“Fazer música popular no Brasil é fazer milagre, e neste tempo todo, consegui alguns milagres”, diz ele
Uma conversa com Guilherme Arantes rende muito mais do que uma mera entrevista. O cantor e compositor paulistano, atualmente com 63 anos, dominou as paradas de sucesso nas décadas de 1970 e 1980 e se mostra influente até hoje, sendo reverenciados por uma nova geração de artistas, incluindo até Mano Brown, do Racionais MC’s. Ele é uma verdadeira enciclopédia e tece teorias sobre todas as vertentes do pop, rock e da música brasileira, do passado e do presente. Músicas como “Cheia de Charme”, “Amanhã”, “Planeta Água”, “Êxtase” e “Lindo Balão Azul” foram hits gigantescos que fizeram o Brasil inteiro cantar. Arantes trabalhou com Rita Lee E fez Elis Regina virar pop em 1980, quando ele escreveu para ela “Aprendendo a Jogar”. Foi até elogiado por Tom Jobim, que exultou a musicalidade do álbum Coisas do Brasil (1986).
O cantor, que acabou de completar 40 anos de carreira fonográfica, celebra este momento com a caixa Guilherme Arantes – De a 1976-2016, um lançamento da Sony Music. O material engloba 22 CDs com praticamente tudo o que ele gravou nas diversas gravadoras pelas quais passou. Álbuns clássicos como Guilherme Arantes (1976), Ronda Noturna (1977), A Cara e a Coragem (1978), e muitos outros fazem parte do pacote. O box chega até Condição Humana, mais recente trabalho de dele, lançado em 2013. “Essa caixa é um verdadeiro monólito. Esta tudo lá. Deixei de fora apenas um disco que eu interpreto músicas de outros artistas; ele não era autoral, acho que não tinha nada a ver com o conceito. Ao lançar esta caixa, sinto que foi uma missão cumprida. Era algo que tinha que ser feito, e por mim.” No livro de 72 páginas incluso ao lado dos discos, ele também conta em detalhes os bastidores de suas principais criações.
Quando era adolescente e começou a tocar piano e cantar, Guilherme Arantes se mostrava aberto a todo tipo de influência: som erudito, música brasileira, Jovem Guarda e Beatles, passando por tudo que tocava nas rádios da época. Mas quando se profissionalizou, no começo da década de 1970, alcançou destaque no Moto Perpétuo, banda de rock progressivo. Ele lembra como foi essa época: “Nos anos 1970, os músicos eram as grandes estrelas. Havia uma valorização de quem tocava bem, de quem era virtuoso. Meu trabalho refletia o Yes, Emerson, Lake and Palmer, Tangerine Dream, coisas deste tipo. Havia toda aquela coisa de técnica do prog rock. Muitas vezes tudo era um pouco vazio, e a performance dos músicos do gênero tinha uma coisa meio circense. Mas nesta vertente existiam melodias sublimes”, explica.
Mesmo com a erudição batendo na porta, Arantes, queria ser popular, aparecer em programas de TV, ter suas músicas nas trilhas de novela e ser cobiçado pelas garotas nos programas de auditório. Queria ser abraçado por todos. “Eu sou um cara de formação barroca que despencou em Woodstock”, define. Ele achava que a linguagem do rock também estava engessada; a intenção era a de expressar os sentimentos. “Eu gostava de gente como Vinicius de Moraes, Taiguara, aquele tipo de romantismo nobre da época. Eram coisas que eu presenciei e queria vivenciar na música que fazia.” No começo dos anos 1970, Guilherme Arantes cursava a faculdade de arquitetura na USP, mas queria mesmo triunfar no mundo da música. Ele era um tipo existencialista, que lia a obra de Jorge Luis Borges e Vladimir Maiakovski . “Eu era um recluso. Minha vida estava muito angustiada, sem muito sentido”, diz ele. Isso é refletido em músicas como “Meu Mundo e Nada Mais”, “Cuide-se Bem” e “Pégaso Azul”. Mas foi justamente este tipo de existencialismo pop que acabou abrindo as portas do sucesso para ele.
Ele recorda o contexto da época em que surgiu e obteve o sucesso comercial. “Eu entrei em cena naquela época em que havia uma espécie de vácuo na música popular brasileira. Muitos músicos tinham saído do país, os festivais de música já nem existiam mais, havia repressão e censura”, O irônico é que justamente neste período houve uma abertura para o pop no país. Arantes recorda: “Então, apareceram aquelas pessoas tipo Morris Albert e Terry Winter, brasileiros que cantavam em inglês. Eram baladas grandiosas, inspiradas no pop inglês, em Elton John, ou no soft rock norte-americano, como Bread.” Mas Arantes tinha uma diferencial em relação a essa turma. Ele cantava em português e tinha uma grande influência de música brasileira, especialmente do Clube da Esquina. “Eu gostava das melodias do Milton Nascimento, do Lô Borges e das letras do Fernando Brant. A música mineira tinha algo sacro, usava muito o teclado. Eu me identificava. Era o único cara no Brasil que fazia aquele tipo de música. Fazer música popular no Brasil é fazer milagre, e neste tempo todo, consegui alguns milagres”.
O embate entre o utilitarismo e o idealismo dentro da música sempre pautou a carreira de Arantes. Em seus tempos de hitmaker, ele era uma poderosa referência, um artista que se mostrava popular junto ao grande público, mas que também era louvado por fazer música comercial, mas com qualidade e sentimento. Ele fala que uma das perguntas que mais fazem para ele hoje é: “Quem seria o Guilherme Arantes dos tempos modernos?” O músico acha que essa é uma boa pergunta, mas não tem respostas óbvias ou fáceis. “Seria o Marcelo Jeneci? O Silva? Ou o Tiago Iorc? Quem sabe? Todos eles trabalham dentro de uma linguagem pop que não resvala para coisas popularescas como o funk ou o sertanejo.”
Hoje, Arantes vive na Bahia, no Coaxo do Sapo, uma mistura de estúdio, pousada e quartel-general. Diz que tem planos de um disco novo para muito breve e quer fazer algo bem popular. Mas Guilherme Arantes, no momento, quer contar histórias, ser ouvido, contar para o público sobre a música que era feita antes e que ainda é feita hoje. Em seu canal no YouTube, ele é estrela de alguns minidocumentários feitos por ele mesmo, nos quais repassa a carreira e também conta histórias sobre a vida e música. Veja aqui.