Raridades do acervo de Super 8 de Jards Macalé serão exibidas no Multiplicidade, nesta quinta, 23, no Rio
Ideia na cabeça ele tinha para dar, vender e fazer fiado na praça. A câmera na mão veio em 1969, quando Jards Macalé caiu "no meio da selva, num festival da Amazônia", poucos dias após apresentar "Gotham City" no 4º Festival Internacional da Canção, no Maracanãzinho.
"Fiquei com essa filmadora até 1987, quando ela desapareceu magicamente", contou ao site da Rolling Stone Brasil o cantor, compositor e violonista, apontado, contra sua vontade, como enfant terrible da música brasileira. Esse passe de mágica, felizmente, não afetou o acervo de filmes Super 8 do músico. Se assim fosse, uma chance preciosa escorreria ralo abaixo: conhecer um pouco da rotina da turma que zarpou para as bandas europeias durante a Ditadura Militar.
Tente imaginar isto: durante autoexílio em Londres, Macalé e Caetano dividem apartamento. Gil, também escapulido do Brasil, sempre aparece. Na cidade também estão Glauber Rocha, Júlio Bressane e Rogério Sganzerla, o trio ternurinha do cinema brasileiro experimental. "Todos espalhados por lá. Tinha uma 'tchurma' boa", Macalé viaja no tempo.
Agora, várias dessas cenas, a maioria inédita, poderão ser vistas no Multiplicidade, evento que acontece nesta quinta, 23, no Oi Futuro, no Rio de Janeiro. Quem deu um jeito no arquivo - para o músico, acima de tudo "um álbum de retrato de mim pra mim", pelo qual "ninguém se interessava" - foi o cineasta Samir Abujamra, do coletivo experimental A Organização.
Na garupa da proposta multimídia do Multiplicidade, o Cine Macalé vai rolar enquanto o músico executa parcerias dele com Waly Salomão ("Vapor Barato", "Dona de Castelo") e músicas de Zé Keti ("A Voz do Morro") e Moreira da Silva ("Acertei no Milhar"), entre outras.
Vai ser uma boa chance de ter uma palhinha do que foram aqueles "loucos anos". Um dos filmetes em Super 8, por exemplo, mostra o primeiro ensaio de Transa, LP lançado em 1972 por Caetano Veloso. "Fizemos piquinique num parque e começamos a ensaiar lá mesmo", explica Macalé, que fez arranjos para o álbum, eleito pela RS Brasil como o oitavo melhor título da discografia brasileira.
Para aquela "tchurma", a união fazia a força. Estamos falando de uma época em que até o paleozoico Windows 3.x soaria papo de Jetsons. As notícias do Brasil, portanto, só chegavam via carta, telefone ou pessoas recém-chegadas na Europa. Mas Macalé insiste em um ponto: o que fazia com sua filmadora "não é muito diferente do que você fazem hoje com filmadorazinhas de última geração". A qualidade é que ficou uma coisa gozada, segundo o cineasta amador. "É interessante, hoje, ver como o filme em si ganha tonalidade, parece pintura." Dá para ouvir a gargalhada do outro lado da linha antes de a voz rouca, que caracteriza uma performance cheia de personalidade no palco, continuar: "Meio Van Gogh, sabe?".
Os filmes eram tremidos e, não raramente, fora de foco. A impressão que passa é de vídeo-arte proposital. Macalé, aliás, já se engraçou por essas veredas, em trabalhos com os artistas Hélio Oiticica e Lygia Clark, entre outros. "A multimídia não é tão nova quanto pensam. É o ontem de amanhã com outro nome", ele tira onda.
Quem não mora no Rio deverá ter outras oportunidades de conferir as imagens - boa parte do acervo está sendo digitalizada.
Multiplicidade
Oi Futuro
R. Dois de Dezembro, 63 - Flamengo 23 de julho, quinta, às 19h30
R$ 15
Capacidade: 100 pessoas
Informações: (21) 3131-3060
www.oifuturo.org.br