Quando Mariah Carey gravou um disco grunge e quase se deu mal
Publicado em 09/10/2024, às 08h09
A história da música popular é cheia de álbuns perdidos. Projetos que nunca saíram do papel, não tiveram a divulgação adequada ou simplesmente foram rejeitados pela gravadora. Geralmente, esses trabalhos se tornam objeto de fascinação do público por talvez apresentar uma faceta nova de seus artistas preferidos. Entretanto, ninguém esperava um disco grunge de Mariah Carey.
Em seu livro de memórias, The Meaning of Mariah Carey, lançado em 2020, a cantora contou que se sentia sufocada na época das gravações do álbum Daydream (1995). Seu contrato com a Sony Music não lhe dava liberdade artística suficiente e seu casamento com Tommy Mottola, então CEO da gravadora, estava numa posição precária. Mariah escreveu sobre a época (via Rolling Stone EUA):
Eu estava explorando meu alcance musical, mas também estava cheia de raiva. Sempre foi um desafio para mim reconhecer e expressar insatisfação. Minha vida pessoal estava sufocante durante Daydream, e precisava desesperadamente de uma válvula de escape.”
Durante as gravações do álbum, ela e seus colaboradores resolveram então aliviar a tensão trabalhando em algo diferente. A cantora imaginou para si uma persona alternativa, inspirada em grunge e David Bowie. Ela teria cabelos escuros, um visual gótico e faria canções ridículas cheias de letras torturadas. Tratava-se explicitamente de uma paródia. Mariah explicou o raciocínio por trás da ideia (via Rolling Stone EUA):
“Rock alternativo era um gênero tão popular na época, então pensei: ‘Bem, temos uma banda completa aqui, vamos só fazer algo e eu invento alguma besteira pra cantar’.”
O relato foi corroborado por Dana Jon Chappelle, engenheiro de som que trabalhou com a cantora de 1991 a 2005. Todos os dias à meia-noite, o foco de trabalho mudava do álbum encomendado pela gravadora para esse projeto paralelo. O programador Gary Cirimelli assumia a guitarra, o produtor/compositor Walter Afanasieff ia para bateria e teclados, e um integrante da equipe de administração de Mariah tocava o baixo.
Além disso, Carey recrutou a amiga ClarissaDaneDavidson para gravar vocais com ela, na busca de dar uma dimensão diferente ao som. Ela escreveu em The Meaning of Mariah Carey (via Ultimate Guitar) sobre como essa brincadeira se tornou sua parte preferida das sessões de Daydream:
Eu mal podia esperar pra fazer as sessões do alter-ego depois de gravar Daydream toda noite.”
O resultado dessas sessões foi Someone’s Ugly Daughter, creditado ao nome Chick. A Sony Music não gostou nada da brincadeira, com Mariah escrevendo em seu livro de memórias (via Ultimate Guitar):
Eu arranjei muito problema ao fazer esse álbum – o disco alternativo – porque na época tudo era super controlado pelas pessoas no comando.”
Eventualmente, a gravadora – comandada pelo então marido da cantora – concordou em lançar o álbum. Someone’s Ugly Daughter saiu em 1995, mas crucialmente com os vocais de Mariah removidos da versão final. Clarissa se tornou o rosto e voz do projeto, aparecendo até em clipes oficiais.
Daydream, por sua vez, foi lançado em setembro de 1995 e se tornou um dos álbuns mais bem-sucedidos da história, com mais de 20 milhões de cópias vendidas e hits do porte de “Fantasy”, “One Sweet Day”, “Open Arms”, “Always Be My Baby” e “Forever”. Três anos depois, Mariah Carey se divorciou de Tommy Mottola após cinco anos de casamento. Seu primeiro disco após a separação, Rainbow (1999), viu a cantora expressar maior liberdade artística na forma de colaborações com rappers e artistas pop.
Crucialmente, o trabalho também viu a aparição de um resquício do passado. O clipe de “Heartbreaker” mostra a cantora interpretando dois papéis: si mesma e Bianca, a mesma persona alternativa criada durante as gravações de seu álbum grunge. Seu alter-ego fez outras aparições em vídeos ao longo dos anos, tornando-se figura conhecida entre fãs.
Quanto à versão de Someone’s Ugly Daughter com seus vocais intactos, Mariah revelou durante uma aparição em 2022 no podcast Music Now da Rolling Stone EUAque encontrou as fitas originais e planejava lançar o álbum restaurado. Além disso, disse que o projeto pode ganhar uma continuação com a colaboração de outro artista misterioso.
Colaborou: Pedro Hollanda.
Igor Miranda é jornalista formado pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU) e pós-graduado em Jornalismo Digital. Desde 2007 escreve sobre música, com foco em rock e heavy metal. Colaborador da Rolling Stone Brasil desde 2022, mantém o site próprio IgorMiranda.com.br. Também trabalhou para veículos como Whiplash.Net, portal Cifras, site/canal Ei Nerd e revista Guitarload, entre outros. Instagram, X/Twitter, Facebook, Threads, Bluesky, YouTube: @igormirandasite.