Atual e tragicômica, crítica à indústria fonográfica é um bálsamo para olhos e ouvidos na programação do festival
Não basta ter talento para ser bem-sucedido. Quando as coisas simplesmente não acontecem e dependem de fatores externos, como a boa vontade de um executivo de gravadora – ou a dos amigos –, a sorte adquire uma perigosa porcentagem de importância na vida de um músico que quer e precisa de shows para viver.
Fechando a primeira semana em Cannes, Inside Llewyn Davis foi um desafio. Filas de convidados e jornalistas superlotaram as duas primeiras sessões do filme no festival e muita gente precisará esperar pela estreia prevista para dezembro.
O ator Oscar Isaac, de Drive, pode começar a sonhar com uma indicação ao Oscar. O retrato dele de um artista incompreendido, talentoso, mas bruto e emocionalmente instável, é um bálsamo para olhos e ouvidos. O ator, que estudou no conservatório The Juilliard School, em Nova York, não teve grandes problemas para aprender as técnicas e músicas de Dave Van Ronk, cuja obra inspira o filme.
O início do folk e as histórias cotidianas de quem batalhava para estar na efervescente cena musical da década de 60 são retratados com o característico humor ácido e negro dos Coen. O personagem Llewyn tem certo talento para desapontar pessoas e não convencer o diretor de sua gravadora a lhe dar um centavo.
Ele depende do teto de amigos como a ex dele Jean (Carey Mulligan) e o atual namorado e parceiro musical dela Jim (Justin Timberlake). Llewyn persegue o sonho do próprio sucesso, assombrado pelo fantasma de um amigo que morreu.
A amargura com a qual a indústria fonográfica é retratada chega ao melhor momento quando Llewyn vai a Chicago tentar a sorte em um bar e é recebido pelo dono do lugar, que lhe diz as verdades que o rondam. Elas caem como uma bigorna na cabeça do músico: “Procure uma dupla e faça um som harmônico, o seu não funciona”, diz ele.
Maus pagadores, músicos malandros, aproveitadores de garotas, donos de bar que não entendem de música e desvios da vanguarda musical estão na deliciosa jornada dos Coen. Para o bem ou mal, o longa retrata mais o fracasso musical do que a redenção de Llewyn.