Guitarrista alega ter sido expulso de sua própria banda e roubado assim que tomou decisão de se aposentar das turnês; grupo se explicou em comunicado
Publicado em 10/04/2023, às 17h57
Muitos fãs de Mötley Crüee até um ex-integrante da banda, o vocalista John Corabi, estranharam quando o guitarrista Mick Mars anunciou sua aposentadoria dos palcos. Não exatamente pelo fato em si — o músico tem 71 anos e lida com uma doença degenerativa chamada espondilite anquilosante desde a juventude —, mas pela forma como a situação se deu.
À época, Mars e Crüe soltaram comunicados distintos sobre a decisão. O guitarrista falava em apenas se retirar dos palcos, permanecendo no grupo para gravações, enquanto seus colegas noticiavam uma aposentadoria permanente.
Carmine Appice, baterista consagrado pelo trabalho no Cactus e Vanilla e amigo pessoal de Mick, chegou a dizer em entrevistas que o agora ex-integrante estava chateado e irritado com seus antigos colegas. O músico não queria voltar a fazer longas turnês e estava incomodado com o alegado uso de playback nos shows.
Tudo parecia estar muito estranho. E estava mesmo: na última semana, foi revelado que Mick Mars está processando o Mötley Crüe. O guitarrista afirma ter sido excluído por completo do grupo e garante que uma parte de seus lucros enquanto sócio foram roubados.
Antes, vale recordar o histórico do próprio Mötley Crüe. A banda realizou uma turnê de despedida em 2015, garantindo que iria se aposentar logo no primeiro dia de 2016. Mick Mars, o vocalista Vince Neil, o baterista Tommy Lee e o baixista Nikki Sixx chegaram a assinar um contrato público de que nunca iriam voltar.
No fim das contas, eles próprios rasgaram esse contrato anos depois. Em 2019, com o sucesso da cinebiografia The Dirt (disponível na Netflix), decidiram retomar as atividades e fazer uma turnê somente em estádios, não por acaso chamada The Stadium Tour, acompanhados de Def Leppard,Poison e Joan Jett & the Blackhearts.
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A pandemia atrasou os planos, mas em 2022, enfim, eles caíram na estrada. Fizeram uma das turnês mais lucrativas do ano, com datas somente nos Estados Unidos. Foram ventilados planos de expandir o giro para outros continentes e assim foi feito, inclusive com uma passagem pela América do Sul em março último. Contudo, sem Mick: o guitarrista anunciou sua aposentadoria em outubro de 2022, tendo John 5 (Rob Zombie, Marilyn Manson) confirmado em sua vaga.
De acordo com veículos que tiveram acesso à ação, como a Variety e o TMZ,Mick Mars alega ter sido expulso do Mötley Crüe e roubado em termos financeiros. O músico garantiu que havia se retirado apenas das turnês, podendo gravar em estúdio e realizar shows esporádicos com a banda. Porém, em uma decisão apontada como “unilateral”, os demais integrantes (Vince Neil, Nikki Sixx e Tommy Lee) optaram por removê-lo.
Diante de seu afastamento, sua parcela nos lucros foi cortada de 25% para 5%. Além disso, segundo o TMZ,Mick aponta que “os advogados da banda o fizeram sentir que deveria ser grato até mesmo por aquela pequena fatia, porque eles não achavam que lhe deviam nada”.
No processo, o guitarrista pede que todos os livros de contabilidade do Mötley Crüe sejam disponibilizados para ele. Dessa forma, seria possível conferir se está deixando de receber algo que é devido.
O longo texto judicial apresentado pelos advogados de Mick Mars detalha uma série de alegadas práticas internas que serviriam para “diminuir” a importância do músico ao Mötley Crüe. Em parte de sua argumentação, o guitarrista alega que Nikki Sixx praticava “gaslighting” (forma de abuso psicológico na qual informações são distorcidas, seletivamente omitidas ou inventadas para fazer a vítima duvidar de si) contra ele, especificamente no que diz respeito à sua habilidade na guitarra. O texto da ação (via site Igor Miranda) diz:
“Durante a maior parte da atividade recente da banda, Sixx continuamente praticou ‘gaslighting’ contra Mars, dizendo que ele [Mars] tinha algum tipo de disfunção cognitiva e que seu jeito de tocar guitarra estava abaixo da média, alegando que Mars esquecia os acordes das músicas e às vezes começava a tocar as músicas erradas durante os shows.”
No processo, Mars afirma que não faz sentido Sixx declarar algo do tipo, pois o colega “não tocou uma nota sequer no baixo” durante a recente turnê “The Stadium Tour”, tendo em vista que o material teria sido todo pré-gravado. E sobrou também para os outros colegas, Vince Neil e Tommy Lee.
“Na verdade, uma parte significativa dos vocais de [Vince] Neil também foram pré-gravados. Mesmo algumas das partes da bateria de [Tommy] Lee eram gravações. Alguns fãs chegaram a notar que Lee estava caminhando em direção a sua bateria quando ouviram sua parte de bateria começar em um show.”
Ainda de acordo com Mick Mars, uma reunião emergencial com acionistas do Mötley Crüe foi convocada para expulsá-lo. A partir daqui, deve-se entender a banda como uma empresa — e dona de outras empresas responsáveis por gerir seus bens, como direitos autorais (o Crüe tem os direitos sobre seu próprio catálogo), turnês e por aí vai.
“Como os irmãos de 41 anos de Mars responderam ao trágico anúncio de Mars [sobre abandonar a estrada]? Eles fizeram uma reunião emergencial de acionistas para a principal entidade corporativa da banda, a fim de expulsar Mars da banda e demiti-lo como diretor da corporação, além de tirar suas ações da empresa. Como ele não aceitou, eles pretendiam demiti-lo de outras seis empresas da banda e LLCs.”
Horas após o processo tornar-se público, os remanescentes do Mötley Crüe emitiram uma nota (via site Igor Miranda)para negar as acusações feitas por Mick Mars. A banda confirma ter reduzido sua parte nos lucros, mas diz que isso era previsto em contrato. Também são apontadas razões de saúde até mesmo mental para apontar que o artista vinha causando problemas para os colegas.
“Em 2008, Mick votou e assinou um acordo no qual ele e todos os outros membros da banda concordaram que ’em nenhum caso qualquer acionista renunciante terá direito a receber qualquer dinheiro atribuível a apresentações ao vivo (ou seja, turnês)’. Após a última excursão, Mick renunciou publicamente ao Mötley Crüe. Apesar do fato de que a banda não devia nada a Mick – enquanto ele devia à banda milhões em adiantamentos que não pagou –, foi oferecido um pacote de compensações para honrar sua história. Manipulado por seu empresário e advogado, Mick se recusou a aceitar e optou por entrar com esse terrível processo.”
Vince Neil, Nikki Sixx e Tommy Lee também nagaram fazer playback nos shows. Eles alegam que Mars estava se esquecendo de como tocar as músicas ao vivo e tinha sua performance comprometida.
“O Mötley Crüe sempre toca suas músicas ao vivo, mas durante a última turnê Mick sofreu para lembrar acordes, tocou as músicas erradas e cometeu equívocos constantes, que levaram à sua saída. Existem várias declarações da equipe técnica atestando seu declínio. A banda fez de tudo para protegê-lo, tentou manter esses assuntos privados para honrar o amor ao legado de Mick e seguir o caminho certo. Infelizmente, Mick optou por abrir este processo para falar mal de todos. A banda sente empatia por Mick, deseja-lhe felicidades e espera que ele possa obter uma melhor orientação de seus conselheiros que são movidos pela ganância.”
O comunicado também apresenta relatos de membros da equipe técnica do grupo, confirmando o que foi dito pelos protagonistas. Um dos funcionários é Robert Long, gerente de produção desde 2007, que declarou (via site Igor Miranda):
“Quando Mick estava desconectado, toda a banda sofria. A performance dele durante a ‘The Stadium Tour’ foi impraticável e muito difícil de gerenciar. Começou nos ensaios em abril de 2022. Mick sempre esquecia acordes e músicas, então a banda tinha que parar e ensinar novamente essas partes para Mick para lembrá-lo dos arranjos. Os problemas continuaram durante a turnê. Errava notas, tocava desafinado, acordes errados durante uma música, entrava no refrão de uma música e nunca mais saía, esquecia a música que estava tocando e começava outra… Isso acontecia em todos os shows. Nosso engenheiro de reprodução colocava pistas para que Mickse mantivesse no curso, mas ele as perdia.”
Enquanto isso, o Crüe segue em atividade com John 5 na guitarra. As próximas apresentações acontecem na Europa, entre os meses de maio e julho.
Igor Miranda é jornalista formado pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU) e pós-graduado em Jornalismo Digital. Desde 2007 escreve sobre música, com foco em rock e heavy metal. Colaborador da Rolling Stone Brasil desde 2022, mantém o site próprio IgorMiranda.com.br. Também trabalhou para veículos como Whiplash.Net, portal Cifras, site/canal Ei Nerd e revista Guitarload, entre outros. Instagram, X/Twitter, Facebook, Threads, Bluesky, YouTube: @igormirandasite.