ENTREVISTA

Steven Wilson fala à RS sobre The Overview, insignificância humana, prog e Brasil

Músico voltou a explorar alguns elementos específicos do segmento progressivo em seu vindouro disco; tour com espetáculo imersivo será trazida a São Paulo

Igor Miranda (@igormirandasite)

Publicado em 07/03/2025, às 08h00 - Atualizado às 08h00
Steven Wilson em 2025 - Foto: Kevin Westenberg
Steven Wilson em 2025 - Foto: Kevin Westenberg

Imagine ficar encantado com o conceito de que somos insignificantes. De forma simplista, esta ideia levou ao nascimento de The Overview, novo álbum de Steven Wilson, que chega a público no próximo dia 14 de março via Fiction Records.

O oitavo álbum solo do músico britânico, conhecido também por ter liderado o recentemente reativado Porcupine Tree e pelos inúmeros trabalhos como produtor/engenheiro de som, nasceu a partir de uma conversa durante a qual aprendeu sobre o efeito perspectiva (overview effect). Trata-se de uma mudança cognitiva pela qual alguns astronautas passam durante viagens espaciais.

De forma resumida: ocorre quando tais viajantes veem a Terra pela primeira vez estando fora dela. Nesse momento, eles percebem o quão insignificante o planeta é em relação ao universo — e, por extensão, o quão ainda mais insignificante é a espécie humana sob o mesmo contexto.

Steven Wilson ao vivo com o Porcupine Tree em 2022
Steven Wilson ao vivo com o Porcupine Tree em 2022 - Foto: Paul Bergen / Redferns

Sendo alguém que acredita haver relação entre o cosmos e a criatividade, Wilson admirou não apenas o conceito em si, como também a dualidade das reações. Em entrevista à Rolling Stone Brasil, o músico de 57 anos refletiu:

“Algumas pessoas têm uma reação muito positiva a isso; outras reagem muito negativamente. Achei essa ideia fascinante. Tive toda a ideia, inclusive de fazer duas longas peças musicais, quase que no espaço de um momento. Nunca aconteceu comigo assim antes.”

Mas por que esta ideia é tão incrível para Wilson? Em sua visão, a espécie humana vive um momento de flagrante egoísmo.

“As pessoas precisam ser cada vez mais lembradas disso. Nos tornamos tão apegados aos nossos dispositivos digitais que paramos de olhar ao redor, para cima e para fora. Estamos muito ocupados olhando para dentro.”

Com pouco mais de 40 minutos de duração, The Overview é dividido, conforme antecipado, em duas faixas: “Objects Outlive Us” e a faixa-título “The Overview”. O material até se reparte em subfaixas, mas são nítidos os dois “blocos” que se diferem a partir da seguinte ideia: o primeiro representa uma espécie de história mais calorosa em que a humanidade está no processo de deixar o planeta, enquanto o segundo seria como uma trama espacial, mais fria e distante. “É sobre ciência: o universo em si e a ciência dele”, complementa o artista.

“De volta ao prog”

Steven Wilson fez carreira no rock/metal progressivo junto ao Porcupine Tree, banda que construiu um apelo cult nas décadas de 1990 e 2000 com seu som atmosférico, recheado de camadas e um tanto melancólico. Em carreira solo, porém, o artista se desvencilhou deste segmento para flertar com subgêneros distintos: rock alternativo, pop progressivo, eletrônico, música ambiente, jazz fusion e por aí vai.

Por isso, surpreendeu quando The Overview foi anunciado como uma “volta ao prog”. Na primeira audição, percebe-se que não é bem assim, já que o disco, inegavelmente, traz elementos sonoros que nunca saíram dos trabalhos de Wilson. Pertencem ao seu DNA, no fim das contas.

“Não fui eu quem escrevi que é uma ‘volta ao rock progressivo’, mas sim a ‘máquina’ da imprensa. É verdade dizer que é um retorno a uma abordagem conceitual mais longa para a música. Há duas peças muito longas aqui que se desenvolvem de maneiras inesperadas, mas todas as coisas que você associa ao meu som estão neste disco, do rock ao eletrônico, da música ambiente ao pop. Porém, o que mais associam com o retorno às ideias progressivas é retornar a uma abordagem mais épica de faixas longas, algo que não faço há algum tempo.”

Em sua avaliação, tudo está ligado à forma como a narrativa do álbum se desenvolve. Para ele, era necessário abordá-lo em um modelo que, sim, é amplamente associado ao progressivo. E como há menor uso de elementos eletrônicos, a conexão com o rock era inevitável.

“Precisava ser um romance, não um monte de contos ou poemas: algo longo, que me permita atravessar uma única obra de arte. Não me parecia certo escrever 10 músicas separadas de alguma forma.”
Steven Wilson ao vivo em 2018
Steven Wilson ao vivo em 2018 - Foto: Gus Stewart / Redferns

Redefinindo o solo de guitarra classic rock?

Ainda que desenvolva seus trabalhos solo de modo um tanto solitário, Steven Wilson costuma contar com o apoio de músicos diversos. Em The Overview, um dos instrumentistas ofereceu a ele os momentos que mais o surpreenderam.

“Bem no final do processo, pedi aos solistas para tocarem no disco: Randy McStine nos solos de guitarra e Adam Holzman nos solos de teclado. Eu me abri para ser surpreendido, pois não faz sentido colaborar com músicos se você não tem a mente aberta e se surpreende com o que recebe. E fiquei muito orgulhoso com os solos de Randy. Há alguns solos muito épicos.”

Uma passagem, em especial, pareceu ter deixado Wilson com o queixo caído. Ocorreu em “Heat Death of the Universe”, subfaixa que encerra a primeira parte do álbum. O britânico não se conteve e fez uma comparação ambiciosa.

“Particularmente no final do lado um do disco, há um solo de guitarra estendido de dois ou três minutos. Minha única instrução para Randy foi: ‘vamos reinventar a noção do solo de guitarra épico e estendido, não vamos fazer ‘Comfortably Numb’’ (Pink Floyd). Amo ‘Comfortably Numb’, acho o melhor solo de guitarra de todos os tempos. Mas já foi feito. Então, sugeri tentar encontrar uma nova maneira de abordagem com o mesmo senso de drama. Ele tentou e tivemos algo completamente novo para esse tipo de solo de guitarra estendido de classic rock old-school.”

Volta aos palcos — e ao Brasil

Steven Wilson não se apresenta ao vivo em carreira solo desde março de 2019, quando ainda promovia To the Bone (2017), seu quinto álbum. Não houve um afastamento definitivo dos palcos neste período, visto que ele realizou 38 apresentações — uma delas no Chile — com o Porcupine Tree entre 2022 e 2023. Todavia, o próprio admite que subir ao palco com o projeto que leva seu nome lhe oferece uma experiência diferente.

Em maio, o artista terá essa sensação novamente, pois dará início à turnê de The Overview na Europa. Percorrerá o continente até o mês seguinte, rumando para os Estados Unidos em setembro. Em outubro, será a vez de México, Brasil e Chile. Por aqui, a apresentação única acontece no Tokio Marine Hall, em São Paulo, no dia 17. Ingressos estão à venda no site Ticketmaster.

Steven Wilson em 2018
Steven Wilson em 2018 - Foto: David Wolff-Patrick / Redferns

Wilson explica que a recente falta de excursões solo ocorreu em função da covid e de suas consequências. O disco The Future Bites (2021) não foi levado à estrada pois saiu no meio da pandemia. Já o trabalho seguinte, The Harmony Codex (2023), teve sua turnê desconsiderada pois seu agente de turnês lhe disse que as casas de eventos do mundo todo “estavam reservadas pelos próximos dois anos, pois todos os artistas voltaram a se apresentar ao mesmo tempo”.

Sobre enfim retomar as viagens, ele refletiu:

“Muita coisa mudou desde a última turnê solo que fiz. Eu me casei, tenho filhos agora, o mundo inteiro mudou em muitos aspectos. Estou mais velho agora. Será muito interessante ver como é essa experiência para mim.”

Fãs que pretendem assistir ao seu show em São Paulo devem esperar uma experiência imersiva. The Overview será executado na íntegra, mas representará apenas uma parte do espetáculo.

“A América do Sul é um dos meus lugares favoritos no mundo. Tenho certeza de que você já ouviu isso muitas vezes de pessoas da Europa e de outros lugares, mas a paixão dos fãs sul-americanos é inigualável. O show será bem épico, visual e multimídia. A primeira metade será uma seção transversal de músicas de toda a minha carreira. Já a segunda metade do show terá The Overview por completo junto do filme que encomendei para acompanhar o álbum.”

Diversidade de público e auge criativo

Embora siga representado de modo majoritário como um artista de rock/metal progressivo, Steven Wilson tem chegado a outros públicos. O próprio celebra o fato de seus álbuns mais recentes conquistarem repercussão entre fãs e veículos de comunicação destinados a música indie/alternativa, por exemplo. Para ele, é uma conquista, visto que seus ídolos também não se restringiam a um estilo específico.

“Para mim, o mais importante sempre foi — espero — me estabelecer como um artista que existe fora da noção gênero. Nenhum artista que me influenciou pertencia a um gênero. Eles criaram seus próprios gêneros. Isso se aplica até a cineastas. Stanley Kubrick fez 2001, o melhor filme de ficção científica, mas também fez filmes de terror, guerra, dramas de época, thrillers psicológicos. Na música, há David Bowie, Kate Bush, Pink Floyd, Beatles. É muito difícil encaixá-los em um gênero. Meu objetivo final sempre foi tentar me estabelecer como o tipo de compositor e produtor que os ouvintes sempre esperariam algo diferente. Leva anos para se estabelecer como esse tipo de artista. Espero que a essa altura seja mais ou menos onde eu tenha chegado.”

O bom momento criativo se reflete, também, na quantidade de trabalhos que desenvolve, seja como músico ou produtor. Na “segunda profissão”, tem sido cada vez mais comum perceber o nome de Wilson em relançamentos remixados ou remasterizados de grandes artistas, especialmente quando envolve o uso de técnicas de mixagem em som surround 5.1. Ele, que já deu tratamento a material de artistas que vão de Tears for Fears a Guns N’ Roses, está envolvido até mesmo com a nova versão em 4K de Live at Pompeii, do Pink Floyd, que voltará aos cinemas em breve.

Mas é a primeira, e principal, que desperta curiosidade pelo volume de material produzido. Nos últimos cinco anos, Steven lançou três álbuns solo (The Future Bites, 2021; The Harmony Codex, 2023; e The Overview), um disco junto ao Porcupine Tree (Closure/Continuation, 2022), outro com o Bass Community (The Itself of Itself, 2024) e mais um do Blackfield (For the Music, 2020). Ele reflete:

“Certamente a covid teve um impacto, porque não pude fazer turnê como artista solo, então, tive muito mais tempo para criar. The Overview pode ser uma aberração incomum na minha carreira, pois são apenas 18 meses depois de The Harmony Codex. Mas espero que haja demanda para turnês na maior parte do próximo ano. Então, provavelmente não voltarei a ser criativo até 2026, no mínimo.”

Bom por um lado, visto que fãs por todo o planeta poderão assistir a Wilson de perto; ruim por outro, já que ele mesmo admite que está “cada vez melhor”. O inglês destaca, inclusive, que vivenciar seu auge criativo em estágios mais avançados da carreira não é a história comum no rock.

“Muitos dos discos que mais me deixam orgulhoso são aqueles que fiz nos últimos 10 anos. Hand. Cannot. Erase. (2015), The Harmony Codex, um pouco antes com Insurgentes (2008)… são álbuns que fiz na segunda metade da minha carreira. A história do rock nos ensina o oposto: que a maioria dos artistas atinge o auge nos primeiros 10 anos de carreira. Pink Floyd, Beatles, The Who, Led Zeppelin… eles produziram a maioria de seus trabalhos mais importantes na primeira década, quando estavam na casa dos 20 anos de idade. E aqui estou eu, na casa dos 50, sentindo que ainda faço discos melhores do que nunca. E sinto que a maioria dos fãs pensa o mesmo. Acho que sou bem incomum nesse aspecto.”
Steven Wilson em 2025
Steven Wilson em 2025 - Foto: Kevin Westenberg

*Steven Wilson lança The Overview no próximo dia 14 de março pela Fiction Records. Pré-save em stevenwilson.lnk.to/theoverview. O show em São Paulo acontece no Tokio Marine Hall em 17 de outubro. Ingressos no site Ticketmaster.

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