Festival aconteceu no último sábado, 12, no Memorial da América Latina, em São Paulo, e também teve shows de Rincon Sapiência, Tulipa Ruiz e Aíla
Alguns dos principais nomes da música brasileira contemporânea tomaram conta do Memorial da América Latina, em São Paulo, no último sábado, 12, durante o Coala Festival 2017. As apresentações de Caetano Veloso, Emicida – acompanhado de Fióti e Rael –, Rincon Sapiência, Tulipa Ruiz, Aíla e Liniker e os Caramelows tiveram em comum o teor político e social, com manifestações contra preconceitos e violências, incluindo protestos verbais constantes contra o presidente Michel Temer (PMDB) e a favor da liberdade de Rafael Braga.
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A seguir, saiba o que aconteceu na edição de 2017 do Coala Festival.
Liniker e os Caramelows
O sol escaldante deixou de ser o que ocupava a mente do público do Memorial da América Latina exatamente às 13h17, quando Liniker e os Caramelows subiram ao palco para dar início ao dia de shows. Sem cumprimentos ou formalidades, o grupo começou a tocar os instrumentais de "Remonta", faixa-título do primeiro disco cheio da carreira, prestes a completar um ano de lançamento.
Liniker dançava quase que ininterruptamente em seu deslumbrante vestido prateado, e a multidão, que começava a ficar cada vez maior, correspondia à animação com gritos de "maravilhosa!" e "eu te amo!". Ela aprendeu a atenção de quem estava ali por toda a duração do show. Se pedisse para que as pessoas batessem palma, elas batiam. Se sinalizasse que era para cantarem o próximo verso, eles atendiam com prontidão. Uma coisa era certa: ninguém ali conseguiu ficar indiferente.
Após a segunda música, "Louise du Brésil", Liniker parou para receber o público do evento. "Boa tarde, Coala Festival! Nós somos Liniker e os Caramelows", ela apresentou. "É um prazer imenso abrir os trabalhos da tarde de hoje com muito axé e muita brasilidade." O set de aproximadamente 40 minutos também contou com "BoxOkê", parceria com Tássia Reis e Aeromoças e Tenistas Russas, "Lina X", "Zero", "Prendedor de Varal" e "Caeu".
Entre os pontos altos, esteve o soul train organizado espontaneamente por Liniker e Renata Éssis, backing vocal da banda. A dupla, que mostrou muito carisma e interagiu incansavelmente ao longo da apresentação, abriu um corredor no meio da multidão, para que as pessoas pudessem passar dançando. "Enquanto a música tocar, vocês vão exibir seus corpos por esse corredor, porque nunca se sabe quem está na plateia, né?"
Em outro momento especialmente forte, a voz poderosa de Liniker ecoou pelo Memorial em um importante apelo social: "Primeiro, obrigada ao Coala por abrir o convite para fazer parte de um festival com um line-up de gente que gostamos tanto", ela começou. "É muito importante uma mulher trans estar ocupando esse espaço ao meio dia aqui. O Brasil é o país que mais mata travestis, transsexuais, lésbicas, mulheres... Então a gente resiste. É só por isso que eu estou aqui."
Aíla
Continuando com o viés social desencadeado por Liniker, Aíla começou o show no Coala Festival com as pungentes rimas de “Clã da Pá Virada”, que também abre o disco mais recente dela, Em Cada Verso um Contra-Ataque (2016). O primeiro visual exibido pela paraense foi uma vestimenta preta com seios femininos pendurados. A escolha fez com que, mesmo quem ainda não tivesse ouvido o nome de Aíla, voltasse a atenção para o palco.
O repertório da apresentação continuou baseado no disco Em Cada Verso um Contra-Ataque, com “Melanina”, uma canção que trata sobre racismo, tocada logo em seguida. Depois, Aíla levantou os presentes com “Lesbigay”, uma parceria com a veterana Dona Onete. Os versos sobre amor livre foram os primeiros a serem cantados em coro durante a performance.
Como de costume, o show de Aíla contou com uma intensa composição visual. Após a terceira música,”#Nãovoucalar”, ela saiu do palco e retornou vestida com uma máscara, elemento que também estampa a capa do mais recente LP dela. Durante “Tijolo”, a mais lenta das canções apresentadas, a cantora foi performática ao máximo, somando os versos com movimentos que representavam dor. Ao fim, ela se ajoelhou no chão e, como metáfora, arrancou a máscara.
Além das canções autorais, Aíla fez duas covers: “Somos Milhões”, das Mercenárias, e “Assaltaram a Gramática”, conhecida com o Paralamas do Sucesso. Ao fim da apresentação, ela aproveitou para estabelecer uma ligação entre a música e a situação atual brasileira. “Neste país que vivemos, precisamos contra-atacar em diversos sentidos. E eu quero que minha arte seja um meio de combater a homofobia e tantos outros preconceitos. Eu nasci em uma das maiores periferias do Brasil, em Terra Firme, em Belém do Pará, e é muito importante estar aqui, fazendo nem que seja uma microrrevolução.”
Tulipa Ruiz
Era começo de tarde quando a voz potente de Tulipa Ruiz ressoou pelos amplificadores na melodia de "Jogo do Contente", do terceiro disco dela, Dancê (2015). A cantora permaneceu boa parte da apresentação próxima ao pedestal. Ela balançou no ritmo da música e interpretou as letras também com os movimentos das mãos. "Bem vindos! É um astral absoluto estar aqui com vocês hoje, muito obrigada!"
Após apresentar "Físico", "Proporcional" e "Elixir", a cantora acrescentou uma canção inesperada ao line-up. "É uma delícia estar derretendo nesse sol com vocês. É um prazer estar nesse festival que dá espaço para quem está chegando, para quem chegou também, mas o agora é importante", ela disse. "Então um brinde a vocês que ainda são jovens. É um prazer ser contemporânea de vocês." "A gente nem ia fazer essa, mas esse sol pediu", disse Tulipa, introduzindo "Efêmera", que foi recebida com a animação do público.
O show de Tulipa prosseguiu com "Pedrinho" – em que ela mandou "um beijo para todos os Pedrinhos e Pedrinhas que estão aqui hoje" –, "Só Sei Dançar Com Você", originalmente com a participação de Zé Pi, e "Prumo". Na performance cativante, Tulipa parecia tirar o fio do microfone para dançar, passando-o por entre os dedos e por trás das costas. O talento vocal não deixava de impressionar o público, que gritava incentivos à cantora em toda oportunidade que surgia.
Em dado momento entre canções, a plateia viu a oportunidade de iniciar um coro de "Fora Temer", prática comum nos shows ao redor do Brasil atualmente. Tulipa respondeu prontamente: "Fora Temer. Seria lindo se fosse antes do pôr do sol. Na próxima música, eu quero dedicar todo o veneno dela a ele e eu tenho a honra e o delírio de chamar para essa música o meu pai Luiz Chagas, my guitar hero". O guitarrista então subiu ao palco para tocar "Víbora" com a filha. A performance dramática e cativante teve uma surpresa perto do fim: Liniker se juntou a Tulipa para cantar os versos finais da música, acrescentando intensidade à apresentação (a exemplo do que elas fizeram recentemente, no festival goiano Bananada). Luiz Chagas e Liniker ainda permaneceram no palco do Coala para "Sushi", música que encerrou a apresentação.
Rincon Sapiência
A frase “Liberdade para Rafael Braga”, gravada na bateria, antecipou a entrada do rapper Rincon Sapiência no palco do Coala Festival. Marcado por uma temperatura mais amena e um público mais intenso, o show foi iniciado com “A Coisa Tá Preta”, música que, com versos de empoderamento negro, ditou qual seria a temática da apresentação.
O inconformismo político cantado por Tulipa se repetiu no palco comandado por Sapiência. Rimando “batemos tambores, eles panelas”, o rapper puxou o já tradicional coro de “fora, Temer”, que ecoou pela plateia.
Após cantar “Vida Longa”, em que ele deseja “vida curta” ao racismo, o artista fez uma pausa para falar sobre a frase estampada na bateria. “Liberdade a Rafael Braga. Brasil injusto.” O momento foi seguido de “Amores às Escuras”. A canção de batida mais vagarosa evidenciou ainda mais a ginga contagiante dele, que chamou o público para dançar com os movimentos dos quadris.
O auge do show permanentemente energético de Sapiência aconteceu durante as músicas finais. Antes de apresentar “Meu Bloco”, ele disse ao público que aquele era o momento “tira teima” para testar o ânimo dos presentes. E a resposta foi positiva. No minuto em que a batida começou, o público se entregou à canção. “Ponta de Lança”, que fecha o disco de estreia do rapper, Galanga Livre (2017), finalizou a apresentação no Coala. Com uma sintonia inigualável com os presentes, a canção ainda contou com uma breve interpretação de “Vai Embrazando”, de MC Zaac, cantada por Sapiência após ele descer do palco e encostar na grade para se aproximar dos fãs.
Emicida, Fióti e Rael
O show do Emicida ganhou tom político antes mesmo de começar: quando as luzes se apagaram, indicando a proximidade da apresentação, via-se apenas um letreiro que dizia “Liberdade para Rafael Braga”. O rapper começou a performance sozinho, enfileirando “Zica Vai Lá”, “Triunfo” e “Boa Esperança”. Após as três primeiras músicas, Emicida parou para conversar com a plateia. Sempre crítico ao governo brasileiro, ele também mencionou inclusive a manifestação neonazista que ocorreu no estado de Virgínia, nos Estados Unidos, no mesmo dia do Coala. “Liberdade para Rafael Braga nessa porra!”, enfatizou.
Emicida ainda apresentou “Bang!”, que originalmente tem participação de Adriana Drê, e “Gueto”, que foi gravada com MC Guimê, antes de chamar o irmão Fióti ao palco. “Salve, salve, gente bonita”, disse, cumprimentando a multidão e brincando com o nome do EP Gente Bonita, que ele lançou no ano passado. Juntos, eles cantaram “Só Uma Noite”, de Emicida, e “Pitada de Amor”, de Fióti.
Rael se juntou ao espetáculo apresentando “A Cada Vento”, parceria com Emicida. A música foi seguida por “Envolvidão”, um dos sucessos dele. “Vamos imaginar aqui no Coala que somos uma religião”, disse. “A religião do amor, a religião contra a intolerância religiosa, a religião contra o racismo, a religião contra a falta de respeito com as mulheres e a falta de respeito com os todos os trabalhadores. Uma religião para mudar a situação de um presidente que não sabe comandar o país.”
A performance do trio seguiu com “Quem Tem Fé”, música de Rael gravada originalmente com a participação de Chico César, e “Hoje Cedo”, canção de Emicida com refrão de Pitty. “Vocês são foda e essa noite é histórica, sem palavras”, disse Emicida. As críticas sociais continuaram: “O Brasil é uma instituição ruindo, que tem Joesley na rua e Rafael Braga na cadeia. Libertem Rafael Braga!”. Depois de “Chapa”, Emicida mostrou “Mufete”, uma homenagem ao continente africano. “A gente fez essa música em Ruanda. Era a primeira vez que eu estava na África e eu queria agradecer, essa foi a melhor forma que eu encontrei”, ele disse, antes de começar os primeiros versos da canção. “Essa é a nossa forma de dizer: Obrigado, África!”
Em meio ao show recheado de comentários políticos e sociais, Emicida deu um lembrete: “Você, em qualquer instância, é obrigado a respeitar o amor. Em qualquer formato e em qualquer instância”. Ainda foram apresentadas “Baiana”, originalmente com participação de Caetano Veloso (apesar de headliner do mesmo evento, ele não participou da performance) e o sucesso “Passarinhos”, originalmente com Vanessa da Mata. Para “Mandume”, Emicida chamou ao palco o rapper Muzzike. “O hip-hop só sabe sonhar se for no coletivo. A nossa vitória ou é de todo ou de ninguém”, Emicida comentou. Depois de “Casa”, Rael retornou ao palco para “Levanta e Anda”, mais uma parceria dele com Emicida, que encerrou a vertente rap na noite de domingo no Memorial da América Latina.
Caetano Veloso
Devido a uma sequência de pequenos atrasos nos shows anteriores, Caetano Veloso entrou no palco do Coala apenas 30 minutos após o horário previsto, às 20h50. Mas a demora não interferiu em nada na euforia do público, que esperava ansioso a presença de um dos maiores ícones da nossa música. Sozinho, apenas com um violão, ele começou a apresentação com “Nosso Estranho Amor”.
Sem pausas, o show seguiu com “Odeio”. Entre um verso e outro, o público encontrou uma brecha para compor a canção com Caetano, embalando o nome do presidente Michel Temer logo após o verso “odeio você”, como já aconteceu em outras apresentações dele ao redor do Brasil. “London London” e “Luz do Sol” foram as próximas. As performances evidenciaram a força atemporal de Veloso, que, mesmo com um repertório por vezes inesperado e sem banda de acompanhamento, foi acompanhado durante toda a apresentação pelo coro vivaz do público.
“Baby” deu início a uma sequência de sucessos que fez a plateia vibrar. “O Leãozinho” veio depois, causando delírio, sentimento que continuou em “Menino do Rio”. Após “Minha Voz, Minha Vida”, o baiano fez a famoso ode a São Paulo com “Sampa”. A comoção foi tanta que Veloso quase não foi ouvido quando, ao final da música, embalou um pequeno trecho de “São, São Paulo”, de Tom Zé, para finalizar a homenagem.
Caetano completou 75 anos na última segunda, 7, e, para não deixar que a data passasse em branco, o público puxou um “Parabéns Para Você” depois de “Reconvexo” e “Um Abraçaço”. O canto foi seguido por “Nine Out of Ten”, em que ele clamou estar “muito vivo”, antes de dar início ao momento mais político da apresentação, com “Podres Poderes”. Ao fim da performance, Caetano declamou um breve “fora, Temer”, seguindo a tradição da tarde/noite no festival.
O show ainda contou com “Tigresa”, “Qualquer Coisa”, “Força Estranha” e “Desde que o Samba É Samba” antes dele fazer o público dançar (apenas com um violão, sem nenhum instrumento de percussão) com “A Luz de Tieta” e deixar o palco pela primeira vez. Mesmo sem Veloso, os versos de “Tieta” não pararam de ecoar pelo Memorial da América Latina, e ele retornou para mais duas músicas. Pela vastidão de sucessos, o cantor deixou, sem grandes problemas, músicas como “Sozinho” e “You Don't Know Me” de lado. As escolhidas para terminar o dia de brasilidades do Coala foram “Um Índio” e “Odara”, que, pela última vez neste sábado, 12, fez o público paulistano dançar.