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Paul McCartney e Rick Rubin revisitam clássicos dos Beatles: 'Encontrando alegria em músicas antigas' [ENTREVISTA]

Paul e o produtor conversam sobre série McCartney 3, 2, 1, filme Get Back e o motivo de continuarmos falando sobre hits dos Beatles

Rolling Stone EUA / Rob Sheffield Publicado em 17/08/2021, às 14h00

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Paul McCartney e Rick Rubin (Foto: Reprodução / Hulu)
Paul McCartney e Rick Rubin (Foto: Reprodução / Hulu)

O mundo conhece muitas versões diferentes de Paul McCartney: jovem e charmoso com corte de tigela, vanguarda inovadora dos anos 1960, homem de família barbudo, lenda do rock and roll. O documentário da Hulu, McCartney 3, 2, 1 (2021) apresenta Paul como nunca vimos antes: geek da música. Apenas McCartney em uma conversa profunda com a lenda Rick Rubin, enquanto ouvem com atenção canções dos Beatles, compartilhando memórias, com foco nos detalhes musicais. 3, 2, 1 levou os fãs à loucura, nunca houve um documentário desse porte sobre música. “Há uma história por trás da composição de cada canção,” Paul disse à Rolling Stone EUA. “Por sorte, lembro de várias dessas.”

A série chega enquanto os fãs esperam fervorosamente pelo documentário Get Back, de Peter Jackson, com estreia prevista para novembro no Disney+. 3, 2, 1 mostra três noites profundas de filmagens ricas e inéditas das gravações de 1969, quando os Beatles fizeram o disco da despedida agridoce, Let It Be (1970). Há também a edição de 50 anos do épico disco solo, All Things Must Pass (1970), de George Harrison. A versão estendida tem tesouros nunca ouvidos. Após cinquenta anos do adeus, os Beatles são ainda maiores - "the toppermost of poppermost", a garantia de um sorriso. 

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McCartney e Rubin avançam constantemente, sem olhar para trás. Como Rubin diz, é parte do “caminho espiritual” da música. McCartney está em uma de suas maiores sequências criativas de todos os tempos - acabou de fazer dois dos melhores discos solo, Egypt Station (2018) e McCartney III (2020), ambos no topo das paradas. Também está com um dos maiores discos do momento nos Estados Unidos, McCartney III Imagined (2021), contendo faixas remixadas por artistas mais novos como Phoebe Bridges, Beck, Anderson .Paak, St. Vincent e Blood Orange. Quem mais poderia fazer um documentário sobre 60 anos atrás enquanto lidera as paradas com música nova?

McCartney e Rubin falaram à Rolling Stone EUA sobre fazer o documentário juntos, em entrevista única, entre três pessoas, no Zoom. Paul apareceu em um sofá aconchegante, com petiscos e café. (“Estou comendo um pouco, espero não ser um problema, mas posso falar e comer - diferente de Gerald Ford.”) Rick estava na praia. Mesmo a quilômetros de distância, a química quente e amigável estava presente em alto e bom som. Os risos também. Como o documentário, a conversa é um passeio por toda a carreira musical, enquanto refletem sobre pessoas e o passado.

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Parabéns pelo 3, 2, 1. Está realmente deixando as pessoas malucas.

McCartney: Sim, estou com muitos feedbacks. Muitas pessoas dizem: “Assisti aquele 3, 2, 1 outro dia.” Eu e Rick conversamos e, para ele, o motivo é não parecer com um filme. As pessoas se sentem assistindo nossa conversa sem edições.

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Como você optou por essa abordagem sutil? Sem cenários, só vocês conversando.

Rubin: Só aconteceu naturalmente daquela forma. Filmamos a entrevista sem saber rumos e formato. A entrevista criou vida e simplesmente queria ser daquele jeito. Não tivemos muita escolha.

McCartney: Na verdade, não tínhamos um plano além de falar sobre música. Rick me questionou quando falamos pela primeira vez ao telefone, disse: “Gostaria de focar em você tocando baixo.” Respondi: “Ok, parece interessante.” Então, ele começou a expandir a partir daquele pensamento. Nos encontramos com somente aquilo em mente - falaríamos sobre a influência no baixo. Mas cresceu.


Parece muito espontâneo.

Rubin: E foi. Apenas aconteceu como é mostrado. De fato, foi daquela forma.

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McCartney: Sim, falar sobre música com qualquer pessoa é normalmente prazeroso. Para mim, é como falar com Rick, alguém com mais conhecimento no geral. Ele sabe sobre os assuntos. Então, acabamos nos provocando, por ser um tema amado pelos dois.


Você realmente foi além dos padrões, falando de música. Fiquei doido quando Rick perguntou sobre “Baby’s in Black”, uma das minhas favoritas. Não esperava aquilo.

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McCartney: [Risos] Nem eu!

Rubin: Sim, amo essa. E pareceu um bom exemplo de canção onde John [Lennon] e Paul trabalharam juntos o tempo todo em harmonia. A música toda é harmoniosa, não só uma parte. Não percebi ser uma valsa até você dizer. Esse é outro fato interessante - as músicas dos Beatles são tão onipresentes em nossas vidas, comparamos tudo a elas. Apenas ouvia como uma canção finalizada. Sei qual o som de uma valsa, mas nunca pensei naquela música como valsa, porque ouvi sempre como “Baby’s in Black”. Não entendia a ideia de encaixar em outro formato até Paul mencionar.

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McCartney: Amamos esse sentimento de valsa, meio dançante. E aí, você tem “I Put a Spell on You” de Screamin’ Jay Hawkins’. Então, “Baby’s in Black” tem um sentimento frio do 3/4. Conforme Rick pontuou, Everly Brothers foram uma influência. Ao escrever algo, eu iria naturalmente para harmonias maiores. Isso fez tudo fluir mais facilmente. 

Rubin: Conforme ouvimos as músicas, escutamos novos detalhes. São criações miraculosas. Estou simplesmente feliz com a existência delas no mundo.

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Muitas dessas músicas não foram grandes sucessos à época, mas as pessoas descobriram ao longo dos anos, como “Here, There and Everywhere.”

McCartney: O fato é: sou um romântico. E isso não significa apenas um romance entre meninas e meninos. As canções pelas quais me apaixono são cheias de amor, há algo muito reconfortante e relaxante sobre isso. Então, frequentemente, encontro um caminho pelo qual me atraio - buscando amor e o colocando na música.

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Rubin: Você se lembra de pensar na frase “Here, there and everywhere?” É uma frase poética, bonita.

McCartney: Na verdade, não. Acho que depois que tenho a ideia, é sempre a questão de “como seguimos para o segundo verso?” Muitas vezes, pode dar errado - se você faz uma música pensando “tudo está ótimo agora,” devo dizer: seu segundo verso pode não ser tão bom.

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Você é muito generoso sobre os outros Beatles no documentário, como quando fala sobre Ringo e diz: “Ele nos alavancou.”

McCartney: Bem, é verdade. Não quero acabar com o baterista anterior - ele era bom, eficiente e fazia o serviço. Mas Ringo era mágico. É encantador lembrar do primeiro momento com ele. Não tínhamos certeza sobre o cara sentado atrás da gente, mas, quando ele começou, foi arrepiante. Algo como: “Ok, é isto. Este é o grupo.” Então, aconteceu.

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Vocês possuem diversas colaborações com outros artistas. Ambos têm a capacidade de extrair o melhor dos outros.

McCartney: Somos muito sortudos, imagino. Temos uma história parecida, mundos e continentes completamente diferentes, mas ele cresceu com essa música nova, presente em todo lugar - e, então, você acha alguém com as mesmas ideias. No caso do Rick, foi Def Jam. Como aconteceu?

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Rubin: Simplesmente um momento incrível. Todos realmente amavam música e não havia nada impedindo. Ninguém mirou num grande sucesso no começo do hip-hop. Na verdade, nunca te disse isso, Paul, mas quando li uma entrevista sua dizendo “ouvimos as músicas da Dej Jam,” foi um motivo para continuarmos nosso trabalho à época. Fiquei surpreso, porque eu era uma criança na faculdade em Nova York, cresci ouvindo os Beatles, fazendo esse outro tipo de música esquisita, rejeitada pela maioria das pessoas. Você ouviu e gostou? Eu nunca imaginaria.

McCartney: Tivemos sorte, mas essa sorte veio da paixão. Quando menor, amava a fase musical do meu pai. Os acordes eram fascinantes. Adorava ver meu pai tocar. Então, aquela paixão cresceu cada vez mais e encontraria, eventualmente… No meu caso, encontrei alguém como John ou George. Você via a mesma paixão neles. O outro simplesmente te atrai. Rick e eu fomos sortudos de simplesmente esbarrar com pessoas apaixonadas.

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Rubin: Com colaborações, a combinação deixa tudo mais empolgante. Quando você está em algum lugar e a banda está entrosada, é algo milagroso, um dos momentos mais incríveis no mundo. 

McCartney: Acredito ser pela paixão. Você senta com alguém apaixonado e tenta fazer algo. No meu caso, as primeiras colaborações com John. Eram conversas naturais. Se tem alguma linha na música da qual não tinha certeza ou não gostava, ele percebia o olhar no meu rosto, olhava de volta e dizia: “Não estou muito empolgado com essa. Devíamos trabalhar nisso.” Então, consertávamos. Mas isso é um processo lindo dos dois saberem, em primeiro lugar, o objetivo. É algo amado por ambos. E encontramos um caminho para fazer.

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Se eu pensar em uma verso… Mais no começo. “I Saw Her Standing There,” meu verso era: “She was just 17 and she’d never been a beauty queen.” Lancei um olhar para John: “Beauty queen?” Ele me devolveu o olhar: “Beauty queen?” Então, dissemos: ”Vamos fazer algo diferente.” Assim, “You know what I mean” surgiu, muito mais satisfatório.

Contei essa história para Neil Young uma vez. [Nos encontramos na] Calçada da Fama de Hollywood, ou seja lá como vocês chamam. Eu disse: “Era ‘beauty queen’ originalmente.” Ele respondeu: “Ah, ótimo,” para mim, ele não se lembraria desse verso. Mas, naquela tarde, tocamos, provavelmente no MusiCares, e ele cantou “I Saw Her Standing There” com a letra original. “Just 17 and she’d never been a beauty queen.” Este é Neil. Ele precisava fazer aquilo. Soou bem, mas gosto mais da letra revisada.

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Mas há uma história famosa na qual vocês estavam tocando “Hey Jude” e John falou para você não mudar a letra.

McCartney: Sei exatamente onde isso aconteceu. Foi em Londres, em meu estúdio na parte de cima da casa, tocando meu piano mágico pintado. John e Yoko estavam em pé, atrás de mim, perto dos meus ombros, na verdade. Estavam em pé enquanto eu tocava: “Hey Jude, da-da-da-da, da-da-da,” e passei para “The movement you need is on your shoulder,” olhei para eles e disse: “Vou consertar essa.” Ficou simplesmente perfeito - sabe, isso era ótimo sobre mim e John. Ele disse: “Você não vai fazer isso, você sabe.” Como se aquilo fosse uma ordem. “Você não vai fazer isso, você sabe. Essa é a melhor parte da música.” Em vez de dizer: "Ah, não. Não, não, não. Eu odeio e quero mudar,” ele disse: “Você não vai fazer isso, você sabe,” eu sabia ser o certo a se fazer. Essa era a melhor parte de termos tanta confiança um no outro.

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Com certeza. Como você disse, você é um romântico de muitas formas e esse espírito está nas músicas, como em “Two of Us.” Ninguém mais poderia ter escrito aquela canção.

McCartney: Mais uma vez, tenho uma memória vívida de sair de Londres no meu Aston Martin, com Linda, só nós dois. Ela gostava de se perder. Enquanto a maioria de nós dirigindo, especialmente com alguma paixão - uma namorada nova, no meu caso - fica com medo de se perder. Meu Deus, é muito fácil se perder em Londres. Não é como Nova York, onde tudo é alinhado. Isso é Londres. Você pode estar em Streatham ou pode ser Haringey, não há como saber. Mas ela sempre dizia: “Então, vamos nos perder,” e continuávamos.

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Quando saímos de Londres, chegamos a um lugar onde havia uma pequena vaga em um campo com árvores. Entramos na mata. Estava com meu violão, porque o levava para todo lugar, e comecei a escrever aquela música. Surgiu facilmente, eram comentários sobre o que fazíamos, mas de uma forma lírica, mais poética. 


Outra favorita é “Another Day” - você reparou em uma mulher como ninguém fazia e escreveu uma música sobre ela. Apenas a observou e contou a história. É uma forma pouco comum de composição.

McCartney: Bem, basicamente porque sou um voyeur. Seria preso por isso hoje em dia. Não, é só porque gosto daquilo. Gosto de reparar em tudo. Fiz uma pequena série de fotografias chamada “Indentations.” A faísca surgiu assistindo uma mulher tirando a roupa, a alça do sutiã deixou marcas na pele dela. É a mesma coisa, observar uma mulher, não só estar com ela pensando: “Amo isso.” Tomar uma xícara de café, ir ao escritório com os papéis dela, tudo - seguindo-a durante o dia.   

Rubin: A ideia de prestar atenção no mundo ao seu redor também é um conceito espiritual. É o significado de consciência.

McCartney: É verdade.

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Rubin: Esse é o caminho espiritual, engajar com o mundo ao seu redor, verdadeiramente prestar atenção no processo, onde aprendemos tudo. Recebemos toda a informação necessária prestando atenção.

McCartney: Bem, definitivamente, sou um observador. Às vezes, deixo as pessoas sem graça, porque dizem: “Meu Deus, você viu aquilo?” “Sim, vi.” Curiosamente, saindo um pouco do tema, George Martin estava na Aviação Naval Britânica, em um avião, mas não pilotava -  foi apelidado de “observador”. Apenas observava todos e ajudava organizando. Lembro de ter dito a ele: “Isso é produzir. Olhar para todas as habilidades, conduzindo e produzindo.”

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Você faz isso por toda parte durante a composição, observando esses pequenos momentos como em “Penny Lane.” Pessoas ao redor do mundo sentem como se conhecessem aquela rua.

McCartney:John e eu conhecíamos Penny Lane intimamente. Como você sabe, é um lugar real, um terminal de ônibus. Então, se eu fosse à casa dele, passaria por Penny Lane e mudaria de ônibus para chegar lá. Ele faria o mesmo. Então, sabíamos o significado de Penny Lane. Como compositor, histórias assim surgem e penso: “Bom, esse é um ótimo nome para um lugar, Penny Lane. Não era como Wilmslow Road.” Há algo, mais uma vez, romântico nos detalhes observados. 

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Tudo isso em Penny Lane eram histórias conhecidas por mim e John. Sabíamos sobre a barbearia - uma pequena barbearia italiana chamada Bioletti’s. Era fácil nos conectarmos com alguns desses nomes, os quais foram bons pontos de partida. "Strawberry Fields" era outro nome lindo. Era um orfanato do Exército de Salvação, mas soava como os Campos Elísios, como o paraíso, sabe? John veio com a letra em stacatto, versos malucos: “Eu penso, sei. Ah, sim, eu sei.”Jesus, onde íamos com isso? É tão, tão legal e tão John. Só dá para imaginar se você teve o privilégio de trabalhar com um cara desse tipo, você estaria constantemente encantado com as criações dele. “Eu penso, sei, quero dizer, talvez em cima da minha árvore.” [Risos e palmas] É algo do tipo: “Sim! Eu sei exatamente suas intenções!” Mas ele conseguiu organizar tudo.

Rubin: Você se lembra como a melodia de “Penny Lane” surgiu? Porque é uma melodia ornamental.

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McCartney: Não, penso nos acordes - para mim, é tudo sobre acordes. Fiz questão de encontrar Stephen Sondheim, talvez porque ouvi “Send in the Clowns” no rádio. Conversamos sobre trabalhar com métodos diferentes e ele disse: “Como você compõe?” Respondi: “Bem, não sei. Apenas procuro acordes bons.” E “Penny Lane” foi assim - estava na fase Dó menor com sétima, acho. De novo, estou no mesmo piano [no estúdio caseiro], sem John e Yoko dessa vez, mas estava tocando no canto. A música surgiu sozinha, a partir dos acordes. 

No começo dos Beatles, nós sempre tínhamos dois violões, John e George, eu no baixo e Ringo na bateria. Se você ouvir somente os violões, vai perceber pequenos harmônicos. Colocamos isso silenciosamente por cima. Na guitarra, há apenas melodias esperando para escapar. Esperando por mim para libertá-las.

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Rubin: É mais um exemplo de quando você realmente presta atenção. A maioria das pessoas apenas ouve o acorde na superfície, mas ouvindo profundamente, dá para escutar as melodias escondidas nos harmônicos. 

McCartney: Não pensei nisso assim, mas é verdade. Esse, para mim, era um dos segredos dos Beatles. Se algo acontecia, parávamos e dizíamos: “Espera um pouco, vamos apenas observar. O que é isso?” Sabe, quando o cara coloca a fita ao contrário. Vi um milhão de sessões onde isso acontecia e o produtor dizia: “Aqui, idiota, coloque do jeito certo.” "Desculpa, chefe,” colocando do jeito certo, você continua.

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Bom, com os Beatles era: “Não, não, não. Espera, o que está acontecendo?” Porque você precisa lembrar, nunca ouvimos as faixas ao contrário. Agora está por toda parte. Todo mundo consegue ouvir as músicas ao contrário. Mas não havia como, antigamente. Sabíamos apenas como queríamos soar, enquanto nos falavam: “Bem, não podemos usar isso.”

Rubin: Sim, exatamente. Isso também é sobre a primeira pergunta, sobre como nosso projeto nasceu. Aconteceu assim. Não pensamos em fazer da forma como foi. A conversa era a conversa. Assistimos tudo, todos os planos de fazer um documentário real não pareciam tão interessantes quanto o nosso projeto. Ele mostrou como queria ser. É a mesma história, se estiver realmente prestando atenção, você descobre como deve surgir. Mas se você imagina os caminhos, limita as possibilidades.

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McCartney: Uma loucura. Tão verdadeiro. Sim. 


Sempre imagino vocês à frente do tempo culturalmente por conta de como vocês cantavam sobre mulheres. Porque mulheres têm vida nas músicas de vocês, memórias, ideias, pensamentos. Não havia outros compositores homens escrevendo sobre mulheres naquela época.

McCartney: Algumas mulheres disseram isso para mim. “Ei, você percebe ter escrito várias músicas sobre mulheres?” Ou meninas, tanto faz. Pássaros também. Falando sério, é verdade. Sempre vejo mulheres sendo mais legais em comparação aos homens de qualquer forma. Apenas as vejo como seres muito especiais e, claro, elas são. Nos fizeram, nos conceberam - algo impossível para mim. Sempre tive um grande respeito por este aspecto delas.


Vocês focam sempre no futuro. Nos últimos anos, você fez Egypt Station (2018) e McCartney III  (2020), duas obras de arte. Como você mantém a inspiração fluindo sem ficar preso ao passado?

McCartney: Tem um verso do qual me orgulho: “Volto de longe, estou na minha frente.” Imagino ser o mesmo para Rick. É algo amado por você e nunca dá para saber como aconteceu, de onde veio. Mas é a mesma motivação: amor pela música, amor pelos acordes.

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Aquilo do Sondheim, quando eu disse: “Amo os acordes,” ele pareceu surpreso. Para mim, todos faziam assim. Você toca um acorde e compõe uma música. Continuei pensando: “De qual forma eu poderia fazer? Talvez ele pense assim?” Você pode se matar de tanto pensar. Quando parar e fizer, funciona melhor.


Isso volta para o tema de consciência. Para muitos de nós, sua música ensinou como viver no momento e observar o mundo ao redor.

McCartney: Sim, meu pai sempre dizia: “Faça agora.” E depois completava: “Faça agora, D-I-N [abreviação de do it now]” Sempre imaginei como um bom nome para um selo de gravadora, DIN, D-I-N. Rick, vamos lá!

Rubin: Faça agora.


Todos estão empolgados para o filme Get Back. Há todos esses detalhes lindos, à época momentos efêmeros - te surpreende as pessoas gostarem de ouvi-los agora? 

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McCartney: Sim. Até os pequenos fatos periféricos se tornam interessantes. Amo ouvir, porque é minha história. Todos esses detalhes, como você disse, talvez desapareceriam no tempo.

Há algo, não sei se usaram, mas eu estava em uma das primeiras sessões de gravação com os Beatles, estávamos no andar de baixo e o produtor em cima. Esqueci de levar minha palheta para o estúdio. Costumávamos chamar de “plec”, de “plectrum” [palhetaem inglês] - algo entre mim e John. Então eu disse: “Meu Deus, esqueci minha palheta.” Ele respondeu: “Onde você deixou?” E eu: “No hotel, na minha mala ou algo assim.” John retrucou: “Ah, bobo.”

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Quer dizer, é bom ouvir quem nós éramos. São histórias pequenas, mas estão no contexto dos nossos feitos, esses detalhes se tornam muito interessantes.

Rubin: Como fãs, queremos saber o máximo possível. Essa é a realidade. Se você ama algo, quer saber o máximo possível. Especialmente quando as informações são limitadas. São 13 discos e é isso. Qualquer informação além só pode ser um presente de Deus. Sempre colecionei todos os remixes e gravações de estúdio dos Beatles, todo rascunho, porque é como o Apócrifo. 

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McCartney: Essa é a parte boa de Get Back, do Peter Jackson. Ele é muito cuidadoso, então dá para ver tudo na íntegra, os momentos calmos. Ele fez uma edição de 80 horas. Por ser muito respeitoso, manteve todos esses momentos. Com certeza alguns fãs vão querer o filme completo, com 80 horas.

[Rick e o entrevistador levantam as mãos]

Rubin: Dois desses fãs bem aqui.

McCartney: Mas como você disse, Rick, é um trabalho com estoque limitado. Sempre gostei disso nas artes de Picasso. Ele começou e terminou. Você pode olhar e gostar mais do período zul em comparação ao cubista. Bom, gosto de tudo porque é Picasso. Até mesmo um pequeno rabisco. É assim com os Beatles, imagino.

Rubin: Todas essas pequenas pistas ajudam a explicar. Às vezes, o fragmento, o rabisco de Picasso, explica algo impossível de perceber nas pinturas.

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McCartney: Sim. Em Get Back, naquele show no terraço, há um momento quando John não lembra a letra da música. Anda de um lado para o outro e alguém sentado próximo aos pés dele entrega uma folha com a letra. Aquilo é ótimo - mostra vulnerabilidade. Mostra a disposição de se mostrar vulnerável, mesmo sendo filmado. Todos esses momentos contribuem para entender John. É assim com todos os acontecimentos pelos quais passamos como uma banda. É apaixonante ter esses pequenos detalhes.

Estou constantemente dizendo isso para Nancy [esposa dele]. Quando nos conhecemos 10 anos atrás - você consegue acreditar? Dez anos! Mas quando nos conhecemos, ela disse: “Saí para ver minha irmã. Foi bom.” Respondi: “Quero detalhes. Você saiu para ver sua irmã. O que aconteceu? Vocês comeram algo? Você disse algo? Quero detalhes!” Isso acontece, eu acho - você quer todo detalhe da história. Só Deus sabe quantos há, cara, e - por sorte - consigo lembrar de muitos.

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Rubin: A quantidade de filmagem é incrível. Quando vi pela primeira vez [The Beatles] Anthology  (2000), fiquei maluco com quantas filmagens existem, quando ninguém tinha uma câmera no bolso. Como isso é possível? Como pode existir algo assim? É inacreditável.

McCartney: Há tanto por aí ainda. Uma das razões para os Beatles continuarem, para mim, é porque você continua descobrindo detalhes. Sempre penso que as pessoas já ouviram todas as histórias. Conforme fico velho, penso: “Estou repetindo todas as minhas histórias?” Mas racionalizo, só há uma resposta para a pergunta: “Como você conheceu John?” Não posso criar outro encontro. Posso tentar, talvez, explicar como nos conhecemos de uma forma um pouco diferente. Mas ainda vou conversar com alguém e a pessoa vai falar: “Você sonhou com ‘Yesterday’?” Então, conto a história de novo, mas tenho dúvidas: “Você realmente não sabia disso?”

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Nem todos ouviram. Conforme avançamos, pessoas jovens se aproximam, tem muitas histórias nunca ouvidas por eles. Esse é um dos grandes pontos de 3, 2, 1. Estava com Richard Prince ontem, ele é um cara da música e disse: “Uau, cara. ‘Come Together.' Mal consigo acreditar que você deixou a música mais devagar!

É algo fascinante. Foi um grande prazer conversar com Rick. Poderíamos fazer isso por horas. Nem cheguei a pedir: “Rick, conte-me sobre a Def Jam, o primeiro disco produzido, conte sobre aquela sessão de gravações.” Quem sabe na próxima.

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