A Rolling Stone Brasil conversou com Marcelo Marques, do canal Audino Vilão, para discutir as diversas possibilidades do Youtube como ferramenta de informação
O YouTube é um dos grandes fenômenos da internet. A plataforma de vídeo online conta com diversos criadores de conteúdo e canais com os mais variados assuntos, do humor às famosas videoaulas.
Além disso, o YouTube pode ser considerado um local importante de transmissão de informação. Uma pesquisa realizada pela Câmara dos Deputados e pelo Senado indicou que 49% dos brasileiros se informam pela plataforma - número representativo da relevância do conteúdo dos vídeos.
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Não é inédito o uso da plataforma para se informar, mas o YouTube mostrou a força, principalmente, durante a pandemia de Covid-19. Enquanto escolas e universidades não estão totalmente preparadas para o formado EAD, o serviço de streaming serve como complemento didático.
A plataforma também pode ser considerada uma ferramenta para ajudar na democratização do conhecimento, uma vez que viabiliza o acesso, muitas vezes de forma gratuita, aos mais diversos conteúdos que não são disponibilizados e ensinados fisicamente.
Contudo, é preciso ser realista: ainda falta muito para o Brasil alcançar a democratização da informação - e os números mostram isso. Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua, um em cada quatro brasileiros não tem acesso à internet, e um em cada cinco não tem aparelho celular.
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Com a exclusão digital de muitos brasileiros, a democratização de informação ainda é difícil, mas alguns YouTubers estão fazendo a parte deles - e é o caso de Marcelo Marques, do canal Audino Vilão. Estudante de História, o produtor de conteúdo faz diversos vídeos falando sobre filosofia e teóricos da área - como Platão, Nietzsche e Aristóteles - de forma descomplicada, em linguagem usada no dia-a-dia.
Nascido em Paulínia, município no interior de São Paulo, e formado no ensino médio pela educação pública, Marcelo Marques começou a falar sobre filosofia no canal após ser demitido no meio da pandemia de Covid-19. Ele resolveu usar a internet para publicar um vídeo explicando sobre Marx - e foi aí que tudo começou.
Desde então, Marques tem o objetivo de quebrar estereótipos por meio dos vídeos, e mostrar que conhecimento não pode ser elitista.
A Rolling Stone Brasil conversou com o YouTuber Marcelo Marques para refletir sobre a plataforma de vídeo como uma ferramenta que traz diversas possibilidades, inclusive uma extensão da sala de aula. Segundo Marques, “a democratização do conhecimento é muito necessária”, inclusive quando se trata do estudo da filosofia:
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“[A filosofia] tem livros extremamente complexos, quase impossíveis para uma pessoa que não está inserida no campo acadêmico, naquela norma culta. Fenomenologiado Hegel e Crítica da Razão do Kant são dois exemplos de livros que se você der na mão de um cara que acabou de acabar o ensino médio de escola pública ele vai pensar ‘mano, será que eu realmente aprendi a ler e escrever?’”, explicou o YouTuber.
O fato de a filosofia ter uma linguagem distante do dia-a-dia traz uma finalidade específica para o canal Audino Vilão: “Vem justamente para tentar aproximar esse público, para tentar falar assim ‘Oh gente, filosofia é difícil, mas dá para ensinar, a gente pode conversar ela de um jeito que dá para entender. A gente pode traduzir, trazer ela em alguns aspectos que fica acessível a todos,” disse.
Mais do que vídeos apenas vídeos, Marcelo Marques proporciona aulas aos mais diversos espectadores - e o professor entende o YouTube como um facilitador repleto de vantagens quando comparado à sala de aula.
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“Quem entra em um vídeo meu - o vídeo de Freud, teve 15 ou 17 minutos, por exemplo - entra já prestando atenção, pensando ‘vou aprender Freud, vou pegar a visão de como é essa parada’. Em contrapartida, em uma sala de aula você tem uma variável de coisas que vão deixar o disperso. Você tem o amigo que tá do lado, puxa papo, barulho, calor (...), e isso já colabora muito para a galera não prestar atenção”, disse.
O criador de conteúdo também aponta o cansaço do diretor e da sala, principalmente em períodos noturnos, que colaboram para a aula não render - questões que podem ser contornadas por meio dos vídeos:
“Um vídeo meu de 17 minutos rende mais que uma aula então nesse sentido que é mais proveitoso essa extensão do YouTube. Ela é mais direta, consegue transmitir a mensagem de uma forma melhor. Fora que tem toda a liberdade da licença poética. Tem coisa nos meus vídeos que eu falo e não posso falar em sala de aula. Alguns exemplos que uns pais me cancelariam,” explicou.
Marques sabe da importância da sala de aula, por isso não vê o canal como um substituto, mas como complemento. Além disso, o YouTuber reconhece a limitação da plataforma: "Não vai ter o contato direto com o professor para tirar dúvida, infelizmente carece disso, mas ele tem os comentários, ainda tá para interagir uma coisa ou outra, mas pelo menos contribui um pouco para isso."
Não. Definitivamente não. Marques tem o objetivo de encorajar os outros a entrarem na universidade, mas reconhece os ricos conhecimentos que nunca serão adquiridos em uma sala de aula: a vivência periférica.
Se você pensa que apenas os teóricos, fórmulas e matéria decorada são informações válidas, está enganado. O conhecimento empírico de quem vive, é tão ou mais importante do que as matérias na grade curricular. Em uma conversa com Emicida - uma das grandes conquistas de Marcelo Marques a partir do canal -, o YouTuber refletiu sobre o tema:
“Os caras conhecem dados, a gente conhece nomes. O pessoal muitas vezes pode pensar ‘ah, conhecimento acadêmico é superior’. Tá, mas os acadêmicos usam muitas vezes essa galera como objeto de estudo. Quem melhor que essas pessoas que passam na pele o sociológico, a fome, desigualdade, precarização da escola, do estudo, todas essas questões”, disse.
Por isso, Marques incentiva e entrada dos moradores da periferia na universidade: para eles produzirem conteúdo a partir da própria vivência. “O cara que é o objeto de estudo. O pobre, o favelado, o cara que realmente passa todas essas dificuldades e vive aquilo desde que se conhece por gente. Muitas vezes, o conhecimento dos quebrada é empírico, a gente passa na pela, a gente sentiu isso. A gente sabe a dor, não lê em lugar nenhum.”
A partir dos vídeos, o YouTuber conseguiu mudar a trajetória de alguns seguidores, incentivando a entrarem no ensino superior e a se interessarem por assuntos pelos quais estavam desmotivados.
“Teve uma galera que me falou ‘cara, tava desanimado de prestar ENEM, para mim 2020 foi um ano perdido, e por causa dos seus vídeos consegui me animar, me motivar, vou prestar ENEM, vestibular da UNICAMP’. Alguns quebradas falaram ‘não sabia nem que curso ia fazer, mas gracas a você, decidi que vou fazer filosofia’”, declarou Marques.
O criador de conteúdo compartilhou outro feedback que recebeu: “Um maluco que falou ‘mano, por causa desse canal, eu tava desanimado com o EAD esse ano’ - ele já tava na graduação de filosofia - ‘e pelo seu canal não tranquei o curso. Seus vídeos me deram motivação, porque eu tava quase trancando meu curso de filosofia e por você me animei a estudar’”.
Além de ter inspirado os seguidores, Marcelo Marques também compartilhou grandes conquistas a partir do canal, como a aula sobre Nietzsche que deu ao lado de Luiz Felipe Pondé, que o introduziu ao filósofo.
Seria utópico tratar o YouTube como ferramenta de democratização da informação que possibilita o acesso a todos. Afinal, muitos ainda não possuem acesso à internet, considerados excluídos digitalmente.
Os resultados da A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua indicaram que, em 2018, um em cada quatro brasileiros não tinham acesso à internet - essencial para acessar conteúdo online, inclusive o YouTube. Marcelo Marques sabe disso, por isso entende a plataforma como uma extensão:
“Nem todo mundo tem acesso à informação. Até aqui na minha quebrada tem exemplo de gente que não tem acesso à internet, então infelizmente falta. Mas o Youtube, por outro lado, é uma boa extensão,” disse.
Em tempos de pandemia e salas de aula fechada, a plataforma de vídeos se mostra uma importante aliada para a transmissão de conhecimento - mas ela não é a solução.
Apesar de a ONU estabelecer o acesso à internet como direito universal, pelo menos 3 bilhões de pessoas ao redor do mundo não são contempladas pela navegação online - e é preciso medidas eficazes para a reversão desse quadro.
Enquanto não houver escolas ou internet para todos, ainda há muitas barreiras para o acesso democrático de informação.
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