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Sebastianismos transformou dores e aflições da pandemia em disco punk rock repleto de emoção [ENTREVISTA]

Sebastianismos revisitou as origens do rock latino-americano e transformou as angústias do isolamento social em música

Mariana Rodrigues (sob supervisão de Yolanda Reis) Publicado em 24/08/2021, às 21h20

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Sebastianismos (Foto: Divulgação/Rodrigo Gianesi)
Sebastianismos (Foto: Divulgação/Rodrigo Gianesi)

Com inspirações do rock latino-americano, Sebastianismos mergulhou nas dores, angústias, medos e todos os sentimentos da pandemia para produzir o segundo disco solo, Tóxico(2021). O integrante da Francisco, el Hombre se dedicou praticamente dia e noite nas dez faixas que finalmente traduzem quem ele é: "Precisava de um primeiro disco que dissesse quem sou e não apenas um exercício de botar músicas para fora sabe."

Em entrevista à Rolling Stone Brasil, explicou como resgastou as origens do pop punk para criar as 10 faixas que integram o álbum. "O rock é latino-americano," revelou cantor mexicano radicado no Brasil. Para o projeto, convidou diversos artistas - incluindo Lucas do Fresno e a esposa Helen Malfeitona - para abraçar a arte em canções profundas, emocionantes e perfeitas para extravasar todas as aflições de um último ano mais complicado do que o normal.

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Como forma de recomeçar após a perda de um amigo próximo e de colocar no papel tudo que estava sentindo, Sebastián Piracés-Ugarte se jogou na estética tropikal punk e levou a todos para o início dos anos 2000, revisatando a música emo nacional. Tóxico chega as plataformas de streaming nesta quarta, 25 de agosto. Para compreender de onde vem as composições de Sebastianismos, confira o significado de cada faixa nas palavras do próprio artista.


"Tóxico"

"Se tem uma coisa que muitos de nós vimos nessa pandemia é um monte de série. Não podendo sair, trancado dentro de casa, mesmo quem não gosta de assistir série assistiu série. E sou muito fã de série de humor, sitcom, tipo The Office. Pensei, 'queria fazer uma trilha sonora para o meu disco como se fosse uma trilha sonora de abertura de série.' Então fiz essa música, a letra é 'tóxico, tudo é tão tóxico' repetida vezes 1000 e imaginava como se fosse a trilha sonora de abertura da série da minha vida, quando os atores aparecem várias posições pausadas. Enfim, essa é a ideia."

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"Não mudaria nada (feat. Badauí)"

"Quando começou a pandemia, fiquei feliz de ser obrigado a parar de tocar. Sem contar as coisas horríveis que estavam acontecendo no mundo, vinha de oito anos de turnê sem parar com a Francisco, el Hombre - minha banda - de turnês intensas, vivências muito intensas, muitos altos e muitos baixos. Estava exausto e não só eu, mas toda a Francisco estava exausta. Precisávamos de um respiro e a pandemia veio para nos dar essa oportunidade de parar pela primeira vez em oito anos e processar tudo que a gente fez, tudo o que aconteceu."

"Nos primeiros meses, primeiros dois meses, não nos falamos muito. A gente estava muito exausto um dos outros, estávamos cansados. [...] E chegou um momento que a gente decidiu se juntar depois de seis, sete meses sem se ver, sem se falar direito e todo mundo estava com medo desse encontro porque o nosso último encontro foi muito saturado, tanto que o Gomes, nosso baixista, tinha acabado de sair."

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"Nos encontramos e, para a surpresa de todo mundo, esse tempo de respiro onde cada um pôde processar as informações, pensar nas carreiras, inventar seus projetos solistas... Entender tudo isso resolveu tudo o que tinha de estresse entre a gente. [...] Demos um abraço e pensei, 'é isso mesmo, família é assim mesmo.' Estava cansado, estava muito sobrecarregado, muito estressado e muito exausto e infelizmente a gente acaba descontando nas pessoas mais próximas, todo mundo faz isso."

"Só que no final das contas, é essa a galera que me faz feliz, essa galera que posso estar no meu melhor, no meu pior jeito que sei que vai me apoiar. Pensei nessa frase, 'se depender de mim, eu não mudaria nada.' São os mesmos sorrisos, nos mesmos lugares, usando as mesmas drogas, rindo das mesmas piadas. Então para mim é sobre isso, a felicidade que foi poder reencontrar a Francisco depois de tantos meses separados."

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"SOS"

"Sou mexicano, passei boa parte da minha infância nos Estados Unidos e toda a minha vida, desde pequeno, nunca morei mais que dois anos em cada cidade. Sempre fui mudando de um lugar para outro, nunca tive raízes profundamente fincadas. Então a sensação de ser um estranho no ninho é uma coisa com o que cresci. Sempre fui estranho, esquisito... Na minha adolescência era o adolescente com camiseta de rock e cabelo no rosto."

"Nunca senti que encaixava, sempre me senti deslocado e às vezes me perguntava, 'de onde eu vim? Por que me sinto tão deslocado? Não é possível que eu seja desse planeta.' E é o que digo na letra, como se tivesse com me sentindo um peixe fora d'água só que em escala intergaláctica."

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"Ao mesmo tempo, quando era mais novo, tinha uns 15 anos, fui assistir um monólogo no México e nesse monólogo o ator falava sobre como nas noites que ele se sentia solitário, ele uivava pela janela na esperança de que alguém uivasse de volta. E para mim, essa é a ideia do refrão, porque eu falo, 'canto SOS, será que algum dos meus vai me ouvir? Cantando SOS sei que eu não sou sozinho aqui.' Então para que todo mundo que se sente deslocado, peixe fora do aquário em escala intergaláctica, saiba que tem alguém que também se sente assim."


"Jogo de azar (feat. Weks)"

"'Jogo de Azar' escrevi no meio do ano passado, logo depois de ficar sabendo que um amigo meu muito próximo morreu de covid-19, algo que me marcou muito porque foi do nada. Isso me fez pensar muito e escrevi metade do disco pensando, metade do disco da Francisco pensando nisso, tenho várias músicas que surgiram nesse momento. Em espanhol, azar não é necessariamente má sorte, azar é o caos. E aí foi uma falha minha de tradução, porque aqui falamos sorte como se fosse o caos do bem e azar como caos do mal, e no México o azar é a randomicidade, pode ser bom, pode ser ruim."

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"Então para mim, a vida é um jogo de azar, é um jogo de caos, é a imprevisibilidade. Mas estamos aqui e estamos vivos. Então na letra digo, 'quando a chuva deixar de molhar, quando o sol não queimar mais a pele, só então é que vou saber, que estou pronto para morrer, mas até lá é jogo de azar, é corre, cada um correndo atrás do seu, Deus dará sorte, e a sorte para quem tem coragem de arriscar.' É uma forma de dizer nada sei o que pode acontecer na vida, mas já que estamos aqui então que seja a viagem mais doida possível."


"Cicatriza (feat. Fresno)"

"Inicialmente, mandei uma música que chamava 'Tão Artificial’ para Lucas Fresno. Ele me devolveu uma semana depois com um arquivo chamado ‘Tão Artificial’ e quando dei o play no arquivo, tinha tudo menos a música que tinha enviado para ele. Ele deletou a música começou do zero. Achei muito boa a música, mas tinha algumas questões. Refiz umas coisas, mandei de volta para ele, começamos esse bate bola. É uma letra sobre superação. Sou muito fã de falar sobre cicatrizes porque caímos para levantar e nossas cicatrizes estão aí para nos lembrar de quem somos, do que já foi e do que gostamos de ser."

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"Não esquecemos os traumas, superamos eles. Pensei muito fazendo essa letra, não foi necessariamente para isso, mas me lembrou muito de algumas amizades, nem digo de apaixonado, mas de amizades mesmo. Amizades tóxicas, frustradas, que decidi afastar um pouco, que me machucaram muito e não lamento ter feito, muito pelo contrário, agradeço hoje por passar por isso, agradeço às minhas cicatrizes porque é graças a elas que estou hoje aqui."


"Todo Dia É o Fim do Mundo"

"Quem não se sente assim né? Todas as músicas foram escritas num mesmo intervalo de tempo e era um momento onde literalmente todos os dias estava acontecendo uma desgraça pior que a outra e não tinha sinal de melhora, e quando você achava que as coisas tinham estabilizadas algo vinha para te surpreender. E ficava cantando na minha cabeça essa frase, ‘preciso respirar um segundo, todo dia da semana é o fim do mundo.'"

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"Esse é um disco muito pandêmico e quando digo pandêmico é essa mistura de emoções que sentimos desespero, sensação de impotência, tristezas, depressões, ansiedade e medo que vem, mas também a saudade dos amigos. Vem tantas emoções antes, tantas emoções e não tem trégua nenhum segundo que 'Todo Dia É o Fim do Mundo' puxa para a próxima música. A última frase é ‘tem dias que sinto que dá porta pra fora tem um mundo inteiro feito bomba relógio.’ É porque é isso."


"Bomba Relógio"

"São músicas irmãs 'Todo Dia É o Fim Do Mundo' e 'Bomba Relógio.' Porque esse tumultuado de emoções que cada um de nós tem sentido nos últimos tempos, se você não surtou pelo menos uma vez nesses últimos dois anos tem algo errada com você. É como se fossemos uma panela de pressão onde todo dia o mundo continua piorando, coisas muito ruins, e de vez em quando pitadas de felicidade, de esperança, mas é tanta coisa acontecendo que às vezes não estava conseguindo aguentar, precisava respirar, porque se não sentia que iria explodir."

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"Era uma sensação de que  estava prestes a explodir e essa música escrevi logo depois de ter lançado 'Calma' que foi a música mais conhecida do meu primeiro disco e o refrão dessa música com Jaloo diz: 'E tá tudo bem, você está bem e eu também.’ E é uma música que dá uma mensagem necessária, é necessário às vezes a gente se olhar no espelho e falar ‘ei, respira, está tudo bem respira vai ficar tudo bem.'"

"Mas cantei tanto essa música, falei tanto isso para tantas pessoas que me intoxiquei dessa letra, dessa positividade tóxica e me senti envenenado de tanto ficar falando para os outros que está tudo bem sendo que por dentro sentia tudo menos isso. Então escrevi 'Bomba Relógio.'"

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"Hoje Eu Não Quero Ver Ninguém"

"É uma das letras mais curtas do disco e bem auto explicativa. É uma letra sobre aqueles dias que a gente acorda, o dia está cinza, não temos vontade de responder o WhatsApp, de abrir o celular, trabalhar... Quantos dias não tem que a gente não tem vontade de fazer nada? Só quero ficar em casa assistindo desenho animado, fumando maconha, dentro do meu quarto, tentando me desconectar do mundo real. E essa é a música, é o mantra dos introspectivos maconheiros."


"Se Nem Deus Agrada Todo Mundo Muito Menos Eu (feat. Malfeitona)"

"Estou numa relação incrível, casado com uma das artistas que sou mais fã na vida que chama Malfeitona. Malfeitona é para mim é uma heroína, uma pessoa que me inspira e admiro muito porque ela faz resignificar tudo na arte. Com o traço dela torto prova que a arte é algo tão impossível de definir. Ela é tão contra a cultura e admiro muito isso. Lembro que no começo da pandemia passei uns meses sem conseguir cantar porque estava muito aflito com tudo e ela sempre me deu muito apoio." 

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"Se ela sempre me apoiou com muitas questões e me ajudou a ter autoconfiança sobre a minha voz desafinada e autoconfiança sobre as minhas letras tortas e meus desenhos estranhos, ela também tinha um ponto difícil. O sonho de Helen Malfeitona nunca foi ser tatuadora. O sonho dela era ser rockstar. E ela tinha várias bandas quando era mais nova e cantou em várias bandas, mas nunca teve apoio familiar. As pessoas mais próximas, imersas naquelas relações jovens tóxicas que a gente tanto viveu não apenas desestimularam ela, mas destruíram qualquer sombra de autoconfiança e de altoestima em relação a isso."

"Via isso muito nela e sentia que queria muito poder fazer ela se sentir tão realizado quanto ela me faz sentir realizado. Escrevi me colocando na posição dela, porque falei para ela assim: ‘Não quero que você pense demais, quero que você bote para fora tudo o que está pensando agora.’ Então me coloquei na roupa dela e escrevi essa música mostrei, ela se identificou e falei, ‘oh, agora que você começa a ser rockstar. Vem encantar comigo?’"

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"E foi um trauma no começo quando ela cantava, chorava. É um trauma muito pesado, muito dentro dela e para mim, conseguir gravar essa música, que a letra fala isso tipo, ‘mal feito, sem graça, torto e desafinado, nada que eu faço parece suficiente,' ver ela cantando isso, da primeira vez que ela cantou na minha frente, tímida, sem conseguir olhar para a frente, para hoje ela pegando o microfone e cantar f*da-se... A música já é um sucesso por causa disso, porque consegui fazer parte dessa desse processo de empoderamento da minha maior referência."


"Indestrutível (feat. Faustino)"

"Pensando na narrativa do disco, onde você passa por coisas doentias, sãs, tóxicas, dores, superação, apatia... O disco é um disco de todas as sensações que a gente pode ter na pandemia, desde frustração, raiva até a vontade de ficar sem falar com ninguém, sumir do mapa, explodir, festar, saudades e no final das contas a gente está aqui. Para mim é isso. Que venha o mundo tóxico, mas não é um mundo tóxico que vai me derrubar. A gente pode estar nessa onda de azar, mas a gente vai ta surfando essa onda de azar. E para mim, é o ponto final desse disco. O mundo é tóxico, mas ele não vai me abalar porque sou indestrutível."

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