Apesar de Greta Gerwig se manter fiel ao livro, Adoráveis Mulheres altera algumas narrativas e presta homenagem à escritora Louisa May Alcott
[Atenção: essa publicação tem spoilers de Adoráveis Mulheres]
Adoráveis Mulheres voltou novamente aos cinemas pela direção de Greta Gerwig, em 2019. O livro de Louisa May Alcott, Little Women - em português, Mulherzinhas - já foi adaptado para as telas e estrelado por Katharine Hepburn, em 1933; e Winona Ryder, em 1994.
Mas, desta vez, a adaptação cinematográfica inova ao recortar e colar cuidadosamente os acontecimentos da obra original e criar um retrato cubista, como definiu a própria diretora, do drama de época do século XIX.
A produção estrelada por Saoirse Ronan, Florence Pugh, Timothée Chalamet, Emma Watson, Laura Derne Eliza Scanlen foi indicada para sete categorias do Oscar 2020, incluindo Melhor Filme, Melhor Atriz, Melhor Atriz Coadjuvante e Melhor Roteiro Adaptado.
Contudo, como toda adaptação cinematográfica, o longa-metragem simplifica e omite pequenos enredos que preenchem as 700 páginas do romance de Louisa May Alcott. Além disso, Greta toma liberdade para realçar a identidade de cada irmã March, desconstruir o papel de antagonista dado à Amy e misturar a história real da autora com a personagem principal para livrar a escritora feminista da obrigação de encerrar o romance com um casamento.
Confira 12 pontos para entender a diferença entre a obra original e o filme Adoráveis Mulheres:
No livro: Um detalhe importante de ser ressaltado é a idade das personagens. Meg é a irmã mais velhas e possui 16 anos; Jo e Laurie são os próximos, com 15 anos; Beth tem 13 anos; enquanto Amy ainda é uma criança de 12 anos - o que, de certa forma, explica a atitude imatura da caçula de queimar o manuscrito de Jo após uma briga.
No filme: Apesar de não ter alterado as idades das irmãs, o filme não deixa claro qual é a idade de cada uma das personagens, utiliza atrizes adultas na produção e faz o espectador acreditar facilmente que a história se trata sobre jovens adultas e não crianças e adolescentes.
No livro: A primeira diferença entre o livro e a adaptação cinematográfica de Greta é a aparência de Laurie. No livro, o personagem é descrito com “cabelos negros encaracolados, cor morena - no original, brown skin - , grandes olhos negros, nariz comprido…”. A obra também revela que o verdadeiro nome do personagem é Theodore Laurence. Laurie é o apelido que o jovem dá a si mesmo para não ser mais chamado de Dora pelos colegas.
No filme: O personagem é interpretado por Timothée Chalamet, um ator de pele branca de olhos azuis. Além disso, o longa não explica em nenhum momento a origem do apelido de Laurie e nem sequer explica que esse não é o verdadeiro nome do jovem.
No livro:Durante a conversa de Laurie e Jo no baile da senhora Gardiner, o jovem menciona um antigo encontro entre os dois vizinhos e revela que, certa vez, um incidente fez o garoto ir até a casa das irmãs March para devolver o gato delas.
Tempos depois, Jo toma a iniciativa de conhecer melhor o vizinho e convidá-lo para ser amigo das irmãs após perceber que ele não tinha nenhuma companhia para brincar ou passar o tempo.
No filme: Como no livro, longa-metragem mostra o encontro de Laurie e Jo durante a festa na casa da senhora Gardiner, porém, não menciona o antigo incidente, o que faz o espectador pensar que este é o primeiro contato entre eles. Além disso, o filme mostra que a amizade entre Laurie e as meninas começa, de fato, após Amy ser castigada na escola e aparecer na frente da casa da família Laurence.
No livro: Depois de Laurie se tornar, praticamente, um membro da família, Jo revela que sempre acreditou que o amigo se casaria com a irmã mais velha, Meg. Mas, como sabemos, a personagem estava errada, pois, após alguns anos, Laurie pede Jo em casamento.
No filme: Laurie flerta sutilmente com todas as irmãs, mas não chega a cogitar um relacionamento com Meg. Ao longo do filme, Jo também não menciona o desejo de ver o amigo casado com a irmã.
No livro: Beth fica doente após fazer uma visita ao Hummels e contrair escarlatina - doença infectocontagiosa aguda. Porém, ela se recupera após enfrentar as piores reações e só volta a sentir os sintomas anos mais tarde, quando a doença se torna terminal.
No filme: Beth aparenta estar doente desde o início do longa. A narrativa não explica que a personagem nunca foi a escola por ser extremamente tímida e introspectiva, e não pela ausência de saúde. Além disso, Beth não tem um momento de recuperação e morre rapidamente após descobrir a doença.
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No livro: John guarda uma das luvas de Meg após um encontro entre as famílias March e Laurence, e planeja devolvê-la quando estiver pronto para pedir a mão da jovem em casamento.
Contudo, Laurie estraga a surpresa ao contar o plano para Jo e fazer uma pegadinha com Meg. A brincadeira do vizinho foi enviar uma carta para a filha mais velha e revelar o desejo secreto de matrimônio do tutor.
Meg fica chocada com a revelação e rejeita imediatamente o pedido, pois acredita ser muito nova para se comprometer com alguém. Porém, apenas um capítulo mais tarde, a irmã mais velha briga com a tia Flo após ser aconselhada a casar com um homem rico e decide aceitar o pedido de John com a condição de que eles esperassem mais alguns anos para ganharem estabilidade financeira e emocional.
No filme: Ao contrário do livro, a produção encurta a história do casal e Meg se apaixona rapidamente por John quando ele se oferece para acompanhar a senhora March até o local da Guerra Civil e cuidar do pai das meninas.
No livro: Logo no início da obra, Jo vende a primeira história autoral para um jornal local e se torna o centro das atenções ao mostrar o texto e o dinheiro para a família. E, depois de alguns meses e diversas histórias publicadas, Jo decide escrever um livro. Porém, o editor exige que ela corte um terço das palavras e faça inúmeras alterações para tornar a história “adequada”.
Jo segue as intruções para publicar o material rapidamente, mas logo se arrepende ao ver as críticas desqualificando o trabalho dela. Frustrada, ela vai para Nova York e começa vender anonimamente histórias violentas e exageradas para agradar o público.
Após a morte de Beth, a personagem é incentivada pela mãe a escrever um romance original sem seguir regras e estratégias de vendas. No fim, Jo escreve um romance de sucesso e recebe inúmeras encomendas e cartas de leitores
No filme: Se na obra original Jo é indecisa em relação ao próprio futuro, no filme ela está determinada a ser tornar um escritora bem-sucedida, mesmo que seja preciso publicar histórias exageradas escondida da família.
Após vender alguns textos para um jornal de Nova York, Jo volta para casa e promete cuidar de Beth até os últimos dias de vida dela. É a irmã mais nova que pede para Jo escrever um livro para a família. No fim, Greta faz uma homenagem à Louisa e revela para o espectador que escrito por Jo é Little Women.
No livro: Tia Flo escolhe a sobrinha que deve acompanhá-la pela Europa junto com a irmã, Carrol, que também pagará pelos custos da aventura. Sem contar para as meninas sobre a viagem, Carrol decide conhecer as irmãs March para tomar uma decisão. Amy demonstra um comportamento agradável e gentil, enquanto Jo revela o lado mais irreverente dela.
Além disso, ao serem questionadas se alguma delas fala francês, Amy responde: “Muito bem, graças a tia March”. E, Jo diz ironicamente: “Eu não sei uma palavra. Eu sou muito burra para estudar qualquer coisa, não suporto francês. É uma língua inconsistente e boba”.
Quando a família recebe a notícia que uma das meninas terá a oportunidade de estudar fora do país, Jo diz com convicção que somente ela poderia ser escolhida já que sempre sonhou com uma grande viagem. Ao descobrir que Amy foi a escolhida, Jo fica chateada e é alertada pela mãe sobre os resultados de um mal comportamento.
No filme: Tia Flo promete levar Jo para a Europa, como recompensa pelo trabalho de assistente pessoal. Contudo, ela muda de ideia quando percebe que Amy é a única sobrinha disposta a realizar o sonho da tia de manter o status da família na alta sociedade e casar com um homem rico. Jo fica furiosa quando descobre que a tia convida a irmã mais nova para realizar a viagem sem ao menos consultá-la.
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No livro: Logo após Amy viajar para Europa, as preocupações da senhora March se voltam para Beth, que se se isola cada dia mais da família. A mãe, então, pede para Jo aproveitar a proximidade especial que tem com a irmã e descobrir o motivo da mudança de comportamento dela.
Depois um período de observação, Jo percebe um comportamento incomum de Beth perto de Laurie e conclui que a irmã está apaixonada pelo amigo. Nesta altura da narrativa, Jo já suspeita das intenções de Teddy - o apelido carinhoso de Jo para Laurie - e decide ir para Nova York para não estragar qualquer chance que Beth poderia ter com o vizinho.
No filme: Da mesma forma que o suposto romance entre Laurie e Meg, o possível interesse de Beth no amigo da família não chega a ser retratado no longa.
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No livro: Apesar do esforço para se afastar de Teddy, Jo é pedida em casamento assim que o jovem se forma na faculdade e ela volta de Nova York. Mas a personagem recusa o pedido, explica que não se vê casada com nenhum homem e diz para o amigo que um dia ele irá agradecer pela escola dela.
Teddy, então, responde que a amiga está errada, pois um dia ela ainda vai se casar e, provavelmente, será o com o professor Bhaer, pois Jo sempre falava dele nas cartas enviadas de Nova York.
No filme: A produção recria exatamente a cena em que Teddy se declara para Jo. A única diferença entre o filme e o livro é a menção ao professor Bhaer. No longa, Jo só apresenta o colega de Nova York para família quando ele faz uma visita surpresa à casa dos March.
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No livro: Após ser rejeitado por Jo, Laurie viaja ao lado do avô para a Europa e decide aproveitar a juventude sem se preocupar com o trabalho ou o futuro. Ele encontra Amy e decide passar um tempo ao lado da filha mais nova da família March para matar a saudade de casa e, principalmente, de Jo.
Os dois passam quase um mês juntos até Amy repreender o comportamento do amigo e dizer para ele encontrar uma profissão digna ao invés de agir como um menino que só sabe flertar com as garotas por brincadeira.
Em resposta, Laurie revela estar decepcionado com a amiga, pois sabe que ela quer se casar com Fred Vaughn por causa da posição social dele. O conflito dos dois termina apenas no dia seguinte quando Laurie pede desculpas e decide investir no próprio futuro. Amy também repensa as escolhas dela e decide recusar o pedido de noivado de Fred.
Os dois personagens só se encontram novamente após a morte de Beth e rapidamente se apaixonam um pelo outro. Amy revela que nunca tinha pensado seriamente em uma relação com o vizinho, enquanto Laurie confessa que a irmã mais nova de Jo é a única que pode substituí-la no coração dele.
No filme: Greta aproveita o momento em que os dois personagens estão a sós na Europa para desconstruir reputação de vilã e interesseira que Amy tinha perto das irmãs. A diretora revela um lado realista da personagem e enfatiza que, no século XIX, uma mulher só conseguia garantir facilmente o futuro da família com um casamento estratégico.
Além disso, a diretora constrói uma narrativa em que Amy recusa ser tratada como segunda opção do amigo, demonstra independência ao desistir do noivado com Fred e decidir se casar apenas por amor.
No livro: Em Nova York, Jo conhece o professor Friedrich Bhaer, um imigrante alemão por volta dos 40 anos descrito como “muito pobre”. Depois de escrever sobre o professor em diversas cartas para a família, Jo convida o colega para visitar a casa dos March algum dia. O professor, então, decide visitar a amiga e passar alguns dias na cidade. Após conhecer as irmãs e os pais da escritora, Jo e Bhaer se tornam noivos e se casam um ano mais tarde.
No filme: No longa, a família da escritora só conhece o professor, interpretado pelo ator francês Louis Garrel, no final da história, quando ele faz uma visita surpresa. Além disso, Greta mistura as histórias de Jo e Louisa para criar um novo final para a personagem. Ao invés de aceitar o pedido do professor, Jo decide não se casar, da mesma forma que a autora na vida real.
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