“O filme é moderno, as referências retrô estão lá apenas para dar um sabor”, explica o compositor, responsável por criar o som de um dos melhores lançamentos de 2011
Eleito melhor filme de 2011 pela Rolling Stone EUA, Drive, que estreia no Brasil nesta sexta, 2, consegue ser, ao mesmo tempo, moderno e retrô. Não só pelos carros, letreiros rosa ou pela jaqueta de escorpião vestida pelo protagonista, Ryan Gosling (foto). O que realmente transporta os espectadores para algum momento perdido da década de 80 é a música de artistas como Kavinsky (com participação da brasileira Lovefoxx), College, Electric Youth e Desire. Em comum entre eles está a forte influência do synth-pop, gênero musical popularizado na década de 80 e que também serviu de base para a bela trilha criada para o filme pelo nova-iorquino Cliff Martinez.
“Estava claro que o synth-pop dos anos 80 era uma parte importante do som como um todo, então tentei integrar estes elementos na trilha em momentos estratégicos”, afirma Martinez, em entrevista por e-mail à Rolling Stone Brasil. “Eu e Nicolas [Winding Refn, diretor] queríamos que as canções e a trilha trabalhassem juntas para transmitir a sensação de que foi tudo recortado do mesmo tecido”, ele conta.
Embora o clima oitentista seja uma inspiração declarada, o músico garante que a intenção nunca foi emular aquele período. “Não tentei criar uma trilha sonora completamente vinculada aos anos 80, e acredito que também não era o objetivo de Nicolas situar o filme nessa década. Tanto a trilha sonora quanto o longa são modernos, as referências retrô estão presentes apenas para dar um sabor especial.”
Sabores especiais, inclusive, parecem ser a especialidade de Martinez. Para compor suas trilhas, ele faz uso de um instrumento pouco conhecido. “O cristal Baschet é um instrumento musical completamente acústico tocado com as mãos umedecidas em varetas de vidro”, explica. “Vi o instrumento pela primeira vez quando tinha 10 anos em uma exibição no Museu de Arte Moderna de Nova York e, desde então, meu cérebro parece que foi reorganizado. Tento colocá-lo em todas as minhas trilhas desde o filme Solaris.”
Ex-baterista do Red Hot Chili Peppers, Martinez aproveita seu background na percussão para trazer outro instrumento às suas composições: o tambor de aço. “Tenho uma casa inteira cheia de tambores: baixos, barítonos, sopranos (sem altos, ainda)”, conta. “Quando não estou tocando, eles servem como mesas de jantar, descansos para o pé, apoios para alto-falantes e latas de lixo“, brinca o compositor.
Métodos de criação
Para começar a desenvolver os temas, Cliff Martinez analisa o corte bruto do filme e tenta encontrar algum ponto de partida. “Sempre escolho algum momento que me fez pensar. Para Drive, escolhi a cena que começa no banheiro, com o Motorista [Ryan Gosling] e Standart [Oscar Isaac], e termina na loja de penhores”, revela. “Selecionei esta sequência por alguns motivos. Primeiro, consegui me direcionar bem a partir dela. Por ser longa, também ganharia tempo para criar ideias que, se bem-sucedidas, poderiam abrir portas para outras cenas. Por fim, ela possuía os dois aspectos que, para mim, norteariam a trilha: texturas de ambiência e sintetizadores rítmicos retro.”
Além de realizar este trabalho sequência por sequência, Martinez conta que gosta de estudar bastante antes de criar suas trilhas, do mesmo modo que um ator faz pesquisas para desenvolver seu personagem. Mas com Drive isso não foi possível. “Foi uma experiência totalmente de impulso, uma aventura, tudo aconteceu muito rápido”. No entanto, por influência involuntária do próprio diretor, o músico acabou utilizando um filme como referência, em escolha que deve alegrar aos fãs de terror. “Nicolas mencionou diversas vezes que seu filme favorito é O Massacre da Serra Elétrica. Por ele fazer constantes referências, me senti obrigado a conferir. O ouvinte mais atento vai conseguir descobrir algumas baforadas do Leatherface aqui ou ali na trilha”, ele declara.
De acordo com Martinez, Nicolas Winding Refn sempre se referiu a Drive como um conto de fadas sobre Los Angeles. “Quando assisti ao longa, com as pessoas sendo violentamente assassinadas e tudo mais, esqueci da analogia sobre os contos de fadas. Mas conforme fui conhecendo Nicolas e o próprio filme, a ideia voltou e fez muito sentido”, ele relembra. “Existe uma qualidade mágica e inocente na história que é muito importante para contrabalancear os momentos mais brutais e sensacionalistas.”