As produções tomam liberdades criativas e subversivas no enredo para modernizar figuras históricas
The Crown, Victoria e The Tudors trouxeram para a TV narrativas baseadas em histórias reais. Apesar de algumas liberdades criativas, Peaky Blinders e Vikings também são exemplos de produções arraigadas em personalidades históricas.
Com elas, o público descobriu mais sobre política, cultura e costumes de épocas passadas. Todas essas séries foram moldadas em torno do drama e de um roteiro mais sóbrio. Mesmo em situações puxadas para o lado cômico, o espectador sempre soube o que esperar: o trágico.
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As produções mais tradicionais se constroem ao mostrar as figuras históricas em cenários heroicos e muito distantes da realidade atual. Mesmo com atitudes falhas, chega a ser difícil se relacionar e se ver nelas. Pelo tom mais severo, as séries retratam acontecimentos reais com um toque de ficção, mas não se permitem brincar tanto com a própria trama. No entanto, uma nova leva de produções na TV promete remodelar a narrativa de personalidades reais e famosas.
Esses programas, lançadas entre 2019 e 2020, trazem uma entonação muito mais humorística e satírica para momentos passados. Ao brincar com as próprias linguagens e personagens, o público, principalmente os millennials, finalmente consegue se aproximar dos protagonistas.
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Em The Great, Catarina, a Grande, imperatriz da Rússia é interpretada por Elle Fanning. Super irônica, logo na abertura aparece a mensagem: "História ocasionalmente verdadeira". Em Dickinson, sobre a autora Emily Dickinson, a linguagem também se distancia dos moldes mais conversadores e coloca a poetista - vivida pela atriz Hailee Steinfeld - em situações inesperadas.
Até nos cinemas essa perspectiva foi refletida. Em Emma (2020), a obra de Jane Austen foi totalmente transformada para um enredo moderno. Mesmo ao se passar no século XIX, o cuidado com os detalhes do filme o aproxima do público. Voltando para a TV, também vemos a comédia brilhar em Black Monday. Sem uma figura histórica exata, a série traz como ponto central a queda dos mercados acionários nos Estados Unidos, em 1987.
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Apesar da crescente estreia de produção de comédias voltadas para períodos passados, The Great e Dickinson se destacam. As duas brincam com a ideia de 'série de época', tomam liberdades criativas e subversivas no enredo para modernizar figuras históricas e atraem um público mais jovem para as vivências dessas personalidades.
A série The Great mostra um retrato particular da jornada de Catarina, a Grande, rainha da Rússia, durante o século XVIII. Na produção, o público segue a caminhada da jovem de uma pessoa esperançosa cheia de fantasias para uma governante cada vez mais pragmática.
A trama se apresenta como um conto moderno da mais longeva imperatriz russa. Sem estar atrelado a todos os fatos históricos e linhas temporais corretas, The Great se diverte na própria narrativa e revela uma Catarina - e todo o Reino praticamente - tomada por ironia. Interpretada pela excelente Elle Fanning, a rainha progressista logo entende o papel dela no futuro do país e começa a se posicionar em tomadas políticas de forma desinibida e potente.
Com comportamentos contemporâneos, situações e vivências familiares, percebe-se como a ficcionalização de Catarina a coloca em um status de potencial ícone pop.
Sobre a linguagem contemporânea escolhida, o showrunner Tony McNamara disse à Variety: “Eu queria que parecesse que os problemas que eles tinham estavam tão presentes quanto os nossos problemas todos os dias. A única diferença é que entramos em um carro depois de brigarmos com nossa esposa ou marido e eles entram em uma carruagem”. Ele completou: "Nós nunca quisemos que a linguagem parecesse uma barreira". Em praticamente todas as cenas, algum personagem solta um palavrão ou expressão popular.
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Depois de uma primeira temporada promissora, a Hulu renovou a série para uma segunda parte. No Brasil, a produção está disponível no Starzplay.
Assista ao trailer de The Great:
A produção da Apple TV+ traz um olhar singular para uma das autoras mais influentes do mundo. Conhecida por ser retratada como uma pessoa reclusa e frágil, Emily Dickinson ganha contornos extrovertidos e ácidos na série. O público consegue acompanhar um lado super curioso da figura histórica de forma singular.
A jovem Emily é colocada sob uma perspectiva totalmente moderna e relacionável. Pelo streaming, o espectador segue a poetista com toda a personalidade sagaz, rebelde e atrevida dela. Na série, ela lida com as normas sociais refletidas nas pressões da família e se revela como uma mulher a caminho da independência pessoal. Toda a caracterização da personagem se apresenta como uma tentativa de mostrar como a escritora tinha ideais visionários e progressistas para a época.
Em entrevista à Variety, a roteirista Alena Smith comentou sobre a linguagem da protagonista: "A própria Dickinson era uma artista radical que não era bem compreendida ou apreciada em seu próprio tempo. Ela tinha uma mente à frente de seu tempo, ou fora de seu próprio tempo, e [usando uma linguagem mais contemporânea] nos dá a oportunidade de dizer: 'Ela pode fazer sentido para nós em nosso tempo?'".
É exatamente esse detalhe que deixa Emily cativante aos olhos do espectador. Em pleno século XIX, ela fala expressões como "cara" e "merda". Há algo realmente interessante em mudar as linguagens convencionais em produções de período, quase como um elemento subversivo. A jovem também é extremamente familiar. Em situações peculiares, as reações dela são super divertidas de assistir. Quando descobre estar menstruada, por exemplo, Emily grita "Não!" e cai lentamente no chão.
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Até a música da série não deixa de conversar com o público mais jovem e dar um ar moderno à personagem. Na produção, vemos os personagens dançarem ao som de faixas dos anos 2010 e 2020, como "Praise The Lord (Da Shine)", de A$AP Rocky, "Boys", de Lizzo e "Bury a Friend", de Billie Eilish.
Pelo sucesso, a série foi renovada para a segunda temporada antes mesmo da estreia da primeira. As filmagens já foram finalizadas, mas ainda não há previsão de lançamento.
Em entrevista ao Collider, a atriz Hailee Steinfeld comentou sobre o que público verá na nova parte: “Temos que imaginar que em algum momento da vida de Emily, ela se sentou naquela mesa, certo? E só escreveu esses poemas para quem ela queria vê-los".
Ela continuou: "Mas deve ter havido momentos em que ela queria o mundo – nós sabemos disso –, ela queria que o mundo a visse trabalhar, ouvir e ler e apreciar seu trabalho e seu valor. Ela diz no final da 1ª temporada: ‘Sou poetisa e é isso que vou fazer, goste ou não’, e ela leva isso para outro nível [na] 2ª temporada”.
Assista ao trailer de Dickinson:
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