Filme baseado em trilogia polonesa está entre os mais populares do mês na Netflix
365 Dias, filme baseado nos livros da polonesa Blanka Lipińska, chegou ao catálogo da Netflix no começo de junho. Muitas vezes comparado a Cinquenta Tons de Cinza, o drama erótico protagonizado por Anna Maria Sieklucka e Michele Morrone acompanha a o sequestro de Laura Biel, uma executiva “de espírito livre”, segundo a sinopse oficial, alvo de Massimo Torricelli, chefe de uma máfia. O sequestrador estabelece o prazo de 365 dias para Laura se apaixonar.
O filme está em alta na plataforma de streaming desde a estreia, e já sofre críticas por glamorizar a síndrome de Estocolmo. A trama, de fato, romantiza situações de abuso e se constrói a partir do cruzamento de clichês machistas: a feminista indomada, o garanhão em busca de amor e preconceitos sexistas sobre consentimento.
O roteiro de 365 Dias não se aprofunda nos personagens e se limita a mostrar momentos pontuais da vida dos protagonistas antes do sequestro ocorrer, e deixa a desejar até mesmo na construção da obsessão doentia de Massimo pela vítima.
O sequestro, por exemplo, foi idealizado por cinco anos pelo gângster, mas a passagem de tempo entre a primeira vez em que Massimo viu Laura e o dia do crime não fica clara no desenvolvimento da trama, e o resultado é uma motivação fraca e infundada.
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Massimo demonstra o comportamento misógino desde a primeira cena. Quando traficantes humanos tentam vender crianças para a gangue da família e anunciam meninas de apenas 12 anos como “ótima mercadoria”, o personagem se limita a xingar os traficantes durante uma conversa privada. Anos depois, ao descobrir que um membro da máfia fez negócios com as crianças, a motivação para matar o “traidor” é pela mancha no nome da família, uma motivação pessoal e sem relação com princípios morais.
Em diversos momentos, Massimo demonstra um comportamento agressivo e predatório com as mulheres ao redor, e sempre se baseia na posição de poder, como “chefe” da máfia, para reclamar o direito sobre os corpos femininos. Com Laura, a manipulação emocional contra a vítima está na violência física e verbal e na ameaça constante de estupro, ao mesmo tempo em que promete não fazer nada sem “consentimento” da desconhecida sequestrada e pede ajuda para “aprender a ser gentil”.
Massimo escapa de ser entendido como estuprador porque, no imaginário popular, o homem que estupra é umdesconhecido que ataca mulheres com violência e repentinamente. E, ao teoricamente, nenhuma mulher o rejeitou com violência ao longo do filme. Essas concepções incorretas sobre abuso sexual permitem a elevação do personagem ao papel de homem "protetor" e viril.
Mulheres são retratadas de maneira completamente sexualizada na trama. A maioria sem nome ou personalidade, aparecem para servir sexualmente ao protagonista em uma relação unilateral que se resume a sexo oral violento. Apesar de idealizada por mulheres - a autora dos livros e a diretora iniciante Barbara Białowąs -, as personagens femininas são o apogeu da objetificação a partir do olhar masculino na sociedade, fenômeno facilmente explicado pela socialização feminina para percepção da mulher como objeto de prazer masculino. Não por acaso, a única mulher da vida de Massimo com nome é Anna, a clássica “ex louca” e ingrediente essencial em uma trama tão previsível por evocar a rivalidade feminina.
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Pouco se sabe sobre Laura Biel além das relações frustradas com homens na profissão e na vida pessoal. A única característica responsável pela atração de Massimo pela vítima é a beleza e sensualidade constante de Laura, quase como se ela não pudesse evitar correr e sentar de maneira provocativa. A única característica da personalidade de Laura destacada é a “rebeldia” e as frases de teor feminista. “Não sou um objeto”, dispara algumas vezes. Apesar do "temperamento difícil", Laura se torna dócil e submissa após ceder ao sequestrador. Afinal, feministas precisam de sexo - ou coação e estupro - para serem domadas, certo? Errado. Mas essa é a lógica constante na trama.
Desde a primeira cena, 365 Dias apresenta um galã com traços perigosos e abusivos, especialmente nas relações com mulheres. Produto de uma sociedade misógina, a história conta com os preconceitos do público e as noções deturpadas de consentimento da sociedade patriarcal, influenciada pelos padrões da pornografia, para construir a tensão sexual na trama.
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365 Dias não é uma história de amor, mas o retrato máximo do abuso masculino, maquiado e vendido como paixão e desejo. Para além do debate do politicamente correto, é uma produção perigosa por romantizar os maus tratos e violência que vitimizam mulheres todos os dias.
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