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Música / Primavera Sound São Paulo

The Hives retorna ao Brasil sob luto de Randy Fitzsimmons e com plano para 'roubar fãs de bandas populares' [ENTREVISTA]

Em entrevista à Rolling Stone Brasil, Pelle Almqvist falou sobre expectativas para o show no Primavera Sound São Paulo, a suposta família Fitzsimmons e a vida na Suécia

The Hives (Foto: Reprodução/Instagram)
The Hives (Foto: Reprodução/Instagram)

Em Seattle, Pelle Almqvist fez uma pausa nos preparativos de um show para conversar com a Rolling Stone Brasil. "Tem uma passagem de som acontecendo, então está um pouco barulhento", explicou, enquanto se ajeitava em um camarim com paredes de tijolos expostos.

Não precisou de mais de um minuto de entrevista para que o vocalista se declarasse ao Brasil: "É ótimo voltar. Sempre tivemos bons momentos no Brasil — e eu não digo isso sobre qualquer país".

The Hives não visitava os brasileiros desde 2014, dois anos após o lançamento de Lex Hives (2012). Agora, a banda retorna com o primeiro álbum de inéditas em 11 anos, o The Death of Randy Fitzsimmons. Saiba o que esperar da apresentação no Primavera Sound São Paulo 2023:

Fãs e mais fãs

Fãs ansiosos para receber The Hives podem se preparar para viver "quantidades desnecessárias de rock and roll", garantiu Pelle.

A apresentação do grupo acontece neste sábado, 2, das 16h40 às 17h30, no Palco Corona. Embora a performance não chegue a uma hora de duração, o tempo é suficiente para que a banda toque todo o disco mais recente e ainda vá além dele.

Os 50 minutos também devem bastar para que os suecos consigam angariar novos fãs — uma das partes mais legais de tocar em um festival, na visão de Pelle. "É ótimo para a gente tocar em festival, porque é uma forma de roubar os fãs de bandas mais populares", confessou o músico. "Provavelmente, nem todo mundo que gosta de The Cure gosta de The Hives, mas, se eles tiverem a chance de nos ver, talvez passem a gostar."

E falando em The Cure, Almqvist confessou que o show do headliner é um dos que quer assistir no Primavera Sound São Paulo. Pet Shop Boys também foi incluído na lista, mas, até parte do line-up ser recitada pela Rolling Stone Brasil, Pelle não sabia quem acompanharia The Hives na edição deste ano do festival: "Amo The Cure e amo Pet Shop Boys. Estou ansioso para assistir eles. Não faço a menor ideia de quem tocará com a gente, mas vou assistir Pet Shop Boys e The Cure".

Família Fitzsimmons

As músicas do The Hives sempre foram creditadas a Randy Fitzsimmons, uma espécie de sexto membro da banda. Seu desaparecimento teria ocasionado o hiato de mais de uma década do grupo sueco, que, em The Death of Randy Fitzsimmons, encarou o luto incerto.

Antes do sumiço — ou morte —, Randy, porém, parece ter convidado a família para lhe dar uma ajuda na composição do novo disco. Chip, Montgomery e Wilbur Fitzsimmons aparecem, pela primeira vez, creditados como compositores das faixas do álbum.

Eles são creditados pelas canções, mas não nos conhecemos. Nós nem sabíamos que ele tinha uma família. Podem ser irmãos, tios, ou algo do tipo. Talvez, quando ele morreu, essas pessoas herdaram as composições dele, sabe, os direitos de publicação. É uma possibilidade que cogitamos, mas, honestamente, não sabemos.

Para quem não gosta de mistério: Randy Fitzsimmons é pseudônimo do guitarrista e compositor Nicholaus Arson, que, segundo a Pitchfork, enfrentou a mortalidade nos últimos anos ao lidar com uma doença.

Pelle tem esperança de que Randy ainda esteja vivo: "Quero acreditar que ele continua em algum lugar por aí, sinto saudade". 

Música e política

"Eles estão vindo pela coroa / Eles vão derrubá-la / Eu garanto totalmente / Repetindo a história / Desligamento", canta Pelle, com muita energia, em "Countdown to Shutdown". A música cita Abraham Maslow e até Charles Ponzi, responsável pela origem da pirâmide financeira. Ainda que tenham muito o que falar sobre o que não parece certo no mundo, The Hives prefere não se fixar em um território político específico:

Acho que é mais como apontar o dedo para o que acontece. É como prever a próxima crise financeira e como isso funciona. Mas não é necessariamente uma música feita para apoiar um partido político. É mais para cutucar todas essas coisas que estão erradas. O jeito que tudo é montado significa que haverá outra crise e ficará cada vez pior. Como indivíduos, há pouco o que se possa fazer, porque existem esses sistemas. Acho que [a música] está dizendo como resolveríamos. Está dizendo o que vai acontecer e que não necessariamente temos uma solução.

Pelle acredita que os fãs sabem do que a banda está falando. "Se você acompanha The Hives há muito tempo, você consegue dizer o que apoiamos", argumentou. Além disso, nem tudo precisa ser mais do que música, ponderou o cantor: "Não é importante para a gente comunicar isso na nossa música. Às vezes, só queremos trabalhar em um nível que desperte os sentimentos que desperta, e não nos transformarmos em algo político ou sei lá. Isso não é o que importa. O mais importante é o sentimento".

Após a apresentação única no Brasil, The Hives seguirá para o Equador e, em 7 de dezembro, estará desembarcando na Venezuela para fazer um dos primeiros shows de rock no país em dez anos. A decisão da banda de se apresentar em Caracas não está associada a um posicionamento político. Na verdade, foi mais simples: "o show foi oferecido", e o Hives aceitou. "Não estamos tocando para o governo", confirmou Pelle.

Foi uma proposta interessante para a gente porque nunca estive lá. Vigilante, nosso guitarrista, esteve duas vezes em viagens de pesca, mas eu nunca estive. Então, quis ir por essa razão. Também acredito que tocar rock and roll pode gerar bons efeitos sinérgicos nesses lugares. [...] Tocamos em muitos países onde não concordamos politicamente com o governo. Na verdade, a maioria deles. Então, isso não muda. Estamos em turnê nos Estados Unidos agora. Não acho que gosto de tudo que o governo está fazendo também.

"Countdown to Shutdown" está entre as músicas favoritas de Almqvist, ao lado de "Stick Up". "Porque são as que eu mais gosto", ele justificou. 

'Stick Up', gosto da sensação de que é a única música em tom menor do disco, eu acho. Gosto do groove e da letra. E eu gosto da música 'Countdown to Shutdown'. Gosto do jeito que faz as pessoas pularem nos shows. E isso é bom para mim. Geralmente, meu motivo é se é bom ou não.

Do que reclamar?

O relatório anual do Índice de Desenvolvimento Humano publicado neste ano, referente a 2022, mostra que a Suécia está entre os países com o mais alto nível de desenvolvimento. A Suécia ocupa, mais especificamente, a sétima posição do ranking, ficando atrás apenas da Suiça, Noruega, Islândia, Hong Kong, Austrália e Dinamarca.

Ocupando a 87ª posição, o Brasil tem IDH menor do que países como a Ucrânia, que está em guerra, e a Argentina, vizinha.

A qualidade de vida, entretanto, não é capaz de drenar sentimentos que, segundo Pelle, estão em nossos hormônios: "Uma parte é euforia, uma parte é tesão, ou algo assim, e outra parte é uma coisa destrutiva".

Você tem esses sentimentos independentemente de onde você mora e pode ser bem frustrante sentir que quer reclamar de algo, mas não tem do que se queixar.

A colocação do artista não o impediu de confessar que a vida na Suécia é realmente razoável: "Não vou reclamar. Tem uma alta qualidade de vida. Tivemos uma infância bem decente, pelo menos materialmente. Todos estavam quentes e seguros e tinham comida".

Tirando problemas do capitalismo do caminho, The Hives avistou questões cujas respostas fogem da alçada de qualquer indivíduo — e se tornou o The Hives. "Nunca entendi, porque sempre pareceu que todos tinham a mesma quantidade de dinheiro. Nunca soube se as crianças de quem eu era amigo eram ricas ou pobres. Não via diferenças. Isso foi legal, eu acho", refletiu Pelle.

Influências suecas

The Hives foi convidado do Arctic Monkeys em apresentações no Brasil em 2014. Os britânicos são, para Pelle, "a única banda popular realmente boa" (via NME). Não à toa, os dois grupos se juntaram durante a turnê The Car no Reino Unido e na Irlanda neste ano.

Outras músicas consideradas realmente boas surgiram aos olhos de Almqvist, que é conterrâneo do ABBA, The Cardigans e Roxette, por exemplo. Até mesmo o cineasta Ingmar Bergman ficou na conta da Suécia.

Não, nós não gostamos de The Cardigans. ABBA é ok. ABBA é bom, mas não tem nada a ver com a música que fazemos. Ingmar Bergman... Eu gosto dele, mas, filosoficamente, está muito longe de The Hives. Então, acho que pouquíssimas das nossas influências vêm da Suécia. Costumamos dizer que as coisas que gostamos poderiam ser encontradas se vivêssemos em qualquer lugar. Pegamos outras coisas da Suécia. Talvez a ética de trabalho e coisas assim. 

A inspiração da banda está, para ser mais exata, na América e na Austrália. O músico citou Little Richard, The Sonics, Mitch Ryder,The Detroit Wheels, The Saints, The Stooges, Ramones e AC/DC como exemplos.