Produção aborda "esquema de pirâmide sexual" inventado pelo financista pedófilo
O caso Jeffrey Epstein contém todos os detalhes de uma notícia devassa: poder, dinheiro, sexo, abuso, celebridades e corrupção. Apesar de conhecermos a maior parte da queda de Epstein do topo, que culminou no suicídio na prisão, em 2019, em circunstâncias misteriosas, sabemos relativamente pouco sobre o homem. Uma nova minissérie da Netflix, Filfh Rich (Poder e Perversão, em português), busca trazer o funcionamento interno do financista desgraçado ao público, ao mesmo tempo em que tenta dar voz às muitas vítimas.
Dirigido por Lisa Bryant, Filthy Rich passeia através do tempo (como The Last Dance) para apresentar a história da escalada de Epstein ao poder em Wall Street e a estrutura do sistema que permitiu os abusos de dezenas de jovens mulheres por décadas, sem atrair muita atenção. Algumas das legações mais chocantes e devastadores de Filthy Rich estão abaixo.
A minissérie se apoia em relatos de várias sobreviventes dos abusos de Epstein, inclusive aquelas contratadas para fazer massagem no financista na mansão de Palm Beach. Uma das vítimas, Haley Robson, descreveu que foi recrutada por outra garota quando tinha 16 anos para fazer uma massagem em Epstein por US$200. Depois de rejeitar as investidas, ela conta que recrutou cerca de 24 meninas.
Filthy Rich mostra áudios de Haley no interrogatório da polícia sobre o papel na aquisição de novas vítimas para Epstein. “Me trataram como se eu fosse o braço direito, mas e a garota que me recrutou? O que aconteceu com ela? E a garota que recrutou a garota que me recrutou?”, diz Haley. “Sinto que tenho me culpado por tanto tempo, mas não devo me sentir culpada sobre isso porque eu tinha 16 anos e ele era adulto”.
Ao lado da primeira mulher a se manifestar contra Epstein, estavam as irmãs Maria e Annie Farmer, que alegaram ter sido abusadas por Epstein e Ghislaine em 1996. Em Filthy Rich, as mulheres contam que encaminharam as acusações para o Departamento de Polícia de Nova Iorque e FBI, mas nada foi feito; também alegam ter entrado em contato com a jornalista Vicky Ward, da Vanity Fair, em 2003, com as alegações, e foram cortadas da matéria de última hora. (Ghislaine negou todas as acusações).
Vicky sugere que as alegações foram cortadas da história final por pressão de Epstein, bem como ameaças sinistras, como a cabeça decepada de um gato deixada na varanda do então editor-chefe da revista, Graydon Carter. (Em declaração aos produtores do filme, Carter disse: "A reportagem da Sra. Ward sobre esse aspecto da história apareceu quando íamos publicar e simplesmente não estava de acordo com nosso limite legal'”.
+++ LEIA MAIS: Após morte de acusador, Kevin Spacey se livra de processo de abuso sexual
Maria Farmer também conta que, por anos depois de realizar as acusações contra Epstein, Ghislaine Maxwell fez ligações com ameaças. “Ela disse para eu tomar cuidado, e que ‘Eu sei que você gosta de fazer corrida na estrada West Side, e esse lugar não será mais seguro para você, porque existem muitas maneiras de morrer nessa estrada’”, Maria relembra. Essas ligações continuaram por anos, levando a vítima a se esconder nas colinas da Carolina do Norte e mudar de nome.
Uma das acusadoras de Epstein,Virginia Roberts Giuffre, há muito tempo afirma que foi abusada sexualmente pelo compatriota do financista, Príncipe Andrew, em Londres em 2001. Virginia relata o incidente em Filthy Rich, com a afirmação de que a associada e suposta proxeneta de Epstein, Ghislaine, disse: "Você terá que fazer pelo [príncipe Andrew] o que você faz por Jeffrey” antes do abuso.
+++ LEIA MAIS: Empresa cancela publicação de biografia de Woody Allen após acusações de abuso sexual
Filthy Rich também apresenta uma entrevista com Steve Scully, ex-funcionário de Epstein, que corrobora parcialmente com o relato de de Virginia. "Provavelmente foi por volta de 2004 que vi o príncipe Andrew", diz Scully. “Ele estava na piscina. Ele estava com uma garota desconhecida para mim naquela época. Ela era jovem e estava sem sutiã. Estavam nas preliminares. Andrew a agarrava e se esfregava contra ela”. Scully conta que depois identificou a jovem como Virginia ao ver uma foto. O Palácio de Buckingham e o príncipe Andrew negaram as acusações.
Apesar da equipe de Clinton ter minimizado a associação desde então, Epstein e o político tinham uma relação de trabalho antes da prisão do financista, em 2005, e registros de voo mostram Clinton viajando no avião privado de Epstein 26 vezes no total. Em entrevista, Scully, funcionário de Epstein entre 1999 e 2005, alegou ter visto Clinton na ilha privada de Epstein, Little St. James, conhecida com “Ilha dos Pedófilos”.
+++ LEIA MAIS: Woody Allen: 'Fiz tudo o que o movimento #MeToo gostaria de alcançar'
"Vi Bill Clinton sentado com Jeffrey na área da varanda da sala, era o lugar favorito de Jeffrey", contou Scully. “Não vi outros convidados lá naquele momento. Apenas pensei: 'Ei, uau, Jeffrey está sentado com Bill Clinton’”. Virginia também disse que viu Clinton lá, embora nunca tenha testemunhado algo impróprio da parte dele. Em comunicado, um porta-voz de Clinton disse: "Isso foi uma mentira na primeira vez que foi contada, e não é verdade hoje, não importa quantas vezes seja repetida".
Um dos momentos mais arrepiantes do documentário é assistir a um Epstein de cabeça fria rebater inúmeras perguntas de oficiais de justiça durante uma deposição de 2016, afirmando direitos constitucionais quando questionado diretamente sobre abuso sexual de meninas. "Gostaria de responder a essa pergunta", gorjeia Epstein com o sotaque inflado do Brooklyn. "Mas hoje vou ter que reivindicar meus direitos da Sexta Emenda e meus direitos da Quinta Emenda”.
"É verdade que você forçou Virginia Roberts a fazer sexo com vários amigos seus?", pergunta um oficial. "Você está brincando?", retruca Epstein. Ao observar as imagens do depoimento, é fácil perceber como Epstein está confiante e assertivo, e como isso pode ter o protegido das horríveis alegações de abuso por tanto tempo.
Após o suicídio por enforcamento de Epstein no último ano, muitas pessoas nas redes sociais, de todo o espectro político, trocaram teorias da conspiração de que Epstein não tirou a própria vida, mas foi assassinado por aliados de um amigo poderoso. A minissérie não assume uma posição definitiva sobre esse assunto de qualquer maneira, mas usa uma citação do patologista forense Dr. Cyril Wecht (associado de Dr. Michael Baden, contratado pelo irmão de Epstein para conduzir uma investigação sobre a morte do financista) afirmando “não haver evidência alguma” de que Epstein havia pulado ou caído do beliche.
Wecht destaca as três fraturas que Epstein tinha: o corno no osso hióide, e nos lados esquerdo e direito da cartilagem da tireóide. "Você não consegue essas três fraturas com um enforcamento suicida de alguém se inclinado para a frente", explica o doutor, e acrescenta que nunca viu essas fraturas em carreira com autópsias.
+++ LEIA MAIS: Woody Allen afirma que poderia ser “garoto propaganda” do movimento #MeToo
Após a morte de Epstein, muitos se perguntaram se as mulheres em busca por justiça teriam um dia no tribunal e uma compensação financeira pelos crimes de Epstein. Filthy Rich lança uma triste dúvida sobre essa perspectiva, lembrando que dois dias antes de morrer, a totalidade da propriedade de US $ 577 milhões de Epstein foi transferida para as Ilhas Virgens Americanas, dificultando ainda mais a restituição das vítimas. "Na minha opinião, isso enfatizou a maldade e venalidade [de Epstein], e que ele basicamente não demonstrou remorso", disse o correspondente da Fox Business, Charlie Gasparino, na minissérie. "Não achava que fez algo errado. Foi um ‘f**a-se’ para as vítimas”.
Tradução de Larissa Catharine Oliveira
+++ VITOR KLEY | A TAL CANÇÃO PRA LUA | SESSION ROLLING STONE