ANÁLISE

‘The Life of a Showgirl’ é o álbum mais grandioso e divisivo do ano — e Taylor não gostaria que fosse diferente

É um disco em que ela leva tudo ao extremo — fazendo pelas lantejoulas e pelo glitter o que Folklore/Evermore fizeram pelos cardigãs felpudos

Rob Sheffield

Taylor Swift ao vivo em 2024
Taylor Swift ao vivo em 2024 - Foto: Kevin Mazur / TAS24 / Getty Images for TAS Rights Management

Taylor Swift lançou o maior álbum do ano com The Life of a Showgirl. Também é o mais polarizador — mas como poderia não ser? Há algo em Taylor que sempre desperta reações extremas de amor ou ódio nas pessoas. “Fui acometida por uma singularidade terminal”, ela canta no meio do disco — e eu adoro essa frase, porque é ao mesmo tempo o melhor e o pior momento do álbum, dependendo da sua química pessoal com o universo swiftiano. Essa é a showgirl que existe nela.

E não se engane — é exatamente assim que ela quer que seja. Como ela diz em seu documentário da festa de lançamento: “Na minha indústria, atenção é afeto.” Essa é a vida de uma showgirl — e, de fato, é a única que ela conhece.

Taylor sempre foi obcecada por esse tipo de vida, desde criança. Ainda era uma novata quando escreveu “Nothing New”, sobre o medo de fazer 22 anos e perder o público. Suas músicas estão cheias de heroínas showgirls, como “The Lucky One”, a estrela de Hollywood que abandona o jogo da fama; a atriz solitária em “Dorothea”; a guerreira de “Mirrorball”, que faz truques para fazer estranhos rirem dela, porque é a única validação que tem; a cantora de ópera frustrada em “Marjorie”; a impostora de “New Romantics”, exibindo suas letras escarlates; a esposa de “Tolerate It”, que encena um papel, arruma a mesa com a prataria cara e faz audição para reviver um amor morto.

Taylor sempre se fascinou com histórias sobre como crescer como menina na América te transforma em uma performer na vida cotidiana — até o ponto em que não se sabe mais onde termina o show e começa a garota. Por isso, seu excelente Showgirl soa como o auge de tantas de suas narrativas favoritas. Como ela canta no fim do disco, em um de seus lemas meio brincalhões: “Lantejoulas são para sempre.”

(Pra ouvir o novo episódio do nosso podcast analisando o álbum completo, acesse aqui o provedor de sua escolha, ouça no Apple Podcasts ou Spotify, ou aperte play acima.)

Por isso, o ponto central do álbum é “Elizabeth Taylor”, a lenda de Hollywood que ela chama de “a mais suprema, definitiva showgirl”. Quem mais ficaria noiva do homem dos sonhos e, imediatamente, celebraria com uma fantasia onde é a rainha do cinema que se casou oito vezes? Quando Liz Taylor conheceu seu futuro marido (duas vezes) Richard Burton, ele reclamou: “Ela era, em suma, demais.” Mas, como La Liz, Taylor nunca deixará de ser assim — ela nasceu sendo “demais”, e nunca vai mudar. Queridos, ela nem conseguiria se tentasse.

Showgirl é ainda mais divisivo do que o típico álbum divisivo da Taylor — o quê, você achou que ela fazia discos que não dividem opiniões? Está chegando agora? Em toda a carreira dela, Fearless e Folklore foram os únicos que não fizeram as “wine moms” apontarem o que ela estava supostamente fazendo de errado. Taylor já é profissional o bastante pra saber como evitar irritar as pessoas — ela só não quer isso. Ela nunca soa mais coberta de lantejoulas e glitter do que quando interpreta a noiva ingênua da porta ao lado.

Há algo deliciosamente irreverente na veia ácida de Taylor hoje em dia. Eu simplesmente amo o momento em que um entrevistador da BBC perguntou se o casamento significava aposentadoria, e ela respondeu: “Isso é uma coisa chocantemente ofensiva de se dizer”, e riu — não aquele riso conciliador de “tô brincando”, mas o riso condescendente de “você fala assim com a sua mãe?” Sua falta de reverência é um prazer de assistir. Ela está batendo mais forte do que nunca contra “essa merda dos anos 1950 que esperam de mim”, caso alguém pensasse que essa mulher sem filhos e dona de gatos iria amenizar a raiva feminina.

Ao longo do álbum, Taylor canta sobre sua felicidade romântica com o novo noivo, Travis Kelce. Ela merece, né? Depois de todas aquelas lágrimas no violão ao longo dos anos, todos os “isn’t it?” e “I didn’t though”, é justo ouvi-la celebrar o poder do amor verdadeiro em “The Fate of Ophelia” ou “Opalite”, dois dos grandes destaques aqui.

Mas isso também pode causar um certo estranhamento, já que faz apenas alguns anos desde a música em que ela rosnava: “Nem eu me casaria comigo.” No ano passado, ela lançou The Tortured Poets Department — ou, como ela mesma chamou, Female Rage: The Musical. Foi uma temporada no inferno que também serviu de exílio em Guyville: o diário de algumas semanas sob o domínio de um homem descuidado — um roqueiro inglês, de couro e tudo. No ano passado, ela cantava sobre a forma sexy e provocante com que ele deslizava um anel no dedo de aliança dela, e como isso fez seu coração explodir. Mas neste ano, o amor verdadeiro é jogar basquete na garagem com um cara que leva pancada na cabeça por profissão.

Tortured Poets foi um marco para ela — um caos, mesmo para os padrões de Taylor. Ela inventou um complexo ciclo de 31 músicas em seu tempo livre, no meio da turnê mais luxuosa da história. O som estava cheio de desvios e experimentos. Era como o White Album dela — um kit de “monte sua própria Taylor”, onde ela te obrigava a juntar as peças. Você encontrava músicas que seus amigos deixaram passar — e isso fazia parte da diversão. Os críticos acharam o álbum egoísta, confuso, trabalhoso demais. O público pop adorou a estranheza divertida, transformando-o no maior sucesso do ano, de longe. (Agora os críticos dizem que o anterior era melhor. Isso sempre vai acontecer com um novo álbum da Taylor Swift. E não se engane: ela sabe disso.)

Mas, desta vez, ela fez o oposto. Em vez de um White Album, ela criou um Abbey Road, entregando 12 faixas pop diretas ao ponto. É o álbum mais curto desde a estreia dela — apenas 72 segundos mais longo. É também o primeiro feito inteiramente com os mesmos colaboradores: sua dupla sueca dos sonhos, Max Martin e Shellback. É um disco preciso e focado — e eles usam a introdução de bateria de “Dreams”, do Fleetwood Mac, em praticamente todo o álbum.

Há até uma faixa descartável — porque, para Taylor, é conceitualmente essencial que todo álbum pop impecável tenha ao menos um erro gritante em algum lugar. Assim como Abbey Road teve aquela do martelo prateado, Showgirl tem uma chamada “CANCELLED!”. E, como os Beatles, ela não acredita em fazer as coisas pela metade quando é hora de errar feio. Se tivesse que escolher entre “você deu girlboss demais e queimou as asas?”, “você fez gatekeep da lua?” ou “você gaslightou os quatro gigantes gasosos de Júpiter?”, provavelmente escolheu a pior — e portanto a mais certa — linha possível. Mas a maioria de nós preferiria ficar com “Mad Woman” ou “But Daddy I Love Him.”

The Fate of Ophelia” é seu melhor drama Swiftsperiano até agora, reescrevendo Hamlet da mesma forma que sua versão adolescente reescreveu Romeu & Julieta em “Love Story” — ela volta para resgatar uma heroína condenada e lhe dar nova vida. (“Eu amo Shakespeare!”, ela explica em um momento típico de seu filme da festa de lançamento. “Continua bom. Na verdade, não é superestimado!”) É uma faixa sombria e noturna, mas com um groove de palmas à la Motown. A lendária Marianne Faithfull — a mais icônica Ofélia do cinema, na versão de 1969 — certamente aprovaria, “as tears go by.”

Mas, como você provavelmente sabe, é comum que pessoas recém-noivadas revisitem traumas, segredos dolorosos e caminhos não trilhados. Algo no vertigem do compromisso para a vida toda faz emergir toda a lama tóxica que você manteve soterrada. Seus sonhos ficam sombrios. Por isso há algo especialmente tocante na transição de “Ruin the Friendship”, que lamenta uma paixão adolescente sobre uma batida suave e elegante — ou, como meu editor Jon Dolan descreveu brilhantemente, “yachtlore”.

Em “Actually Romantic”, ela cavalga um riff de guitarra indie dos anos 1990 em modo ferino. Vergonhosamente, demorei algumas audições para perceber que não era uma canção de amor (“que doce, ela chama o namorado de chihuahua de brinquedo latindo na bolsa dela — ah, espera”), mas sim uma das mais letais declarações de shade de celebridade que ela já escreveu — um ataque espirituoso a Charli XCX, que deve estar orgulhosa por ter inspirado o diss track mais engraçado e menos moralista da Taylor. No estilo clássico de Tay, ela traz à tona a piada “Boring Barbie” de Charli — que quase ninguém conhecia até agora — porque Taylor sempre gosta de incluir um toque de autossabotagem em sua vingança. Showgirl, tão confuso.

Ela eleva o nível do shade em “Father Figure”, onde ataca o chefão da Big Machine, que a descobriu quando criança. “Scott Borchetta, obrigada por acreditar em mim desde os 14 anos, quando eu ainda tentava alisar o cabelo”, ela escreveu nos créditos do CD de Fearless. “Você é família.” “Father Figure” inverte essa imagem, com falas de mafioso tiradas direto de O Poderoso Chefão, como “Eu protejo a família”, “Tudo o que peço é a sua lealdade” e “Você vai dormir com os peixes.” Como diria Don Corleone, hoje ela acerta todas as contas da família.

Father Figure” não tem nada a ver com a música de George Michael que o título lembra, mas compartilha muito com o relacionamento do cantor com Tommy Mottola, o chefe da Sony — cujo advogado, em tribunal, chamou de “um cara assustador” e acrescentou: “Quer dizer, todos nós vimos O Poderoso Chefão.” George odiava tanto Mottola que entrou em greve durante boa parte dos anos 1990, recusando-se a gravar até sair do contrato. Taylor escolheu outro estilo de vingança — mais eficaz — com o projeto Taylor’s Version. (E talvez haja também uma pontinha de referência a outro inimigo masculino que ela enterrou há anos — “Confundem minha bondade com fraqueza” vem do hit de 2014 “FourFiveSeconds”, do trio improvável Rihanna, Paul McCartney e um certo rapper que não precisa ser mencionado.)

Wood” tem um groove Chic-via-Motown — tanto “I Can’t Get Next to You” quanto “I Want You Back”, mas com mais “I’m Coming Out” do que qualquer uma delas — e traz muito mais informações sobre a anatomia de Travis Kelce do que alguém pediu. No filme da festa de lançamento, o público riu alto quando Taylor explicou que a faixa é sobre superstições. (“E é disso que a música fala!”, disse ela, séria.) É como aquela velha manchete do The Onion em que Britney Spears explica que sua nova música “Take Me From Behind” é sobre “o amor te pegando de surpresa.”

Em “Honey”, ela pega uma de suas palavras favoritas e a transforma em uma canção própria, depois de anos cantando-a com diferentes emoções — romantismo (“Lover”), desespero (“Delicate”), pena (“Getaway Car”), desejo (“False God”), desafio (“Look What You Made Me Do”) ou ironia no banheiro feminino (“New Romantics”). Mas “Honey” agora é uma nova palavra — porque, pela primeira vez, ela a ouviu dita por alguém que realmente a ama. “Opalite” é um estouro de girl group dos anos 1960, com um “whoa oh oh oh” digno de Ronnie Spector. Uma amiga que está se divorciando me mandou por mensagem toda a ponte “failure brings you freedom” (“o fracasso te traz liberdade”) no dia do lançamento, e eu entendi perfeitamente o que ela quis dizer.

Sabrina Carpenter é a parceira perfeita na faixa-título — um tributo ao código das showgirls, estrelando Taylor como uma dançarina fictícia chamada Kitty, que esconde a dor por trás do batom e da renda. Mas, como disse uma grande showgirl certa vez, “Sempre há alguém mais jovem e mais faminto descendo as escadas atrás de você” — e Sabrina aparece como a protegida adorável que talvez esconda uma navalha na manga. Kitty sabia que era problema desde o momento em que entrou pela porta. (Elizabeth Taylor nunca interpretou uma “Kitty”, mas a inspiração mais próxima de Hollywood pode ser Ava Gardner, ídolo de Liz, cujo papel que a tornou uma estrela foi justamente o da femme fatale Kitty no clássico noir Os Assassinos, de 1946.) O som da plateia vem de um show real — a última noite da Eras Tour em Vancouver, em dezembro passado. Eu estava lá, o que significa que é minha estreia vocal em um disco da Taylor — mas também significa que você está ouvindo 55 mil fãs chocados percebendo que ela não estava anunciando Debutation (Taylor’s Version) naquela noite.

Eldest Daughter” é o momento mais dolorosamente belo do álbum — mas, no espírito perfeito de Showgirl, também o maior gerador de debates, sua faixa 5 mais divisiva até agora. É uma balada ao piano em que ela tenta decifrar o peso emocional de ser a filha mais velha, com sua energia obsessiva de quem nunca para de tentar. Começa como uma bagunça lírica — o primeiro verso é cheio de clichês, reclamando da internet mais uma vez — o famoso “comer lixo”. (Paul McCartney disse certa vez que dava pra saber quando os Beatles estavam travados na escrita porque rimavam “rings” com “things”; o equivalente swiftiano é “trolling” com “memes.”) Mas então a história começa a transbordar dela — desajeitada, crua, cheia de fugas — e a leva a um novo lugar.

De muitas maneiras, Showgirl é a versão de Taylor Swift de Tunnel of Love, de Bruce Springsteen — uma meditação sobre como é assustador se apaixonar sendo um adulto cauteloso, que já deveria saber melhor, se perguntando se aquilo é real ou apenas um disfarce brilhante. “Eldest Daughter” é sua versão de “Cautious Man” — nunca foi um sucesso, mas é uma das minhas favoritas — a balada de um perfeccionista hipervigilante tentando aprender a parar de tentar-tentar-tentar e apenas se entregar. Assim como o “homem cauteloso” de Bruce, “Eldest Daughter” fala de um coração inquieto, com as palavras LOVE e FEAR tatuadas nos dedos — ou, como Taylor diria, “um risco de fuga com medo de cair”. Já ouvimos esse sentimento em sua voz antes — na Taylor muito jovem que cantava “you learn my secrets and you figure out why I’m guarded” (“você descobre meus segredos e entende por que eu me protejo”) ou “you don’t know why I’m coming off a little shy, but I do” (“você não sabe por que pareço um pouco tímida, mas eu sei”). Mas nesta música, ela soa como uma amante confusa, com medo de confiar nessa coisa boa em que caiu — “surpresa pela alegria”, como diria seu querido Wordsworth. Mas todas as imperfeições tornam a música ainda mais poderosa — como o momento em “The Prophecy”, quando ela deixa a voz tropeçar na linha “I look unsssstable.”

Há algo estranho também em “Eldest Daughter”: Taylor quase nunca dá irmãos às suas personagens — quando aparecem, são apenas as “irmãs acumuladoras de cachecóis”. Ela cita o irmão em “Opalite”, enquanto a showgirl de Sabrina é a caçula da família. São detalhes mínimos, mas chamam atenção justamente porque irmãos quase nunca existem em suas narrativas.

Quando cita Ofélia, com um verso quase idêntico a Hamlet, é no trecho intensamente comovente em que Ofélia confia em seu irmão — o único homem em quem pode confiar — dizendo: “Tis in my memory locked / And you yourself shall keep the key in it” (“Está trancado na minha memória / E você mesmo guardará a chave”). Laertes acabara de avisá-la que Hamlet iria brincar com seus sentimentos e descartá-la como cílios postiços, porque sua paixão era apenas “uma moda passageira e um brinquedo do sangue”. Ofélia promete que guardará em segredo suas palavras. Ninguém mais saberá.

Showgirl não traz canções sobre as batalhas emocionais entre amor e medo — e por que deveria? Se alguém tem o direito de lançar um álbum leve, despreocupado e indo para a capela, é Taylor. São 41 minutos inteiros de Este Amor Mudou a Profecia. Se você sente falta do lado introspectivo dela — ou lamenta o silêncio ensurdecedor do banjo de Aaron Dessner —, há muitas outras opções swiftianas, incluindo as 31 músicas que ela lançou no ano passado. Este não é um álbum equilibrado como Lover ou Red — é um disco em que ela leva tudo ao extremo, fazendo pelas lantejoulas e pelo glitter o que Folklore/Evermore fez pelos cardigãs felpudos.

Taylor dividiu famosamente seus estilos de composição em caneta de pena, caneta-tinteiro e caneta de glitter gel. A Taylor da caneta de pena praticamente fica de fora do álbum, fazendo o papel da madrinha de casamento silenciosa que escreve os convites à luz de velas. A da caneta de glitter gel gira como uma garota em um vestido novo, enquanto a da caneta-tinteiro grita com os fornecedores do buffet. Mas parece que todas estão felizes por estarem juntas. Demais? Bom, isso é o normal para Taylor. Em Showgirl, ela é o tipo de “demais” que faz a gente querer ainda mais.

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