Artista renova votos de ser um enigma constante com novo álbum
“Serei seu enigma”, canta Lady Gaga na segunda parte de Chromatica, sexto álbum da carreira, na faixa “Enigma” - o mesmo nome da residência da cantora em Las Vegas, em cartaz desde 2018 e com datas adiadas devido à pandemia de coronavírus. Na promessa de reinvenção inesgotável, um tributo constante a ídolos como David Bowie e Madonna, a artista nova iorquina destruiu de maneira sistemática todas as expectativas criadas ao redor da figura de Gaga. Se depender deStefani Joanne Angelina Germanotta, nome de nascença da artista, o significado dessa persona seguirá um mistério.
O novo álbum marca o retorno de Gaga à sonoridade pop que a consagrou. Desde o último trabalho no gênero, o incompreendido ARTPOP (2013), Gaga se aventurou por outros estilos musicais e pela atuação profissional, em American Horror Story e Nasce Uma Estrela, além de lançar a própria linha de maquiagens. Gaga conquistou reconhecimento fora da base de fãs leais que acolheu como little monsters (“monstrinhos”, em português), mas tanto público quanto veículos da mídia pareciam desassociar a mulher glamourosa no tapete vermelho das premiações de Gaga, a camaleoa polêmica e imprevisível. Após uma década, a quebra de expectativas por parte da cantora não deveria ser nenhuma novidade - é, na verdade, uma das poucas constantes quando se trata de Lady Gaga.
Oito meses após o cancelamento da turnê Born This Way Ball, em2013, devido uma lesão no quadril da cantora, Gaga retornou com ARTPOP. A divulgação do álbum foi um espetáculo contínuo entre aparições ora bizarras, ora deslumbrantes na saída do apartamento onde vive em Nova Iorque e eventos oficiais. Hoje considerado “à frente do tempo” pela cantora, o álbum tem a menor nota da carreira dela no Metacritic e fracassou comercialmente.
Lady Gaga's looks during the ARTPOP era appreciation post. So ahead of its time pic.twitter.com/dsZl0oQS18
— Lady Gaga Alerts 🌟 (@GagasAlerts) July 19, 2018
No ano seguinte, Gaga mergulhou no jazz com o veterano Tony Bennett no álbum Cheek to Cheek (2014), e a colaboração venceu um Grammy na categoria de Melhor Álbum Vocal Pop Tradicional. Joanne (2016), sucessor de ARTPOP, surpreendeu por mostrar uma versão mais intimista de Gaga.
Uma homenagem para uma tia que Gaga nunca chegou a conhecer, Joanne mudou para uma sonoridade soft-rock e country. O disco foi considerado pela Rolling Stone EUA o melhor da carreira da artista desde Born This Way (2011).
O lançamento seguinte da cantora foi na pele de Ally Maine, para o filme Nasce Uma Estrela (2018), ao lado de Bradley Cooper. A trilha sonora ganhou um Grammy e “Shallow” quebrou diversos recordes.
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No período de afastamento do pop, a cantora mostrou a versatilidade em diversos estilos musicais para além dos álbuns lançados. No Oscar de 2015, cantou “Sound of Music”, tema de A Noviça Rebelde. Em 2017, no Grammy, subiu ao palco com o Metallica para cantar “Moth Into Flame” com a banda.
“Todos me veem glamourosa há quase dez anos. É entediante”, explicou Gaga para a equipe no documentário Five Foot Two, lançado pela Netflix em 2017. A produção mostra os bastidores da gravação de Joanne e as inseguranças da artista com a probabilidade de rejeição por parte dos fãs. “Acha que alguns fãs dos mais antigos vão ficar decepcionados porque não estou fantasiada?”, perguntou antes das gravações do clipe de “Perfect Illusion”, no qual aparece de short jeans, cabelo preso e camiseta preta. Os fãs realmente se dividiram e muitos não aprovaram o estilo, mas Gaga não teve pressa para passar maquiagem carregada e usar perucas extravagantes novamente.
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Em mais de uma ocasião, Gaga reclamou o controle da carreira dentro das limitações impostas a uma mulher na música pop. “A metodologia por trás do que fiz é que, quando queriam que eu fosse sexy, ou uma cantora pop, eu fazia uma reviravolta absurda que me dava a sensação de estar no controle”, conta no documentário. “Se vou aparecer sexy no VMA e cantar sobre paparazzi, farei isso sangrando até morrer”.
A apresentação do hit "Paparazzi" no VMA 2009 fazia referência a pessoas como Marilyn Monroe e Princesa Diana, cujas mortes se relacionam com o preço da fama e perseguição midiática.
Nos bastidores da indústria, Gaga também faz questão de lançar determinadas músicas e assumir a chefia da própria carreira. Em 2010, brigou com a gravadora para lançar “Alejandro” como single e, de acordo com o site Contact Music, ignorou os números baixos da faixa em charts especializados. Em Chromatica,“Replay” quase ficou de fora. “Me recusei a não permitir essa música no álbum. Claro, sou a ‘chefe’”, escreveu sobre a canção no Spotify.
Quando conseguiu a realização de ser a atração do show do intervalo do Super Bowl, em 2017, Gaga quebrou as expectativas do público e da mídia propositalmente. Em reunião com os executivos responsáveis pela apresentação, como o diretor Hamish Hamilton, a artista mostrou a lucidez sobre os estereótipos que a cercam. “Quero fazer o oposto do que todos imaginam que vou fazer. Todo mundo pensa que vou chegar num trono, num vestido de mink, com 90 homens sem camisa e unicórnios”, narra em uma cena de Five Foot Two. “E que, no final, farei algo chocante que vai assustar todo mundo. Não chega nem perto do que vamos fazer”.
Lady Gaga se destacou na música ao superar uma polêmica após a outra e manter o público hiponotizado por anos, mas garantiu o próprio lugar na pista de dança - pelo qual lutou arduamente, como canta em "Free Woman" - ao explorar o talento para além do absurdo. Ao mesmo tempo em que deseja ser humanizada, como canta em "Plastic Doll" ("Me diga, quem te vestiu? / Onde encontrou esse chapéu? / Por quê ela está chorando, onde está a etiqueta de preço? / (...) Não sou sua boneca de plástico"), Gaga não pretende abandonar a aura de mistério.
"Posso quebrar qualquer estigma sobre mim quando quiser, sempre me transformarei para escapar deles", escreveu no Spotify ao explicar o significado da faixa "Enigma". "Sempre serei incompreeendida.. Porque quero ser assim".
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