Adicionada à setlist de McCartney na passagem da turnê Got Back pela América do Sul, 'Now and Then' carrega show com ineditismo emocionante
O retorno de Paul McCartney a São Paulo com a turnê Got Back, menos de um ano após sua última passagem pela cidade deu aos fãs paulistanos duas raras oportunidades - a de conferir a evolução de uma mesma megaturnê internacional; e a ser uma das primeiras audiências a conferir ao vivo uma nova faixa dos Beatles.
À primeira vista, "Now and Then" pode parecer destaque menor de um espetáculo com seis décadas de clássicos. Do início com "Can't Buy Me Love", passando pela elevação de Paul em "Blackbird", até a explosão pirotécnica de "Live and Let Die", o cantor de 82 anos não deu descanso para o público de um Allianz lotado, sempre o respondendo a plenos pulmões. E então entra a nova faixa e o volume da plateia abaixa em atenção.
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Lançada há menos de um ano, em novembro de 2023, "Now and Then" vem sendo chamada de "a última música dos Beatles" desde que saiu. Feita a partir de uma fita demo gravada por John Lennon em 1977, ela foi entregue em 1994 a Paul McCartney pela viúva de John, Yoko Ono (na mesma fita, Lennon ensaiara as já lançadas "Free as a Bird" e "Real Love"). Em 1995, McCartney começaria a trabalhar com os outros dois Beatles, George Harrison e Ringo Starr na gravação incompleta e poluída de Lennon, mas as condições técnicas da época acabariam tornando difícil a gravação dessa faixa. "George não gostou", disse Paul à revista Qem 1997.
Foram necessários outros 20 anos para que "Now and Then" fosse revisitada. Agora com novos personagens em cena - incluindo o diretor Peter Jackson, que trabalhava com técnicas avançadas de restauração na série The Beatles: Get Back, e o filho de John, Sean Lennon, que entrou com uma cópia digital melhor preservada da gravação. Adicione a guitarra registrada pelo agora saudoso George em 1995; mais as participações de Paul e de Ringo que completam a composição da faixa e, voilá, os Beatles têm uma música inédita.
"Now and Then", no entanto, jamais tinha sido tocada ao vivo até o concerto de McCartney pela mesma Got Back Tour em Montevidéu, no Uruguai, no início deste mês. Desde então, virou presença fixa na setlist brincalhona do Beatle, que sempre encaixa uma velha novidade em seus shows.
Longe do entusiasmo dos primeiros sucessos dos Beatles, "Now and Then" é tocada no show logo após "Here Today", canção que Paul usualmente dedica à memória de Lennon em seus concertos. Diferente de "Here Today", no entanto, ela renova o pacto criativo de uma das maiores duplas de compositores da música contemporânea - sem esquecer, claro, da participação sempre talentosa e fundamental de Harrison e Starr.
Em um momento agridoce, os telões do show reúnem os quatro Beatles em idades diferentes no clipe da música (assista abaixo), com John e George mais novos e Ringo e Paul mais velhos. A nostalgia fantasmagórica que toma o estádio de assalto encontra eco na letra - uma ode à saudade, ao olhar do presente para o passado: "Now and then / I miss you / Oh, now and then / I want you to be there for me" ("Agora e antes / Sinto sua falta / Oh, agora e antes / Quero que esteja lá por mim").
O show de quarta-feira (16) em São Paulo ainda teve outros momentos para lá de marcantes, engraçados e emocionantes - incluindo a sempre romântica homenagem à esposa Nancy Shevell, que acompanhava o show da plateia; ou a adição de "All My Loving" na setlist das turnês pela primeira vez desde 2019, de acordo com o setlist.fm. Mas, ao incluir performance de "Now and Then" à apresentação, Paul McCartney fez o que, para uma geração, parecia impossível - contemplar o aparente infindável legado dos Beatles como se fosse a primeira vez.