Em entrevista à Rolling Stone Brasil, a cantora refletiu sobre o impacto do amor na vida pessoal e artística dela, além de falar sobre o processo criativo do novo disco, Te Amo Lá Fora
Eduarda Bittencourt caminhava para os 30 anos de idade quando se viu diante de um palco silencioso, cercado por uma plateia vazia. O microfone estava ligado, mas nenhuma palavra foi dita. Mesmo assim, ela compreendeu o significado daquele evento.
A jovem pernambucana observou os holofotes se movimentarem para longe dos músicos, os quais estavam no centro da estrutura. Eles eram velhos amantes, com quem viveu relacionamentos amorosos e dolorosos, e responsáveis por aquela quietude.
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Com os olhos apertados, característicos de quem passou muito tempo no escuro, Eduarda viu as fortes luzes apontarem para ela e anunciarem uma nova atração: Duda Beat.
Claro, esta é uma reconstrução literária e simplificada dos acontecimentos que levaram Eduarda Bittencourt a assumir o nome artístico Duda Beat. A jovem estudava Ciências Políticas - curso pelo qual se apaixonou depois de tentar passar em Medicina por sete anos - quando uma amiga sugeriu uma intervenção para se curar emocionalmente dos antigos amores.
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Então, Eduarda ingressou em um retiro espiritual e ficou 10 dias sem dizer uma palavra. Entre sessões de meditação e sonhos reveladores, a estudante percebeu que precisava tomar o palco para si, transformar o sofrimento em composições e reassumir o protagonismo da própria vida.
"No momento em que eu estou sofrendo, que estou na minha faculdade, que eu resolvo ir para o curso de meditação Vipassana, eu volto com a necessidade de escrever," contou Duda Beatem entrevista à Rolling Stone Brasil.
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A cantora também disse: "Acredito que a composição entrou na minha vida como uma necessidade, mesmo, de colocar para fora e de tomar o lugar do palco para mim. Porque é isso, os caras que eu gostava eram músicos, convivia com eles, então precisava muito tomar aquele lugar pra mim."
Com a determinação de uma vestibulanda de Medicina, Duda deu continuidade aos estudos de Ciências Políticas e se encontrou com o amigo de adolescência e produtor Tomás Tróia para planejar a construção de um disco.
Apesar de não ter experiência com a composição, a aspirante a artista carregava certa bagagem como cantora, afinal, cresceu cantando desde "Faroeste Caboclo", do Legião Urbana, até as músicas da artista mexicana Thalía, conhecida pelo papel de Maria do Bairro.
"Desde criança, me vejo cantando músicas," contou Duda. "'Tô sempre cantando junto. Me lembro que, quando era criança, decorei 'Faroeste Caboclo', sabe? Tipo assim, as músicas de Thalía, eu ficava cantando em casa com as roupas da minha mãe. Sempre fui essa criança que gostava de música."
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Conforme as canções surgiam, a cantora trabalhou como hostess e pintora de paredes para financiar a produção; começou um novo relacionamento - para lá de correspondido - com Tróia; platinou os cabelos e se transformou em Duda Beat para lançar o primeiro disco da carreira, Sinto Muito(2018).
Com versos honestos e uma mistura irresistível de pop e brega, Duda conquistou a cena indie e, em pouco tempo, tornou-se fenômeno nacional - e ganhou o título de rainha da sofrência pop.
Debaixo dos holofotes, Duda preencheu o silencioso palco com canções de amor e dançou ao som das próprias desilusões. Porém, isso não fez os antigos amores desaparecerem. Ainda conseguia enxergá-los na pista, agora, de um novo ângulo.
A artista se despediu da plateia e, como quem deixa o suor do corpo secar depois de um show no verão, esperou os espectadores irem embora até sobrarem apenas as assombrações dela.
"Nesse momento 'olho muito pra mim', nesse sentido 'eu me acolho, acolho minhas dores, entendo elas', encaro de frente esses assombros que o amor me trouxe," disse Duda sobre o processo de amadurecimento emocional que inspirou o segundo disco da carreira, Te Amo Lá Fora, disponibilizado nas plataformas digitais na terça, 27 de abril - exatamente três anos depois do lançamento de Sinto Muito.
Como o álbum de estreia, a nova era da artista recebeu um título de múltiplos sentidos. A cantora explicou como o nome surgiu a partir de uma memória de infância, relacionada a uma passagem de Thalía no programa do Gugu.
"O Gugu fala: 'Thalía, aqui no Brasil todo mundo te ama'. E aí, ela fala: 'Te amo, Brasil'. Ele fala: 'Bora ver as câmeras lá de fora'. Tem uma galera lá fora. Ele fala assim: 'Thalía, lá fora, todo mundo te ama'. Ela fala: 'Te amo, la fuera.'"
Te Amo LáFora também é uma declaração de amor-próprio. "Não acredito que os sentimentos acabam, eles mudam. Ainda te amo, mas longe de mim. Ainda te amo, só que distante. Lá fora, entendeu? Aqui dentro não. Aqui dentro você não me atinge mais."
O disco renova a parceria com Lux&Tróia, dupla responsável pela produção das 11 faixas do projeto. Ao lado de Duda Beat, Lux Ferreira e Tomás Tróia também participaram de todas as gravações e composições do álbum, concebido durante a pandemia de Covid-19.
"Meu desejo era ter lançado esse disco, Te Amo Lá Fora, no ano passado, mas a gente acabou vivendo essa pandemia. E por um lado, para o disco, foi bom, porque acabou maturando um pouco mais," revelou a artista.
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Antes mesmo da quarentena se instalar no país, a artista planejou um isolamento artístico para começar a trabalhar no segundo álbum da carreira, o qual, na época, contava com alguns rascunhos das músicas "Nem Um Pouquinho", "50 Meninas" e "Melo da Ilusão" - esta última quase foi incluída em Sinto Muito.
"Assim que fiz meu último show, em João Pessoa, mais ou menos 7 de março [de 2020], fui direto pra uma imersão com meus produtores musicais na serra do Rio de Janeiro para fazer o disco [e], no meio dessa imersão, foi que a gente soube que tava rolando, de fato, a pandemia."
Duda não menciona a quarentena ou qualquer consequência da Covid-19 no álbum, mas sente que o período atravessou intensamente o processo criativo do projeto, como, por exemplo, as gravações, as quais foram feitas de forma remota nos estúdios caseiros dos colaboradores.
Além da produção, a cantora acha desafiador divulgar o disco sem performances presenciais. "Te confesso que, às vezes, eu fico bem triste de lançar um disco tão lindo, tão potente e não poder fazer show agora. Mas tenho certeza de que quando rolar, quando todo mundo tiver vacinado e seguro, esse show vai ser muito lindo. E isso também me motiva a esperar."
Muitos anos antes de se apresentar nos palcos como Duda Beat, Eduarda sentia o amor pulsar em seu corpo, seja como uma criança amada, uma adolescente de coração partido ou uma amiga quase maternal. "Desde que eu me vejo como ser humano, me vejo gostando de alguém," contou a artista.
"O amor realmente move montanhas e, com certeza, vai ser o meu tema para sempre, porque é disso que eu sei falar, vivi isso [...] O amor real me move muito, tanto no meu trabalho, como no meu dia a dia. Me preenche muito os momentos que eu dou amor, seja ao meu marido, as minhas gatas, aos meus amigos."
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Em Te Amo Lá Fora, Duda encara antigos amores sob uma meia-luz, a qual, longe de ser romântica, realça a distância, o amadurecimento e até mesmo o rancor despertado nos últimos três anos.
"Muita coisa mudou, a começar pela minha voz. Minha voz mudou porque fiz um trabalho nela. Os meninos também amadureceram como produtores musicais," disse a artista. "Teve um amadurecimento meu [e] deles. [Teve um] amadurecimento de letra também. Ainda falo sobre o amor e seus aspectos, mas, agora, de uma forma diferente - até um pouco rancorosa em algumas faixas, sabe? (risos)"
"Meu Pisêro", "Tu e Eu" (com dois samples de Cila do Coco) e "Nem um Pouquinho", parceria com o rapper Trevo, são algumas canções do novo disco que mostram esse novo lado da sofrência com uma fusão de ritmos, a qual vai do pagodão ao house.
"Pra mim 'tá tudo perdoado /Ninguém é obrigado a me amar assim /Morri, eu fiquei aos pedaços /Mas tu não é culpado de não me amar assim," canta Duda em "Meu Pisêro".
Para ilustrar os fantasmas amorosos, o primeiro single do disco apresentou uma nova estética. Inspirada em filmes de terror, Duda surge com roupas escuras e justas em cenários sombrios. Para a artista, o visual representa as perguntas e indagações dela sobre os assombros do amor.
"É uma estética mais dark, é uma estética mais justa. Até me perguntaram: 'Cê vai abandonar o colorido?' Jamais. Jamais vou abandonar o colorido, que faz parte do meu trabalho, mas [Eu Te Amo Lá Fora] está um pouquinho mais sombrio."
"Eu lutei, chorei, tive pressa mas ignorei /Te confesso até hesitei em te falar /Que ao meu lado era o seu lugar /Então, tomei pra mim essa decisão de te amar," canta Duda em "Decisão Te Amar", faixa na qual encontra um amor recíproco com um reggae leve e ensolarado.
"'Decisão de Te Amar' é um amor completamente correspondido. É uma música que eu fiz para o Tomás, uma música de um amor realizado, porque tem esse tempo também. Quando eu falo sobre profundidade, sobre amadurecimento, é muito nesse sentido de acolhimento," explicou a cantora.
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Em cima de um palco vazio, Duda Beat assumiu o papel de protagonista e construiu um espetáculo grandioso, o qual é aperfeiçoado e amplificado a cada produção. Hoje, a cantora é quem acolhe o público com versos sinceros sobre as paixões e desilusões inevitáveis da vida.
"Eu vejo minha arte como um relato verdadeiro, um relato honesto de uma mulher de 33 anos, que é romântica, que se apaixonou, que não foi correspondida e agora é. Tudo que está na minha arte é um reflexo de mim, é um reflexo do que eu vivo [...] todo mundo passa pelas mesmas coisas, de certa forma. Apaixonar-se, não ser correspondido, em algum momento alguém viveu isso."
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