"Nós lançamos e já sabíamos que ia ser um choque para as pessoas", diz o vocalista Lucas Silveira sobre o EP, em entrevista à Rolling Stone Brasil
"Temos que aproveitar o tamanho e a importância que a gente tem e mostrar o que uma banda como a nossa está fazendo – lançando música de graça no dia que abriu a iTunes Store no Brasil", dispara o vocalista do Fresno, Lucas Silveira, no dia seguinte ao lançamento do EP independente Cemitério das Boas Intenções. É o primeiro registro de inéditas da banda desde Revanche (2010), disco que encerrou o vínculo do quarteto com a Universal Music e com o famigerado produtor Rick Bonadio, dono da Arsenal Music. "Obviamente, só estamos fazendo isso por saber que, hoje em dia, nós temos condições."
O Fresno foi capa da edição 51 da Rolling Stone Brasil. Leia e veja o making of.
Cemitério das Boas Intenções pavimenta o caminho do Fresno em direção a um som mais pesado – mais alto até que no início da carreira –, e mais distante do pop radiofônico que, com músicas como "Alguém que te Faz Sorrir" e "Desde Quando Você se Foi", elevaram a banda ao público mainstream.
Muito dessa mudança de sonoridade em direção às rádios, ocorrida em Redenção (2008), segundo Lucas, foi dirigida por Bonadio. "Basicamente, existe uma disparidade de visões muito grande", reflete o músico. "A visão dele é: ‘Você tem que ter um disco, mas tem que ter essas músicas pra trabalhar na rádio’. Só que, a partir do momento que você começa a trabalhar pensando assim, você já não consegue mais fazer uma música espontânea”, diz Lucas, em tom de desabafo. “Você acaba tendo esse pensamento pra viabilizar tua carreira lá dentro, entendeu? Existe, realmente, essa ‘taxa de aceitação’: é o quanto tu cede para o mercado. Tudo passava pelo Rick e as nossas coisas já não estavam mais agradando a ele. Ele disse: ‘Vocês querem sair? Então podem sair’. Já estávamos gravando essas músicas e no meio da gravação surgiu essa notícia de que a gente não estava mais lá [Universal Music], e isso gerou um ímpeto extra de deixar essas faixas ainda mais com a nossa cara. Nós lançamos e já sabíamos que ia ser um choque para as pessoas: mas um choque que agradou e fez muita gente voltar os olhos pra nós."
Outro incômodo para a banda dentro da Universal, nas palavras de Lucas, foi que a gravadora parou de financiar os projetos do Fresno. "Nos desligamos da Universal no meio do ano, quando tivemos uma reunião sobre um DVD que queríamos fazer e revelaram que a gravadora estava sem grana", ele afirma. "Teríamos que buscar parceiros e, se quiséssemos fazer por nós mesmos, poderíamos fazer. Pra gente, acho que é a melhor coisa que poderia ter acontecido. Queria que tivesse acontecido até há mais tempo, porque já estávamos fazendo quase tudo sozinhos."
Com muito mais peso e uma certa influência do rock industrial, o novo EP do Fresno é o que Revanche deveria ter sido, caso tivesse sido feito de maneira independente. "Foi todo mixado em casa, por mim e pelo Tavares [baixista da banda]", conta o músico. "Onde a gente pesou a mão dessa vez foi no teclado: toda vez que tem um riff pesado no disco, existe um teclado fazendo exatamente a mesma coisa que a guitarra e o baixo. Isso até deixa com a cara meio industrial."
Sobre as letras, Lucas revela que o Fresno teve facilidade em mudar de rumo. "Por ser um EP, é mais fácil fazer algo temático", ele diz. "[Cemitério das Boas Intenções] é sobre qualquer pessoa, não só amigos e bandas, aceitando um monte de verdades sem questionar. Daí, já entra em assunto de igreja também, como em 'A Gente Morre Sozinho'."
Dadas as letras do EP, o ateísmo surge, inevitavelmente, como uma das ideologias propostas nas canções. "Sou de criação católica", frisa o cantor. "Mas, pelo momento que estou passando, aquilo é o que tenho a dizer. Se eu ouvisse com 16 ou 17 anos aquilo, vindo de uma banda que eu gosto, certamente eu pararia pra pensar. Eu lembro quando tinha essa idade e ouvia muito Dead Fish: todas as músicas faziam questionamentos dos mais diversos tipos e eu não me tornei um comunista ou comecei a votar no PSTU por causa deles”, ele pondera. “Mas realmente, passei a enxergar as coisas com um ponto de vista muito mais crítico por causa das bandas que ouvia. Isso mostra muito que as pessoas precisam encontrar sua verdade própria. Já vi pessoas cometerem absurdos em nome de Deus e já vi atos de bondade feitos por pessoas que às vezes podem nem saber direito o que é Deus. Então, eu acredito muito mais nas pessoas."
O próximo passo do Fresno, inclusive, é continuar no rumo dos EPs temáticos, que serão lançados em uma trilogia. "Nosso próximo álbum vai ser formado por isso", revela Lucas. "Por esse ser um EP, ter o compromisso menor de um disco, a gente não se preocupou nem um pouco com o que a rádio quer ouvir, mas a vontade de ter um megassucesso de rádio nunca passou. Acho que isso é importante, mas também existe o quanto você vai ceder. Vejo hoje bandas que já nascem vendidas: tem um passado de rock e gravam o disco inteiro no pensamento de ‘putz, isso aqui tem que ter um single de rádio’. E aí tu vê um cara sertanejo fazendo cada vez mais rock. O mundo tá muito louco."
Lucas Silveira sabe que essa nova guinada pode levar o Fresno a perder antigos fãs, ainda que também apresente a banda a um novo público. "Por mais que, às vezes, a gente tenha fãs que tenham sido conquistados nessa fase mais 'mansa' da banda e estejamos assustando as pessoas com essas músicas novas, isso faz parte", acredita. "Ao mesmo tempo, falando desses temas e cantando com essa intensidade, aproximamos pessoas que têm muito mais a ver com a gente e fazem nosso show ser do caralho. Cada dia uma fase acaba. O fã cresce com a gente – a maioria, pelo menos."