A ascensão do gênero entre quem alegava ouvir "tudo menos country" foi como um sinal vermelho soando na política dos Estados Unidos
No início de novembro, Morgan Wallen se tornou o primeiro artista a ter três singles, tanto no primeiro lugar da Billboard Hot Country Songs, quanto na Hot 100. O feito vem pra encerrar um ano em que a popularidade do country atingiu um ápice em décadas - senão o ponto mais alto de todos os tempos, nos Estados Unidos. A dupla Jelly Roll e Post Malone e seus rostos tatuados lançaram álbuns crossover que chegaram ao topo das paradas, e Zach Bryan (que evita o título "country") tem lotado estádios e lançado álbuns no topo das paradas, mesmo sem tocar no rádio. Enquanto isso, jovens e habilidosos artistas como Gavin Adcock estão construindo tanto imagens quanto seguidores leais em redes sociais, tomando cerveja e falando o que pensam.
Se você foi um homem branco na música country este ano, parabéns: você provavelmente expandiu sua fanbase além dos seus sonhos mais selvagens.
Naturalmente, críticos têm lutado para explicar esse aumento repentino da popularidade, especialmente entre os jovens, e não apenas em áreas rurais ou "estados vermelhos/republicanos", mas também em grandes cidades. Esses fãs, que andavam gravitando em direção a outros gêneros, estão procurando "autenticidade" em um mundo moderno? Um retorno a algum tempo miticamente mais simples, em que a música oferecesse narrativas seguras e familiares? Ou algo mais os atraiu?
Mas talvez, em vez de apenas perguntar por que, devêssemos ir mais além: O que exatamente isso tudo significa? Se isso soa como uma pergunta que tem sido feita após a vitória decisiva de Donald Trump na eleição presidencial de 2024, há um bom motivo: temos perdido o ponto, e os eleitores, o tempo todo.
A campanha de Trump — não muito diferente de um certo segmento da música amada por caras brancos nas rádios country — foi baseada, em parte, na nostalgia por um período dito "grandioso" da história dos EUA, em que a identidade branca não era ameaçada e as mulheres ocupavam papéis tradicionais. A música country sempre foi um bom veículo para isso. Foi a campanha de Ronald Reagan que inicialmente cunhou a frase "Make America Great Again", e o antigo ator-cowboy aproveitou a música country e suas imagens (ele era frequentemente visto andando a cavalo) para cortejar um eleitorado frustrado. O aumento da popularidade do gênero entre pessoas que costumavam afirmar ouvir "qualquer coisa menos música country" foi o sinal vermelho aparecento. Mas, como no fenômeno estrondoso dos podcasts de direita, era muito mais fácil ignorá-lo ou até mesmo zombar dele do que ver a ameaça subjacente.
A música country estava ressoando não apenas nos estados do sul americano, onde sempre foi parte do tecido, mas também dominando a cultura pop e alcançando jovens brancos, alguns que talvez nem se descrevessem como conservadores, mas poderiam estar procurando por uma forma diluída e palatável de populismo que não exigisse sacrifício real. Finalmente, aí estava uma forma de arte para se agarrar quando artistas progressistas (e suas políticas) os alienavam um pouco demais, ou demandavam que trabalhassem apenas um pouco mais para diversificar o gênero ou ter empatia por pessoas que não fossem eles mesmos. Em outras palavras: era fácil ouvir Morgan Wallen.
Pelas pistas contextuais, Wallen parece tender ao conservadorismo, embora não seja tão explícito quanto um Jason Aldean quando se trata de expressar suas opiniões, e suas políticas pessoais quase não vêm ao caso: ele não lançou um hino político trumpista como "Try that in a Small Town", e não se juntou a Trump no camarote na convenção republicana do último verão. Em vez disso, a marca de Wallen gira em torno de uma combinação de elementos aparentemente inofensivos do sul (como a cerveja ou os jogos de futebol da SEC, a Southeastern Conference, liga do sul e sudeste dos EUA) e elementos mais tradicionalmente centrados no pop (colaborações com Post Malone, batidas trap, cooptação de certos segmentos da música negra). O fato de Wallen, que se envolveu em um escândalo envolvendo insulto racial em 2021, ser tão popular hoje, foi uma pista sobre o quanto tantos jovens, especialmente homens brancos, estavam ansiosos para se sentir seguros da chamada "agenda woke".
Prestar atenção na cultura da música country, e não apenas em quem está ouvindo, também pode nos dizer uma ou duas coisas sobre para onde a afinidade de gênero dos eleitores por Trump estava indo (ou, quando se tratava de política de gênero, regredindo). As rádios country são notoriamente hostis às mulheres, com a execução nas rádios de artistas femininas geralmente girando abaixo da margem de 10%. Nos últimos dois anos, apesar de esforços fervorosos por igualdade, as coisas não melhoraram para as mulheres — Lainey Wilson e Megan Moroney, as mulheres brancas e loiras a quem é permitido ter sucesso neste momento, ainda estão lutando para alcançar o topo com seus respectivos novos singles. E Beyoncé, apesar do sucesso crítico e de inúmeras indicações ao Grammy por Cowboy Carter, não conseguiu convencer a Music Row, o coração da música country dos EUA, em Nashville, de que seu álbum merecia consideração naquele universo (ao mesmo tempo em que eles estendiam o tapete vermelho para Post Malone). A música country, e o país, estavam enviando uma mensagem clara sobre quem exatamente estavam prontos para acolher em qualquer mundo tradicionalmente dominado por homens brancos — seja no rádio ou na presidência.
2024 também foi o ano em que a música country, embora sempre tendo um elemento de fé, abraçou uma mainstreamização pop do Cristianismo. Rebel de Anne Wilson foi desenhado para unir o country e o pop cristão, com um single, "Rain in the Rearview", enviado para o rádio country. Gabby Barrett também andou nessa linha, com planos de intensificar ainda mais. A Associated Press AP VotetoCast relatou que oito em 10 eleitores cristãos evangélicos brancos apoiaram Trump, então não foi surpresa ver Wilson lançar seu hino de apoio a Trump, "Stand", no outono das eleições. Ainda assim, ver um artista cruzar a linha de canções de adoração para o que pode ser considerado propaganda política não é menos alarmante. (Você tem certeza de que Dolly fez isso dessa maneira?)
Claro, nem toda música country é conservadora, nem todos os conservadores gostam de música country, e nem toda música country é feita por homens brancos — e muito do que o gênero oferece é um consolo acolhedor e familiar em tempos complicados e problemáticos. Mas tudo isso levanta a pergunta: as pessoas estão caminhando para a música country porque estão tendendo para a direita? Ou a música country, Trump e uma vida sem o "julgamento" da esquerda, são coisas boas demais para ignorar quando chegam lá? Afinal, a maior estrela do gênero, Wallen, é o modelo de como prosperar em um mundo pós-cancelamento.
Observar a explosão do gênero country como um sintoma e não uma causa poderia ter funcionado a favor dos Democratas, ou pelo menos ajudado a oferecer uma compreensão de que o eleitorado jovem não estava se movendo para a esquerda como eles gostariam de assumir. As Glocks e os bonés camuflados de Kamala Harris por si só não foram suficientes para conquistar eleitores inquietos e indecisos. O country mainstream, em toda a sua glória vermelha, branca e azul, estava esperando por eles de braços abertos. E Trump também.
Texto publicado em 18 de novembro de 2024 na Rolling Stone. Para ler o original em inglês clique aqui.