Com o sugestivo nome de Goodson (bom filho, em inglês), ele retorna ao horário nobre em série que, novamente, é sobre ele mesmo
Sheen, Harper, Goodson. Poderia se pensar que um homem de carne e osso tão complicado como Charlie Sheen daria origem a personagens um pouco mais profundos. Mas a verdade é que Anger Management, a nova empreitada do ator, na qual ele ganha o sobrenome Goodson, lembra muito o personagem televisivo anterior, Charlie Harper, sendo que este carregava diversas facetas do ator, cuja vida tem exageros narrativos muitas vezes mais interessantes do que seus personagens. A história real por trás do surgimento de Anger Management, que estreou com episódio duplo nesta quinta, 28, no canal norte-americano FX, é a de um astro que após uma crise sem precedentes na história de Hollywood tinha muito para provar.
O canal para a reabilitação da imagem dele é a série, baseada no filme Tratamento de Choque (2003), do qual muito pouco ficou com a adaptação. A realidade é que a maior preocupação da trama é mostrar um Charlie Sheen novamente pronto para o trabalho. A série Two and a Half Men, que dava a ele um dos maiores salários da TV, o demitiu por causa de seus surtos verborrágicos, abuso de substâncias e comportamento errático. Sheen foi obrigado a voar solo e deixar para trás as camisas de boliche. Mas levou com ele parte da mentalidade adolescente, uma certa imaturidade sedutora e a obsessão por sexo de Harper, na tentativa de carregar junto a audiência polpuda de Men. Se o novo Charlie fictício é bastante parecido com o antigo, tem a crucial diferença de que tenta com afinco ser uma boa pessoa, enquanto o anterior se orgulhava de ser um beberrão degenerado e sem escrúpulos.
Incomoda o fato de que tudo nessa estreia gira em volta de regenerar a imagem de Charlie Sheen. O maior trunfo de Anger Management é “ser a série que o trouxe de volta para a TV”, e isso pode ficar velho muito rápido. O “humor de terapia“ tem todos os clichês esperados e os (muitos) personagens pareceram, neste primeiro episódio, serem planos demais – a mulher gostosa e burra, o veterano de guerra preconceituoso, o gay sensível, enfim, todos os estereótipos. Mas em geral as piadas e falas têm potencial, apesar de não estarem ao nível do FX, um canal conhecido por ser ousado em seu conteúdo. Mesmo com estrutura de gravação e de roteiro completamente derivados de fórmulas clássicas, algumas referências são inteligentes e nem todos os “punchlines” são previsíveis. E as gracinhas fáceis de conteúdo sexual? Bem, essas a gente tem que deixar passar, são o arroz com feijão do homem solteiro clichê na ficção. Elas estão para uma série de Sheen como o “pavê ou pra comer” está para a celebração de Natal. Se aquele tio de sempre não solta essa, a ceia não tem o mesmo gosto familiar.
A alusão a tudo que aconteceu com Sheen nos últimos tempos já era esperada, e ela abre a estreia. Vemos que Charlie Goodson foi bem-sucedido em reconstruir a vida após ter um surto de raiva que acabou com sua carreira no beiseibol – e o paralelo com o ator é inconfundível. Agora, ele é o herói que ajuda os outros na mesma tarefa, trabalhando com dois grupos de pacientes que precisam controlar a agressividade: um mais diverso e colorido e outro dentro de uma prisão. Além disso, tem uma filha (Daniela Bobadilla), que faz a função de extrair o cara bacana que há dentro dele; uma ex-mulher cúmplice (Shawnee Smith); um melhor amigo (Michael Boatman); uma analista/melhor amiga/parceira de loucuras sexuais/namorada em potencial (Selma Blair) e uma barwoman (Brett Butler) ombro amigo.
Acabam sendo muitos elementos, o que dá a sensação de que o criador Bruce Helford (The Drew Carey Show) não tinha certeza de que rumo tomar. A questão é que ele não tem muito tempo para descobrir. O contrato da série traz algo inédito: estipula que se os dez primeiros episódios tiverem boa audiência, o programa tem 100 episódios já garantidos. Mas para isso, claro, eles precisam encontrar um caminho para a série de algum dos lados do muro, sem a indecisão entre a audácia e o humor clichê.