Festival goiano chegou à sua 12ª edição com shows de Nevilton e Black Drawing Chalks, mostrando que permanece como um dos eventos independentes mais importantes do país
O festival goiano Bananada realizou, no último final de semana, sua 12ª edição, solidificando-se como uma espécie de "centro da resistência rocker juvenil". Memória é preciso: o dito "rock independente" fincou raízes nas alaranjadas terras do centro-oeste brasileiro por meio da maratona musical (depois, claro, do recifense Abril Pro Rock, revelador de Mundo Livre S/A e do revolucionário Chico Science & Nação Zumbi). Os festivais independentes ainda são a grande alternativa para quem quer ouvir uma concentração de bandas de qualidade, fugindo do eixo Rio-São Paulo. E, a 200 km dali, em Brasília, a pseudo-sofisticação da cena fica milhas e milhas distante da "marcha fuzz" levantada como bandeira pelos goianos.
Há 12 carnavais, o Bananada detém a expertise de como se fazer um festival: funcional, logístico, organizado e - mais importante - com séria e honesta devoção. Razão pela qual bandas de todos os 26 estados brasileiros, mais o Distrito Federal, têm o certame roqueiro como vitrine. Caso dos paranaenses do Nevilton, por exemplo, que viajaram à Goiânia para mostrar a animada mistura de jovem guarda com rock britânico, e da Black Drawing Chalks, que teve a faixa "My Favorite Way" eleita pela Rolling Stone Brasil como a melhor música de 2009.
A festa começou no sábado, 22, em frente ao Centro Cultural Martim Cererê, no qual o festival ocorre tradicionalmente. São dois palcos sobre os quais as bandas se revezam, para que não haja atrasos na hora da troca de equipamentos entre um show e outro. O sistema funciona bem. Lá dentro, a florescente juventude que congraça emos com clubbers, metaleiros como stoner-rockers, brasileiros com chilenos, gaúchos com catarinenses, paulistas com cariocas.
Nessa edição, cujo fechamento foi da Black Drawing Chalks - que segurou o público na mão no domingo, 23 -, a cena foi roubada pelo quinteto Procura-se Quem Fez Isso, do Rio Grande do Sul. O grupo possui dois organistas que pilotam com maestria seus Arbons alaranjados. Eles jamais mostram suas identidades: se apresentam com o rosto coberto por uma meia-calça, adornando a cabeça com cartolas com lanternas de minerador. O traje seria ridículo se a música soasse ruim. Mas o som é realmente genuíno: uma mistura bem amarrada de Frank Zappa com Mutantes, de Beach Boys com The Residents. No palco, a comunicação é feita por meio de um gravador de fita K7, que transmite mensagens dos integrantes ao público. A voz é vocoderizada: "A próxima música chama-se 'A Marcha dos Bonecos'". Para minha "entrevista" gravaram a seguinte declaração: "Aparências costumam levar a associações, rótulos e estereótipos que atrasam o desenvolvimento de uma linguagem musical livre".
Outro destaque do Bananada foi a sergipana Plástico Lunar, que evoca mod, blues e psicodelia em sua fórmula. Vale a pena prestar atenção neles. Assim como na Trivoltz, de Goiás, que masterizou seu LP (vinil mesmo) em Nova Iorque e o prensou na República Tcheca.
Também goiana, a banda Johnny Suxxx And The Fuckin' Boys soltou a melhor frase de todas: "Se o rock está mesmo morrendo, estamos matando-o aos pouquinhos". Para Sarah, da banda folk goiana Oye!, tocar no Bananada foi ótimo: "É uma grande vitrine para quem está começando". Agora a Oye!, cuja banda tem um EP gravado, se apresentará em Córdoba, na Argentina.
Mechanics, prata da casa, exortou a turba para sua festa de microfonias, e a vibração noise foi às alturas. A maior surpresa, porém, foi a banda gaúcha Comunidade Nin-Jitsu. Não parecem ter mudado nada na última década, não perderam o "mojo". Fica no ar o questionamento: porque não estouraram nacionalmente com sua junção de miami bass com funk rock e metal com hip-hop?
Pelo indie goiano, mas com diversidade
Nos últimos anos, o Bananada passou por um reposicionamento que valoriza a produção musical local, mas artistas internacionais também têm vez, como os grupos norte-americanos Trans Am, Man or Astroman?, Watts e o cantor nipo-germânico Damo Suzuki.
Embora a maioria do público do festival seja de apóstolos fervorosos do hard rock (o Grand Funk Railroad já foi canonizado por aqui), nenhum show deixa de ser prestigiado. Do samba ao folk, do metal ao stoner, do tradicional ao moderno. Com ardor, os jovens sobem no palco, cantam com os artistas, dão malfadados moshs e se quebram no chão. Estes, a propósito, são capítulo à parte na história do festival. Sua presença maciça, a cada edição, perpetua uma das missões do Bananada: ser uma alternativa barulhenta ao Festival Agropecuário, que anualmente diverte agrogirls e cowboys com atrações da música sertaneja. Para Fabrício Nobre, presidente da Abrafin (Associação Brasileira de Festivais Independentes), ninguém duvida que o rock tem levado mais longe o nome da "terra de Cora Coralina e do sertanejo". "A premissa dylanesca continua mais válida que nunca: 'pedra que rola não cria limo'", acredita.
O nome Bananada foi sugestão do guitarrista Gustavo "Mini" Bittencourt, dos Walverdes. Na opinião de Mini, o rock brasileiro vive interessantíssima fase - a tecnologia facilitando a produção e a divulgação e, o mais importante, a comunicação entre as pessoas e as bandas: "Experimente entrar numa máquina do tempo, voltar anos atrás, juntar um monte de indie numa sala e dizer: 'Daqui a 15 anos vocês vão poder fazer turnês pelo nordeste, centro-oeste e haverá festivais enormes só de bandas independentes'. Iam rir de você. Mas aconteceu". Também por isso, o Bananada é de fundamental importância. Arranjar recursos para erguer um festival de forma organizada, não é tarefa fácil. Afinal, estão ali a força da música produzida em Goiás e também um verdadeiro intercâmbio cultural entre artistas locais e de fora. E é essa equação que faz com que o evento continue como um dos mais importantes da cena independente do país.