Acompanhado da banda Bixiga 70, músico tocou ao lado de Mariana Aydar, Tulipa Ruiz e Marcos Valle
Depois de viver uma longa temporada nos Estados Unidos - e já com os discos Bad Donato e Donato/Deodato na bagagem -, João Donato resolveu voltar ao Brasil no começo da década de 70, com a intenção de gravar um disco “brasileiro”. Com a produção de Marcos Valle, gravou Quem É Quem, o primeiro em que ele apareceria cantando suas próprias composições. Mas apesar de ter conseguido uma gravadora que editasse o trabalho, veio a surpresa: depois de Donato finalizar o disco, a gravadora se recusou a lançá-lo. O músico não teve dúvidas: juntou uma pilha de LPs, convidou a imprensa e, diante da igreja Outeiro da Glória, no Rio de Janeiro, literalmente lançou os discos para o céu. Esta história já é bem conhecida e é uma das acompanham a longa carreira do virtuoso músico nascido em Rio Branco (Acre), em 1934.
Quarenta anos depois, Quem É Quem, recheado de temas que se tornariam clássicos, foi executado pela primeira vez e na íntegra em um show na noite de quinta, 27, no Sesc Pinheiros (São Paulo). Ao longo da noite, Donato se apresentou acompanhado de duas estrelas da nova safra da música brasileira, Mariana Aydar e Tulipa Ruiz, do compositor e arranjador Marcos Valle, e de parte da banda Bixiga 70, que colaborou na releitura das intricadas harmonias fusion do álbum.
O show começou com “Chorou, Chorou”, com Donato ao piano e a banda já no palco. A surpresa deste início foi ouvir o protagonista cantando, algo não usual em sua carreira. A seguir executou “Amazonas”, composição que o músico fez, segundo explicou, a partir de um sonho que teve. E como Donato aprecia contar histórias, seguiu contando as circunstâncias da criação de “Terremoto”, que teve arranjos originais do maestro Laércio de Freitas. Convidou então ao palco Mariana Aydar, e juntos fizeram “Metamorfose” e “Mentiras”. Até aí, o show ainda estava frio, mas esquentaria logo em seguida, justamente com “Cala Boca Menino” (de Dorival Caymmi), a única não autoral do set list, quando os músicos do Bixiga 70 se fizeram notar com seus naipes de sopros, promovendo um groove arrepiante.
A faixa seguinte, “Nanã das Águas”, teve execução bastante alongada e enriquecida com os solos do Bexiga 70, mais uma vez dando destaque ao metais. Donato contou que suas músicas originalmente tinham títulos diferentes, e explicou que isso se dá por culpa dos letristas, “que têm a mania de mudar os nomes”. É o caso de “Me Deixa”, que anteriormente se chamava “Rio Branco”, a sétima canção do repertório da noite.
“Fim de Sonho”, o tema de Quem É Quem mais identificado com a bossa nova, deu início à segunda metade da apresentação. Em seguida, o dono da festa convocou o responsável pela produção do álbum de 1973. Marcos Valle recebeu elogios de Donato e os retribuiu na mesma moeda. Com Valle diante do teclado, Donato fez a suingada “Cade Jodel” e “Não Tem Nada Não”, em uma sequência de quase 15 minutos. Ambas ofereceram outra oportunidade para o Bixiga 70 enriquecer os arranjos com os belos grooves dos metais.
Donato chamou ao palco mais uma convidada, Tulipa Ruiz, que cantou “Flor de Maracujá”, seguida de “Até Quem Sabe”, primeiramente apenas com piano e voz, depois com a entrada da banda, o que acentuou a densidade dramática. Foi a oportunidade para Tulipa brilhar, com a voz emocionada, além de evocar uma dramaticidade digna de Elis Regina no auge. Finalizaram a parceria com a alegre “A Rã”, apresentada no estilo “scat”, sem a letra de Caetano Veloso e com a participação do público, que atendeu ao desafio de Donato e fez coro.
O show terminou com “Ahiê”, com vocais de Donato, mas o público insistiu e ainda ganhou mais um bis festeiro de “Cala Boca Menino” com todos os convidados de volta ao palco e fazendo coro. Aos poucos todos saíram em fila, repetindo o refrão, enquanto o Bexiga 70 continuou processando grooves até o palco enfim se silenciar de vez.
João Donato se apresenta mais uma vez nesta sexta, 28, no Sesc Pinheiros, a partir das 21h.
Set list:
“Chorou, Chorou” (João Donato/Paulo Cesar Pinheiro)
“Terremoto” (João Donato/Paulo Cesar Pinheiro)
“Amazonas” (João Donato)
“Fim de Sonho” (João Donato/João Carlos Pádua)
“A Rã” (João Donato / Caetano Veloso)
“Ahiê” (João Donato / Paulo Cesar Pinheiro)
“Cala Boca Menino” (Dorival Caymmi)
“Nãna das Águas” (João Donato / Geraldo Carneiro)
“Me Deixa” (João Donato / Geraldo Carneiro)
“Até quem Sabe” (João Donato / Lysias Enio)
“Mentiras” (João Donato / Lysias Enio)
“Cadê Jodel” (João Donato / Marcos Valle)
“Não Tem Nada Não” (João Donato / Eumir Deodato / Marcos Valle)
“Flor de Maracujá” (João Donato / Lysias Enio)
Bis:
“Cala Boca Menino” (Dorival Caymmi)