O músico quer se livrar de velhos (e novos) fantasmas
A ideia de aposentadoria pode ter abandonado momentaneamente os pensamentos de Criolo, principalmente após a explosão de popularidade que seguiu o lançamento do segundo disco dele, Nó na Orelha (2011), um trabalho até então definido por ele como “um muito obrigado” aos fãs e uma despedida definitiva. Mas o plano não fugiu completamente da órbita. O sucesso que bateu à porta do rapper gera embates internos nele até hoje. “Você tem que sorrir, mas pode sorrir até certo tanto”, filosofa Criolo, sobre a maneira como o terceiro disco refletirá a celebração consciente por tudo o que aconteceu com ele nos últimos anos. “Todo mundo fala de um sorriso largo, que isso contagia. Ao mesmo tempo, se você parar para pensar, o sorriso parece ter o prazo de alguns segundos.”
"Você tem que vencer por excelência do teu esforço", diz Criolo.
No estúdio El Rocha, na zona oeste de São Paulo, onde passou a maior parte dos dias entre o fim de julho e o início de setembro, ao lado dos produtores e “braços direitos” Daniel Ganjaman e Marcelo Cabral, Criolo experimentou uma sensação de imersão inédita nestes 25 anos de carreira. O primeiro álbum, Ainda Há Tempo, lançado há oito anos, sob o apelido de Criolo Doido, foi gravado aos poucos, com pequenas incursões aos estúdios. “A gente fazia um disco e passava o dia entregando panfleto de supermercado”, lembra ele. “A cada vez em que eu entrava no estúdio, me sentia vivo.”
"Você tem que vencer por excelência do teu esforço", diz Criolo.
O definidor Nó na Orelha, por sua vez, era “um registro de um cara que tinha parado de cantar”. “[O disco] me trouxe muita felicidade de ver que era capaz, de conseguir abrir um diálogo”, conta o rapper. O profissionalismo de Ganjaman e Cabral foi determinante na época, ele elogia.
Em meio aos trabalhos para o terceiro álbum que deve sair até o final de 2014 e terá entre os colaboradores Kiko Dinucci, Rodrigo Campos e o parceiro de longa data DJ Dandan –, Nó na Orelha voltou à tona. Mas não por um bom motivo: um trecho de “Linha de Frente” foi apontado como plágio da música “Tristeza Pé no Chão”, criada por Armando Fernandes, o Mamão, e sucesso na voz de Clara Nunes. A assessoria de imprensa do músico paulistano afirmou que Criolo entrou em contato com Mamão e ambos “esclareceram o mal entendido”.
Tom Zé, Criolo e outros artistas se apresentam na primeira edição do Coala Festival.
Passada a turbulência, o rapper voltou a focar nas novas composições. Era o que já vinha fazendo há algum tempo. Em 2013, novamente sob a batuta de Ganjaman e Cabral, ele lançou as inéditas “Duas de Cinco” e “Cóccix-ência”, que foram chamadas de EP, embora Criolo não goste do termo. “Fizemos aquelas coisinhas lá”, desconversa. Foi o ponto de virada para que o trio soubesse que o estúdio os esperava, definitivamente, e colocava o ponto final no questionamento que rondava a cabeça do rapper. Ele buscava uma resposta para a pergunta que o assombrava: “Até que ponto temos uma contribuição real [para a música e para o público]?”
Neste ano, a respostaveio em forma de protesto, com a faixa “Sangue no Cais”, composta especialmente para o movimento #OcupeEstelita, no Cais José Estelita, no Recife. Uma faixa forte, que mostra que o hip-hop em forma de canção ainda tem espaço no repertório do rapper. “O Daniel [Ganjaman] contou o que estava acontecendo e aquilo me emocionou muito”, conta Criolo. “Foi espontâneo. Essa canção é um presente para as pessoas de lá.”
O Criolo que senta no sofá de uma das salas de estúdio, aos 39 anos, passou, desde 2011, por mudanças difíceis de imaginar. Dentre as transformações compreensíveis com o passar dos anos, a saída do Grajaú, onde morou a vida toda, talvez seja a mais perturbadora. “Agora tenho um cantinho a três quarteirões da Cracolândia”, diz ele, antes de justificar a mudança pela falta de tempo. “Amanhecer o dia no seu bairro faz total diferença. Não dá pra explicar. A zona sul é mágica, mano”, completa o rapper. “O meu sorriso se abre mesmo é no Grajaú.”