Cantora mostrou boa voz, mas pouca intensidade no Summer Soul Festival, para público que parecia mais interessado na possibilidade de problemas do que em sua música
Atualizado em 17 de janeiro, às 13h16
Raras vezes o nascimento de um ídolo na música vem desatrelado à imagem. E há casos em que a persona ultrapassa a arte. É isso que aconteceu com Amy Winehouse, que encerrou sua miniturnê de cinco shows pelo Brasil neste sábado, 15, no Summer Soul Festival, em São Paulo.
"Será que ela vem, será que vai ela vai ficar em pé?": na pista Premium da Arena Anhembi era possível ouvir perguntas como essas em todos os cantos. Amy Winehouse, que ganhou o mundo com seu soul de letras carregadas de intensidade emocional, agora inspira no público menos admiração artística - e mais a curiosidade mórbida que alimenta tabloides e revistas de fofoca, e que se faz presente, em maior ou menor escala, em qualquer ser humano.
Na capital paulista, a cantora atrasou 25 minutos, enquanto a plateia se divertia com comentários sobre a quantas andaria seu estado etílico. Às 23h40, ela surgiu no palco - sem cambalear ou cair, para tristeza dos que assim esperavam -, de vestido preto justo com detalhes brancos, sorridente, cantando "Just Friends". Quando a música acabou, ela deixou o microfone para falar com seu baixista (que usa um instrumento Höfner, similar ao de Paul McCartney) e o backing vocal Zalon Thompson, como faria diversas vezes durante o show. Seguiram-se "Back to Black" e "Tears Dry on Their Own", mostradas de forma correta, porém sem muita emoção. Segurando o cotovelo esquerdo e com o olhar perdido na multidão de 30 mil pessoas que a assistia, Amy mostrava não estar mais 100% ligada às suas composições. Talvez por terem sido escritas há no mínimo seis anos, tendo sido mostradas sem grandes variações desde o lançamento de Back to Black, seu segundo álbum, de 2006.
Mas Amy cantou bem na maior parte dos 70 minutos de show. Quem a conhece ao vivo sabe que faz parte de seu estilo cantar sem se preocupar em soar igual ao material de estúdio, muitas vezes murmurando trechos e deixando versos de lado. Apesar de decepcionar a maioria com uma versão arrastada de "Rehab", que ela parece não ter mais o mínimo prazer em interpretar, Amy cantou covers lindamente. "Boulevard of Broken Dreams", mais conhecida na voz de Tony Bennett, ganhou uma versão intensa, mostrando que sim, Amy ainda tem uma bela voz. Pena que muita gente não se impressionou com isso, preferindo especular sobre o conteúdo da caneca da qual ela bebia constantemente.
A competente banda tem como destaque os instrumentos de sopro. A flauta transversal se sobressaiu em "I Heard Love is Blind", que terminou com Amy mais uma vez sorrindo ao microfone. Com seu jeito desengonçado de dançar, ela rodopiou durante "Wake Up Alone", agradeceu e deu lugar, como em todos os outros shows no Brasil, a Zalon. O cantor, que deve lançar um disco pelo Lioness Records, selo criado por Amy, mostrou duas músicas, "What's a Man to Do" e "The Click".
Cinco minutos depois, Amy retornou ao microfone, com a já citada desconstrução de "Rehab". Em seguida, ela se dirigiu ao público, perguntando "Como vocês estão? Estão bem?". "Gostariam de conhecer a banda?", questionou, e diante da resposta tímida, repetiu, sorrindo: "Vocês têm mais uma chance: gostariam de conhecer a banda?". Enquanto isso, Zalon e seu irmão Heshma Thompson continuaram dançando animadamente, o que fizeram do início ao final do show.
Na bela versão de "Valerie", da banda indie The Zutons, Amy tirou o microfone do pedestal pela primeira vez, cantando bem e aparentemente feliz. Depois de "You Know I'm No Good", todos deixaram o palco - muita gente começava a se dirigir para a saída da pista Premium quando o grupo retornou, com "Love Is a Losing Game" e "Me & Mr. Jones".
Amy acenou em agradecimento, e se retirou. E assim terminou a passagem da cantora pelo Brasil, que escolheu o país para seu tão aguardado retorno aos grandes palcos. Nessas cinco apresentações, ficou provado que Amy Winehouse ainda está "viva" para a música, ainda que seus shows não passem do "correto", sem grandes emoções. Para o público, parece não fazer diferença: a música importa cada vez menos, enquanto todos esperam pelo próximo passo - ou queda - daquela que tomou para si o posto de alma atormentada de uma geração.
O ano de 2011 deve ser decisivo para a diva junkie-pop-soul: um novo disco é prometido, e o trabalho deve provar se ela viverá de apenas uma obra-prima ou se ainda tem uma carreira como compositora.
A maratona Summer Soul Festival ainda teve shows de Janelle Monáe, Mayer Hawthorne, Instituto e Miranda Kassin e André Frateschi. Clique aqui para saber como foram as apresentações de Janelle e Mayer.