em sua cabeça. Ao todo, o esfaqueamento provocou 40 ferimentos no artista. Parte do pulmão afetado pelo episódio precisou ser removido.
A situação poderia ter sido ainda pior se não fosse pela esposa de George, Olivia, que atingiu o agressor com um atiçador de lareira e um abajur. O ataque foi motivado por um delírio de Abram, que achava que os Beatles eram “bruxos que voavam em vassouras por aí” e que havia sido “designado por Deus para matar” o guitarrista, visto como um “feiticeiro e o diabo”.
Em declaração durante o julgamento de Abram (via Igor Miranda), Harrison disse que, ao ser atacado, sentia sua “força ser drenada” de si. O músico relatou lembrar-se do momento da perfuração de forma “vívida” e sentia o sangue em sua boca. Ele achou que iria morrer. O criminoso foi julgado incapaz, devido ao problema de saúde mental, e ficou internado em uma instituição psiquiátrica até 2002.
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Não demorou muito até que o câncer de George Harrison retornasse, mas em outra parte do corpo: justamente no pulmão. Em 2001, o tumor subiu para o cérebro e foi necessário realizar uma cirurgia, feita na Suíça.
Embora não exista comprovação científica nessa tese, muitas pessoas próximas a George acham que o ataque com faca sofrido no fim de 1999 foi decisivo para a volta do câncer do guitarrista. Para elas, o estresse e o sofrimento emocional aos quais o músico foi submetido fizeram sua saúde definhar.
Ninguém fala publicamente sobre essa ideia, mas o biógrafo Peter Doggett a registrou em seu livro You Never Give Me Your Money, sobre a vida de cada integrante dos Beatles após o rompimento da banda. Entre os mais famosos do círculo do artista, aquele que chegou mais perto de abordar a teoria na ocasião foi o guitarrista Eric Clapton, que declarou (via CheatSheet):
“George ainda estava muito perturbado e não parecia saber para onde ir com sua vida após o ataque. Eu só podia usar minha própria situação com o vício em drogas como referência, encorajando o uso potencial de algum tipo de sistema de apoio.”
Já um ajudante pessoal de George, que não foi identificado, apresentou a tese de forma mais direta. “Aquele ataque o mudou. Todos sentimos isso. E tínhamos certeza de que foi por isso que o câncer voltou. Ele parecia tão bem, mas depois do ataque não tinha mais forças para lutar", afirmou.
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No mês em que morreu, George Harrison foi submetido a um tratamento de radioterapia no Hospital da Universidade de Staten Island, em Nova York, nos Estados Unidos. O câncer de pulmão de células não pequenas havia se espalhado de vez para o cérebro.
A informação foi divulgada sem o consentimento de Harrison. O guitarrista lamentou publicamente que seu médico tenha violado sua privacidade e após sua morte.
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Fato é que todos já estavam sabendo que George estava em uma condição avançada da doença. O próprio músico tinha consciência disso. Em vez de passar seus últimos dias em uma cama de hospital, ele viajou até Beverly Hills, em Los Angeles, e ficou em uma propriedade cujo dono era Paul McCartney.
Devoto de Hare Krishna, George Harrison morreu na companhia de outros dois amigos da fé, que cantavam versos de um dos livros sagrados do hinduísmo, Bhagavad Gita. Ele também estava acompanhado de Olivia e Dhani, seu filho, além de outros familiares e amigos, como Ravi Shankar, que tocou sitar para o parceiro de longa data. O Beatle tímido faleceu no dia 29 de novembro de 2001, aos 58 anos.
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Um comunicado divulgado por Olivia e Dhani trouxe sua mensagem final, que dizia: “Todo o resto pode esperar, mas a busca por Deus não pode esperar e amar uns aos outros.”
Um ano depois do falecimento, George Harrison teve seu álbum final divulgado. Brainwashed trouxe uma série de gravações em que o músico trabalhava desde 1988. O projeto foi interrompido e retomado diversas vezes pelo artista, que em 2001 ainda trabalhava no material. As gravações foram concluídas por Jeff Lynne e Dhani Harrison.
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Igor Miranda é jornalista formado pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU) e pós-graduado em Jornalismo Digital. Desde 2007 escreve sobre música, com foco em rock e heavy metal. Colaborador da Rolling Stone Brasil desde 2022, mantém o site próprio IgorMiranda.com.br. Também trabalhou para veículos como Whiplash.Net, portal Cifras, site/canal Ei Nerd e revista Guitarload, entre outros. Instagram, X/Twitter, Facebook, Threads, Bluesky, YouTube: @igormirandasite.