FIM DA LINHA

Planet Hemp diz ‘adeus’ e deixa queimar até a última ponta [ENTREVISTA]

Uma das bandas mais incendiárias do Brasil resolveu apagar a chama e sair de cena — agora, os maconheiros mais famosos do país nos contam as razões e revisitam toda a sua carreira

Igor Miranda (@igormirandasite)

Planet Hemp em 2025 (Foto: Wilmore)
Planet Hemp em 2025 (Foto: Wilmore)

*Entrevista publicada na edição setembro/2025 da Rolling Stone Brasil, compre em LojaPerfil.com.br |
A questão “por que parar com o Planet Hemp?”, após uma turnê de despedida entre setembro e novembro com algumas datas realizadas pela 30e, até iniciou o bate-papo de Marcelo D2 (voz), BNegão (voz), Pedro Garcia (bateria) e Daniel Ganjaman (guitarra/teclado) com a Rolling Stone Brasil. Mas nem precisou de tanta explicação. A justificativa é coerente e envolve uma palavra sequer registrada em dicionário.

“Tem um nível de ‘confrontabilidade’ que abaixa com a idade”, explica D2, que hoje tem 57 anos, mas formou o grupo quando tinha por volta de 25. “Não queremos mais tanta guerra. E o Planet precisa de sangue nos olhos. Não quero que a banda amoleça e vire cover de si. Gostaria que a banda estivesse agora no Planalto, tirando aqueles caras acampados, tocando lá na porta e tacando fogo neles. Não tenho mais idade pra isso.”

Até o momento, não houve sinal de amolecimento por parte do grupo carioca, completa por Nobru (guitarra) e Formigão (baixo). Mas a intenção é justamente preservar o que foi construído até aqui. “Posso listar 100 razões para o fim, muitas delas de cunho pessoal. Até falamos: vamos acabar o Planet e montar outra banda com outro nome e os mesmos integrantes. Continuamos fazendo som. Mas deixa o Planet Hemp quieto”, emenda o cantor de nome real Marcelo Maldonado Gomes Peixoto.

Mais um capítulo de uma trajetória onde seus membros sequer tiveram escolha. Se não há opção racional para o momento a não ser parar, também não havia decisão no início que não fosse apostar todas as fichas em uma banda que, por N razões, tinha tudo para não vingar.

“‘Escolhemos’ sem ter para onde ir”, pondera BNegão, nome artístico de Bernardo Ferreira Gomes dos Santos, hoje com 51 anos. Ele completa:

“É diferente de quando a galera realmente escolhe, quando está com as contas pagas, lugar para morar… éramos o oposto. Marcelo estava sem casa e eu estava para ficar sem casa. Todo mundo fodidaço, sem perspectiva. E ainda acreditamos que tínhamos que fazer aquilo, sem padrinho, nada. Era só uma vontade maluca que vinha do coração — e ela nos trouxe até aqui.”

Planet Hemp em 2025 (Foto: Wilmore)
Planet Hemp está na edição de setembro/2025 da Rolling Stone Brasil; revista está à venda no site lojaperfil.com.br (Foto: Wilmore)

“Isso é o meu compromisso”

Planet Hemp nasceu em 1993, no Rio, da parceria entre D2 e Skunk, ambos rappers, mas, ao mesmo tempo, fãs de rock — e dispostos a defender a legalização da cannabis nas letras. Formigão e os hoje ausentes Rafael Crespo (guitarra) e Bacalhau (bateria) completavam a formação, que logo teve uma baixa: no ano seguinte, Skunk faleceu em decorrência da aids.

BNegão, que já havia entrado em cena antes da perda, relembra:

“Comecei a fazer show do Planet com o Skunk me ligando e falando: ‘Não consigo fazer tal show, tô com tuberculose’. Ele falava que era isso. Até que ele falou: ‘Tô de saco cheio da parada, você tinha que entrar’. Falei: ‘Tá maluco’. Ele queria me colocar, sem falar que sentia que já estava indo embora. Como ele viu que não colou, propôs fazer três vocais. Fizemos um show assim abrindo para o DeFalla no Circo Voador e foi do caralho.”

A permanência de Bernardo, à época envolvido com outros projetos, foi fundamental para a continuidade do Planet, que assinou com a Sony e lançou, em 1995, o álbum Usuário. Marcelo, em momento descrito pelo próprio como “sessão de análise”, reflete:

“O Bernardo tem uma coisa que às vezes irrita, mas é algo foda: ele se compromete com todos. Ele não precisaria ter feito esse compromisso, mas ele assume, ajuda. Ele disse: ‘Não posso deixar esse disco não existir’. Abraçou o Planet Hemp como se fosse dele — agora é, mas na época não era a banda dele.”

Com 150 mil cópias vendidas — fora as pirateadas —, Usuário carrega hits como “Mantenha o Respeito”, “Legalize Já” e “Dig Dig Dig”. Ao mesmo tempo, segundo os integrantes, apresenta um som pouco refinado. “Foi a primeira vez que escrevi rap na vida. Nem sabia que rap era 16 barras [compassos]. Sei lá! Eu saía escrevendo e quando achava que tinha que parar, parava”, conta D2, arrancando risos de Ganjaman.

“Vocês se meteram numa grande encrenca”

A história de Os Cães Ladram mas a Caravana Não Pára (1997), álbum seguinte, começa em abril de 1995, quando Planet Hemp abriu para os Beastie Boys no Rio. Um dos técnicos de som era o próprio produtor do grupo americano na época, o brasileiro Mário Caldato Jr. A trupe o convenceu a gravar o disco sucessor de Usuário. Com maior orçamento, investiram em instrumentos e, consequentemente, enriqueceram o som.

“Nossa discoteca também ficou maior”, complementa D2. “Antes, tínhamos dois ou três discos. Passamos a ter coleção do Parliament-Funkadelic, James Brown… foi o momento mais intenso da minha vida em termos de descobrir música”. Além disso, destacou o “senso comunitário” aflorado naquele período, com as diversas participações especiais no material.

E a história de Os Cães Ladram mas a Caravana Não Pára também não se encerra no estúdio ou no palco. Foi na turnê desse álbum que a banda foi presa por apologia às drogas — mais especificamente após show em Brasília, em novembro de 1997. BNegão saiu ileso, porque, à época, dividia agenda com o Funk Fuckers. O título do álbum, vindo de frase do colunista social Ibrahim Sued, parecia até prever o que aconteceria. “Ri da frase, mas fiquei com ela na cabeça e falei: é o que tá acontecendo com a gente. Começávamos a ser perseguidos. E a gente queria esticar a corda. Muita audácia”, afirma D2.

Nesse cabo de guerra, as autoridades perderam. Os músicos acabaram soltos após cinco dias e levaram sua pauta para o noticiário geral. Entrou na boca do povo. Por linhas tortas, atingiram o objetivo de Skunk lá atrás: travar uma batalha ao incorporar política a todo tipo de debate. Como curiosidade, o juiz Vilmar José Barreto Pinheiro, responsável pelo mandado de prisão, foi condenado à aposentadoria compulsória em 2013 por receber dinheiro para liberar um… traficante.

O circo armado em torno do Planet era reflexo de sua popularidade. “Ficamos com um tamanho gigantesco, a ponto de dar problema por isso. Entrou no radar dos juízes, polícia… ficou tão grande que fez mal”, avalia BNegão, que sempre define o grupo como “uma banda underground que habita o mainstream”.

Planet Hemp em 2025 (Foto: Wilmore)
Planet Hemp em 2025 (Foto: Wilmore)

“Permanentemente topando com a encruzilhada”

Com as entradas de Pedro Garcia e Daniel Ganjaman, A Invasão do Sagaz Homem Fumaça (2000) serviu como resposta dada pelo Planet Hemp à prisão. Ganja aponta o crescimento do grupo não apenas por ter estúdio próprio para gravar — “sem taxímetro” —, como também por toda a polêmica ocorrida. “A prisão mexeu muito com a construção das músicas, das letras, da temática. Também continua a ‘esticar a corda’, porque esse disco é uma provocação do começo ao fim. Se achavam que o Planet amansaria, não rolou de jeito nenhum”, comenta.

D2 não discorda quando Daniel brinca que Invasão é o melhor álbum do Planet Hemp. “Ali estamos num auge criativo”, declara. “Estamos adultos, o papo é mais reto, seja musicalmente ou nas letras. Ter o estúdio foi importante, pois lapidamos e regravamos músicas.” Vem desse trabalho canções como “Ex-Quadrilha da Fumaça”, “Contexto” e “Stab”.

Mas a caravana iria parar. Em 2001, Planet encerrou atividades em meio ao foco de Marcelo à sua carreira solo e divergências internas. Hoje, D2 reconhece:

“Nunca é fácil fazer disco do Planet. Sempre tem drama. Ou o Skunk morre, ou alguém tem familiar morrendo, ou a gente briga, ou ninguém quer fazer e de repente todos querem. No Invasão, tinha certa tristeza com nossa prisão. Achávamos que o Brasil era outra coisa, mas até hoje a coisa só piora. Planet Hemp é onde mergulho minha utopia de um mundo melhor. Talvez nesse disco tenha rolado o choque de realidade: ‘Não será essa facilidade que vocês pensam’.”

“Sei da força da canção”

Após um show pontual em 2010 e uma reunião entre 2012 e 2016, o retorno definitivo do Planet Hemp se deu em 2018 — curiosamente, ano em que Jair Bolsonaro foi eleito presidente. Os shows ainda focavam nos hits antigos até que, nas palavras de D2, “Pedrinho encheu a porra do saco” para gravar um álbum. Depois, falando sério, diz: “Resolvemos gravar por conta do governo Bolsonaro. Tínhamos que participar da discussão”.

Pedro comenta: “Nos 20 anos desde o Invasão, aprendi a ser produtor e a gravar. Depois da conquista de conseguir botar todo mundo no estúdio, falei: ‘E agora? 20 anos depois, será que vai rolar essa banda de novo?’”. O resultado é Jardineiros (2022), álbum final do Planet, responsável por render a eles dois prêmios no Grammy Latino de 2023. “Viramos a banda que ganha prêmio”, brinca BNegão.

As gravações começaram antes da pandemia, mas tiveram de ser interrompidas devido à covid-19. “Além dos vermes, germes”, crava Marcelo, que também explicou uma mudança de conceito sugerida por BNegão: antes, as músicas seriam todas distópicas, mas logo ganharam, também, um caráter de acolhimento e reconstrução.

Os músicos reconhecem que não foi fácil gravar Jardineiros, pois todos estavam “enferrujados”. Mas foi um trabalho tão importante a ponto de permitir que o Planet possa, nas palavras de Marcelo, “acabar em paz”.

Planet Hemp em 2025 (Foto: Wilmore)
Planet Hemp em 2025 (Foto: Wilmore)

Informações sobre os shows de despedida

Veja abaixo a agenda com os demais shows da turnê de despedida do Planet Hemp, já iniciada:

  • 12/10 – P12 (Florianópolis)
  • 17/10 – Goiânia Arena (Goiânia)
  • 18/10 – Arena BRB (Brasília)
  • 31/10 – BeFly Hall (Belo Horizonte)
  • 08/11 – Farmasi Arena (Rio de Janeiro)
  • 15/11 – Allianz Parque (São Paulo)
  • 13/12 – Rio de Janeiro (Fundição Progresso)

Rolling Stone Brasil: Avenged Sevenfold, Planet Hemp e mais

A nova edição da Rolling Stone Brasil traz uma entrevista com o Planet Hemp a respeito da turnê de despedida, repassando toda a sua carreira com os álbuns comentados e muito mais. Também há um bate-papo exclusivo com os cinco integrantes do Avenged Sevenfold às vésperas de seus maiores shows solo no Brasil e muito mais. Compre pelo site da Loja Perfil.

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Igor Miranda é jornalista formado pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU) e pós-graduado em Jornalismo Digital. Começou em 2007 a escrever sobre música, com foco em rock e heavy metal. É colaborador da Rolling Stone Brasil desde 2022 e mantém o site próprio IgorMiranda.com.br. Também trabalhou para veículos como Whiplash.Net, revista Roadie Crew, portal Cifras, site/canal Ei Nerd e revista Guitarload, entre outros. Instagram e outras redes: @igormirandasite.
TAGS: BNegão, daniel ganjaman, Marcelo D2, Planet Hemp